Aborto eugênico
Anotações de Aula
Professora Sílvia Mota

Definição e fundamento
 
A expressão aborto eugênico é a mais usada para referir-se ao aborto realizado quando existe importante risco ou probabilidade de que o feto esteja gravemente afetado, dando origem a uma criança com graves anomalias ou malformações. O aborto eugênico tem por fundamento o interesse social na qualidade de vida independente de todo ser humano e não o interesse em assegurar a existência de qualquer um desses seres e em quaisquer condições (FRANCO, [1991], p. 238).
 
Antecedentes históricos
 
Sherri Finkbine viajou com o marido dos Estados Unidos para a Suécia, a fim de submeter-se a uma intervenção abortiva não consentida no seu país. Tal intervenção, que impediu o nascimento de uma criança portadora de graves anomalias por influência da Talidomida, medicação causadora de malformações congênitas no feto, colocou em foco um aspecto novo do problema jurídico e social do abortamento (GARCIA, 1962, p. 7).
 
Casuística nacional
 
A desastrosa experiência alemã com a eugenia, inspira cuidadosa reflexão do direito brasileiro. Breve olhar, ainda no século passado, emudecerá por instantes quaisquer reflexões sobre o tema aqui abordado, pois dos idos de 1935 chegam até o presente, ecoando no volume VIII dos Annaes da Assembléia Nacional Constituinte da República dos Estados Unidos do Brasil, as palavras do deputado Pacheco e Silva, relacionadas à emenda proposta ao capítulo destinado à Assistência Social que obrigava os poderes públicos a cuidar da educação eugênica e sexual: "[...] vai pelo mundo todo um verdadeiro clamor; cientistas, educadores, penalistas e economistas preocupam-se com esse problema, lembrando aos poderes públicos a conveniência de se fazer, por todos os meios, larga difusão das leis biológicas que regem a evolução da espécie humana, criando-se institutos especializados que se encarreguem de firmar os princípios que contribuem para o aperfeiçoamento da raça" (CONGRESSO NACIONAL, 1935, v. 8, p. 222-228).
 
Mais adiante, continua seu discurso, apregoando que no Brasil esforçava-se por obter raças apuradas de cavalos, suínos, caprinos, buscando selecionar ameixas e beterrabas, mas não se esforçava em criar raças humanas menos defeituosas para aumentar a longevidade e a robutez. Escuda-se em valores morais, econômicos e sociais, para justificar a criação de leis para evitar a procriação de entes inúteis. E, assim, prossegue: "O ideal eugênico deve preocupar os homens aos quais a nação confiou a elaboração das suas leis básicas, na certeza de que os interesses mais vitais do seu povo não serão esquecidos. [...] Devemos criar a nossa antropologia política, proporcionar meios para que o ambiente em que vive o nosso povo seja mais propício á saúde, velar pelas leis que regem a transmissão dos fatores hereditários ás gerações futuras" (CONGRESSO NACIONAL, 1935, v. 8, p. 222-228).
 
No Brasil, como se vê, o apelo à eugenia não é coisa do presente, oriundo, ao que normalmente se pensa, das atuais possibilidades criadas pela ciência. Houve época em que as tribunas falavam, invocando um patriotismo enamorado pela preservação da pureza da raça brasileira, inspiradas no nazismo.
 
Mais tarde, nas décadas de 50 e 60, inúmeras mulheres grávidas fariam uso irresponsável da Talidomida, levando ao nascimento milhares de crianças com graves anomalias, cujo sofrimento navegou no esquecimento da justiça e dos discursos políticos, vítimas da negligência médica.
 
Fatos como esse ainda ocorrem porque não há, no direito brasileiro, previsão legal para o aborto eugênico, tendo em vista que, em 1940, quando foi elaborado o Código Penal brasileiro, a genética ainda não alcançara o estágio de identificar doenças fetais. O que ocorre, então, é que alguns magistrados passaram a considerar os casos de anomalia fetal como graves ameaças à saúde mental das mães, além de vê-los, com relação ao futuro ser, como bloqueadores da possibilidade de se usufruir de uma vida digna. Esse novo pensamento deu origem aos chamados alvarás judiciais, que concedem autorizações para a interrupção da gravidez dos fetos malformados.
 
Em 1984, uma paciente portadora de Hanseníase, fazendo uso de anti-concepcional, engravidou. Essa doença só é controlável pelo uso da Talidomida. Desta forma, a jovem grávida solicitou ao Conselho Federal de Medicina parecer sobre a possibilidade de interromper a gestação. O caminho foi de difícil acesso, mas findou com a autorização judicial para que fosse feito o aborto (BRASIL, 1991).
 
Sucederam-se, diversos outros casos, desta vez, envolvendo mulheres portadoras de fetos anencéfalos.
 
Parece ressurgir, nos dias atuais, a Teoria da Viabilidade, ao lado do nascimento com vida. Alguns autores preferem a denominação vitalidade ou ainda vidabilidade, embora qualquer desses vocábulos sejam válidos para determinar a aptidão para viver, por ter a criança nascido sem nenhum defeito orgânico que a impossibilite de desfrutar de uma existência digna.
 
Posicionamentos contrários à prática do aborto eugênico
 
Juiz do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo: “Fica-se, porém, a imaginar admitida a prática dessas autorizações, se não se estará afirmando, de caminho, equivalente possibilidade de autorização de não importar quais crimes. Hoje, o do aborto; amanhã, o da eutanásia; no futuro, o do furto, o do roubo, o das violações etc.” (DIP, 1996, p. 538).
 
Sandoval Ovídio Rocha (1997, p. 500): “[...] não existe norma de Direito Positivo a contemplar a possibilidade de dar autorização judicial, como procedimento independente, para a realização do aborto nas hipóteses contempladas no art. 128 do Código Penal [...]. Portanto, se existirem casos de concessão de alvarás autorizando a prática de aborto não há dúvida de que estaremos diante de ato nulo de pleno direito, porquanto sem valor algum na Ordem Jurídica.”

Referências
 
BRASIL. Conselho Federal de Medicina e Procuradoria Geral da Justiça do Distrito Federal. 13 de março de 1984. Arquivo do Conselho Regional de Medicina do Paraná, Londrina, v. 8, n. 31-32, p. 111-117, jul./dez. 1991.
 
CONGRESSO NACIONAL, Rio de Janeiro. Annaes da Assembléia Nacional Constituínte, Rio de Janeiro, 1935. v. 8.
 
DIP, Ricardo Henry Marques. Uma questão biojurídica atual: a autorização judicial de aborto eugenésico: alvará para matar. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 734, p. 538, dez. 1996.
 
FRANCO, Alberto Silva, GONÇALVES JR., José. Aborto por indicação eugênica: parte II. Reprodução, [São Paulo], v. 6, n. 5/6, p. 238, [ago. 1991].
 
GARCIA, Basileu. Thalidomide e abortamento. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 324, p. 7-9, out. 1962.
 
SANDOVAL, Ovídio Rocha Barros. Autorização judicial para a prática de aborto. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 739, p. 500, maio 1997.

 
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 03/09/2016
Reeditado em 25/09/2016
Código do texto: T5748703
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