Atos de disposição do cadáver
Professora Sílvia Mota
Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Santoro-Passarelli não vê empecilho algum nos atos de disposição do próprio cadáver, mas indica que, uma vez extinta a personalidade, deve-se observar o limite de não serem esses atos contrários à lei, à ordem pública ou aos costumes. [1]
Toda pessoa viva, como sujeito de direitos, pode dispor em vida sobre o destino do seu cadáver, no exercício legítimo de um direito da personalidade, estabelecendo as condições de sepultamento, embalsamamento, de proteção e incolumidade. Trata-se de ato de disposição de última vontade o qual se deve revestir dos requisitos de validade que informam os atos jurídicos, sob pena de nulidade.
Escritas essas palavras, cumpre reafirmar que o fato da personalidade ser conferida a partir do nascimento com vida e extinguir-se com a morte não é absoluto, pois o mesmo não sucede com algumas categorias de direitos da personalidade, as quais se projetam após a morte, como se vê, por exemplo, na tutela da honra, do nome, da imagem, da memória do morto e tantos outros direitos da personalidade. Insere-se nesta seara a tutela do cadáver, que envolve atos de disposição daquele que foi pessoa, em respeito a sua última vontade. Para De Cupis, aquele que manifesta a sua vontade a respeito do destino do seu corpo para depois da morte, cria um negócio jurídico que tem por objeto uma coisa futura. [2]
Considerando que os direitos da personalidade são intransmissíveis, mesmo mortis causa, embora gozem de proteção depois da morte, traz-se à colação o art. 71 do Código Civil Português, o qual indica que os direitos da personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do seu titular. A legitimidade, nesse caso, para requerer as providências previstas no n° 2 do art. 70, condizente à tutela geral da personalidade, é do cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.
Não é sem razão que o Código Civil Brasileiro, não obstante suas imprecisões na matéria, prescreve no art. 11: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.” Inexistindo manifestação de vontade do de cujus sobre o destino do seu corpo pos-morten, poderão os parentes determiná-lo, fundados no sentimento de piedade que informa tal ato e especialmente por ser um dever constante das relações de família.
No Brasil, obtém-se a capacidade absoluta a partir dos 18 anos, conforme indica o art. 5º do Código Civil. Dessa forma, poderá a pessoa dispor do seu corpo livremente quando cumprir este requisito legal.
Além da idade, exige-se a capacidade de discernimento, de escolher entre o que é bom e o que não é, abrangendo assim, os loucos de todos os gêneros e os surdos-mudos que não puderem exprimir sua vontade. Nada impede, entretanto, que o menor e incapaz possa ser um doador de órgãos pos-morten, valendo para tal o consentimento de ambos os pais ou dos seus responsáveis legais para a intervenção cirúrgica, conforme estabelecido no art. 5º da Lei n° 9.434 de 1997. Conforme o art. 8° da mesma lei, após a retirada de tecidos, órgãos e partes, o cadáver será imediatamente necropsiado e, em qualquer caso, condignamente recomposto para ser entregue, em seguida, aos parentes do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento (Redação dada pela Lei nº 10.211, de 23 de março de 2001).
Referências
[1] SANTORO-PASSARELLI, F. Teoria geral do direito civil. Tradução Manuel de Alarcão. Coimbra: Atlântida, 1967, p. 32. Título original: Dottrine generali del diritto civile.
[2] DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Tradução Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro. Lisboa: Morais Editora, 1961, p. 94. Título original: I diritti della personalitá.