UM BIODIREITO INTERNACIONAL
Sílvia M. L. Mota
Monografia apresentada ao Curso de Doutorado da Universidade Gama Filho, como requisito parcial para aprovação da disciplina Organizações Internacionais, ministrada pelo Professor Doutor Celso D. de Albuquerque Mello. 2004. Nota: dez. [O trabalho apresenta trechos da Tese de Doutorado, à época, em andamento].
1 INTRODUÇÃO
Nos tempos modernos, encontra-se em marcha a instituição de um biodireito, o qual exsurge do desassossego que se tem com o Homem e sua dignidade. É necessário protegê-lo como ser biológico, desde a sua concepção, ou, por que não dizer, desde o seu patrimônio genético até a sua morte e, mais além, até o seu cadáver.
Tem-se pesquisado sobre uma possível passagem da bioética para o biodireito como novo ramo do Direito Civil e, após alguns anos de estudo (MOTA, 1995, 1996, 1998, 1999, 2002), faz-se necessário ensaiar respostas às diversas questões acerca do tema. Este é, sem dúvida, o momento mais difícil para um pesquisador que tem em mente a dignidade da vida humana.
Haverá realmente necessidade desse biodireito ou a divisão tradicional do Direito Civil e os institutos que a compõem bastariam para dirimir os conflitos suscitados pela biotecnologia? Essa questão se avexa ao ficar demonstrado que, na realidade, os institutos tradicionais não conseguem resolver as questões atuais.
Os aspectos jurídicos das manipulações genéticas são diversos. Por exemplo, a determinação do início da pessoa humana e a tutela a lhe ser outorgada, como matéria viva anterior ou emergente, que constituem pontos de tensão plantados pelas ideologias, por interesses econômicos e sociais, por manifestações de dimensão política, por uma variedade de formas imaginárias e naturais que determinam o complexo e ambivalente estereótipo, neste caso, da manipulação genética. Frente a isso, o direito é chamado, por um lado, a prevenir as ameaças futuras e ao mesmo tempo legitimar as novas aquisições da genética e de sua instrumentação, postas ao bem estar da humanidade.
Sendo assim, pela transcendência que a possibilidade das manipulações genéticas supõe, a preocupação do mundo jurídico não se tem feito esperar. Existem convenções internacionais, regulações jurídicas nacionais, declarações do poder político, entre outros atos jurídicos, que buscam tanto proibir como regular esta tecnologia biológica.
A importância das convenções internacionais sobre os direitos do homem e a biomedicina radica em que os estados que as firmem estarão obrigados a adaptar suas leis internas às suas previsões, o que forçosamente há de proporcionar pontos de vista renovados que permitam melhorar a consideração da pessoa humana no âmbito das relações clínicas.
Este trabalho é, necessariamente, uma abordagem seletiva. Opta-se por abarcar um amplo espectro de países e instituições, dando uma mostra geral, o que supõe que muitas disposições e documentos não estão aqui incluídos. Evidentemente, é impossível divulgar em uma obra do jaez de artigo científico, todos os documentos publicados sobre a matéria em jogo.
2 BIODIREITO
Em meio a tantos paradoxos impõe-se o biodireito como o mais recente ramo do Direito, que estuda as normas reguladoras da conduta humana perante as novidades apresentadas pela medicina e exploradas pela biotecnologia, numa visão que engloba o resultado presente e futuro na preservação da dignidade humana.
Este estudo vem sendo tratado em âmbito nacional e internacional (NEIRINCK, 1995; RODOTÀ, 1995; ROMEO CASABONA, 1995; CAYLA, 1991, p. 3-18; MATEO, 1987; TORRE, 1993; CASADO, 1996; SÉGUIN, 2001; FERRAZ, 1991; SANTOS, 1996), mas a proposta atual é tão somente iniciar uma discussão a respeito do referido tema.
É inegável a extrema delicadeza das novas situações que, por sinal, ultrapassam os limites da raridade, mas não se vê como proveitoso dramatizá-las se for feito, simplesmente, pelo impulso viciado que se tem de entrega a devaneios futurísticos, frutos de fértil imaginação. Isso não significa falta de receio ao enorme poder que o homem alcançou diante da vida, nem insciência da situação no campo da responsabilidade - mesmo porque não é possível separar o ato humano livre e responsável do juízo ético e, por isso, da responsabilidade, pois todo ato livre tem um conteúdo (SGRECIA, 1996, p. 144) - mas é apenas o reconhecimento que se deve fazer da importância das recentes descobertas na melhoria da condição humana. Acentua Heloísa Helena Barboza (1993, p. 12) em suas considerações a respeito do tema: “Parece-nos que, no momento, não podemos indagar até que ponto o cientista pode ir, mas até onde o jurista brasileiro já tem de chegar.”
No direito brasileiro, a vida encontra proteção no art. 2º do Novo Código Civil, que preceitua: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” O recente diploma legal mantém a diretriz do art. 4º expresso no código revogado (Código Civil aprovado pela Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916): ‘‘A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos dos nascituros.” Faltou, portanto, ao legislador, galhardia suficiente para assumir o início da personalidade civil da pessoa humana, a partir do momento da concepção e, com esta atitude, contribuir para o desvendar de inúmeras questões relacionadas ao aborto ou à procriação assistida.
Relevante trazer a lume que a redação do Código de 1916, não correspondeu à proposta inicial, que tinha alcance mais amplo. Clovis Bevilaqua (1921, v. 1, p. 169, nota ao art. 4º), no rastro de Teixeira de Freitas, inclinou-se sempre pelo início da personalidade demarcado na concepção por achá-lo mais lógico, tanto que, pelo art. 3º do Projeto Primitivo, de sua autoria, a personalidade datava da concepção, sob a cláusula do nascimento com vida. Invocava a impossibilidade de se configurar a existência de direito sem sujeito e, como percebia na defesa dos interesses do nascituro o reconhecimento de seus direitos, a atribuição de personalidade ao ente concebido e não nascido seria uma conseqüência natural. A Comissão Revisora, porém, substituiu a disposição referida por aquela que prevaleceu por tantas décadas, revigorando-se através do novel diploma civil.
A compor o ordenamento jurídico nacional, o legislador civil descortina à população um capítulo direcionado aos direitos da personalidade, no Livro I, Capítulo II, do artigo 11 ao 21. Esta presença é fruto das disposições constitucionais genéricas insculpidas no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, destacando-se como possíveis respostas ao clamor social direcionado à proteção de novos direitos surgidos a partir das conquistas da medicina atual. Alguns destes direitos são constantemente abordados pela doutrina e, até mesmo, pela jurisprudência, tais como: o direito de escolher o próprio momento da morte (referido como o direito moral de morrer); o direito a não receber transfusão de sangue, por motivo de convicção religiosa (caso das Testemunhas de Jeová); o direito de escolher, num laboratório, as características físicas de seu filho; o direito de não ter o filho naquele momento ou situação; o direito de não nascer com defeito genético; o direito a mudar de sexo; o direito de ter filhos geneticamente iguais, através da clonagem humana. Graças às conquistas médico-biológicas pode-se explorar, em separado, as diferentes partes do corpo humano, tais como o sangue, esperma, medula, tecidos, órgãos, sendo igualmente possível congelar embriões ou interferir no direito sucessório, modificando o parentesco através da procriação assistida.
Embora inovadoras essas disposições são insuficientes como paradigmas legais, com vistas às modernas relações sociais emergentes da conscientização do indivíduo frente ao seu posicionamento no mundo atual. Persistem inseguridade e intimidação. Pairam, ainda, na consciência jurídica, inúmeras inquirições sem respostas alvissareiras, entre estas: até que ponto se tem o direito de regulamentar a vida privada? Quais os valores que deverão nortear as leis, já que não se pode falar de uma só ética, mas sim, de várias éticas? E de que serviria uma legislação sobre a bioética se em outros países permeiam regras e conceitos distintos? Será possível ao direito positivo caminhar paralelamente às transformações sociais?
É certo que o Direito necessita estar atento ao desenvolvimento da sociedade, mormente quando o fizer em favor da pessoa humana. A função do jurista não deve ser tão somente a de racionalizar o presente, mas também a de programar o futuro. Os problemas que arrolam a vida privada foram regulados muito antes de surgirem as questões aventadas pela bioética, como indicam as normas relativas à família, ao parentesco ou às sucessões, mas a expectativa atual coloca-se nos domínios da legitimidade de interferência do Direito nos acontecimentos modernos que circundam a vida humana. Se os direitos do homem assomaram com a finalidade de estremar o desempenho do poder e, para demarcar o exercício dos outros homens, o âmbito de liberdade então conquistado não poderá ser penetrado nem pelo Estado nem pelos demais membros da sociedade. O Poder Legislativo estaria imiscuindo-se no processo democrático ao sentenciar qualquer lei à vida privada, com argumentos consolidados apenas no arbítrio estatal, sem justificativas às proibições. É de sabença que os parlamentares desconhecem os problemas biológicos atinentes à vida humana, da mesma forma que os cientistas ignoram barreiras éticas, morais e legais as quais jamais deveriam ser transpostas. Esse é o ponto crucial.
Contudo, mesmo diante dessa dificuldade de estabelecer uma só moral, vê-se como necessária uma regulamentação no corpo do estatuto civil que obedeça ao critério de uma ética de mínimos, com o estabelecimento de cláusulas gerais a serem aplicadas ao caso concreto, opondo-se à cristalização do direito positivo que, para ser válido, necessita de constante rejuvenescimento. Neste sentido, os mínimos universais são aqueles valores, determinados pela razão humana - e por essa razão universais - a que se chegam através de um diálogo entre seres livres.
A elaboração de uma ordem jurídica que tutele as relações sociais deverá levar em conta os princípios que norteiam a bioética, pois serão esses os fundamentos para a explicação que o Estado deverá dar ao estabelecer as regras dos mínimos a serem seguidas. É o que sugere a pena do professor Vicente Barretto (1994, p. 454): “Somente inserindo-se no processo de elaboração legislativa a dimensão ética, expressão da autonomia do homem, é que a ordem jurídica poderá atender às novas realidades sociais, produto da ciência e da tecnologia.”
Na feitura das normas civis que atingirão toda a sociedade esta, em necessário debate interdisciplinar, deverá arrogar-se uma posição ativa, fazendo-se representar através de juristas, médicos, filósofos, psicólogos, economistas, pesquisadores, técnicos em ética e moral, que se posicionarão à medida que lhes seja oportuno. Dessa maneira, estarão cingidas todas as perspectivas do pensamento.
Observe-se ainda que será possível alcançar a unidade dos critérios éticos e jurídicos, tornando-se viável a existência de uma bioética e de um conseqüente biodireito, através do congraçamento das legislações mundiais. Essa precisão coloca-se a fim de evitar que os indivíduos possam burlar as leis nacionais ao saírem em busca dos paraísos genéticos, onde sulcariam na permissibilidade das leis. Faz-se necessária uma regulamentação jurídica fundada na justeza de um acordo de mínimos universais, dobradiça à aceitação de jovens valores e estranhas vicissitudes. A ética que se preocupa apenas com a individualidade dos homens e da sociedade é limitada, pois somente aquela universal impõe aos indivíduos uma preocupação com todos os seres, colocando-os verdadeiramente em sintonia com o Universo e a vontade nele evidenciada (SCHWEITZER, 1964). Investiga-se o imperativo categórico de Immanuel Kant (1988, p. 59): “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”, para evidenciar que a ação humana a ser ponderada na determinação dos mínimos universais deve ser tal, que possa ser revelada como prática comum da comunidade social. Desse modo, a universalização aqui sugerida não há de ser considerada nos domínios da quimera, pois as ações do ser humano - livre e social - deslizam no leito indomável do evolucionismo, sugadas pelo magnetismo da ordem universal.
O embaraço jurídico está em detectar valores ético-sociais que, colocados frente à realidade social, conceberão as próximas leis. Portanto, a bioética tem como desígnio fornecer ao Direito estas orientações, revelando-lhe quando determinado valor humano deve ou não ser considerado universal.
Essas questões suscitam estudos especiais com vistas aos espaços já conquistados pelo Direito no campo da responsabilidade, pois antes de ser uma virtude ou um direito, é a responsabilidade, o fundamento mesmo de uma inédita concepção da ética (JONAS, 1993, p. 24).
Qualquer que seja o nome que receba a requestada disciplina – aqui sugerida como Biodireito - que agrupe o Direito, a Genética e a Bioética, existe atualmente um amplo consenso sobre determinados princípios que deveriam constituir esse direito: o respeito à dignidade do ser humano em todas as etapas do seu desenvolvimento; a proibição de efetuar aplicações contrárias aos valores fundamentais da humanidade; o acesso eqüitativo aos benefícios derivados das ciências biomédicas; a proibição de tratar o corpo humano ou partes do mesmo como uma mercadoria; o respeito à autonomia das pessoas que estão submetidas a tratamento médico, o que inclui as provas genéticas e o assessoramento e confidencialidade dos dados genéticos; a obrigação dos Estados de respeitar e não pôr em perigo a biodiversidade, como foi ratificado solenemente no Tratado sobre Diversidade Biológica, subscrito no Rio de Janeiro em 22 de maio de 1992; e o princípio de que a herança genética do homem não deve ser objeto de manipulação nem modificação.
Necessita-se de regras de respeito ao corpo humano, com relação à doação e recepção de embriões, à utilização de produtos do corpo humano, ao acesso igualitário à terapia genética, à procriação e ao diagnóstico pré-natal, ao uso dos dados confidenciais com fins de investigação na área de saúde, ao direito personalíssimo do indivíduo de conhecer suas origens, entre outras. Não se trata de utilizar as leis antigas no intento de adaptá-las às circunstâncias contemporâneas, mas de reelaborar um sistema coerente com modernizada visão do mundo e do homem atual.
Cumprindo a referida etapa, o sistema não correrá o risco de ficar em aberto, pois não mais caberá ao juiz completar a lei em casos específicos. Estará agindo de acordo com a norma jurídica e, na aspiração de fazer justiça, eximir-se-á de provocar uma tendência a diminuir a igualdade de todos perante a lei, o que conduziria a uma certa insegurança por sugerir arbitrariedades ao ser totalmente desvinculado um caso concreto dos demais. Será função do magistrado contemporâneo aplicar a lei existente às situações de conflito que lhe sejam apresentadas e, descobrir nela própria, inovadoras possibilidades interpretativas.
A lei não é engenho do espírito humano, mas qualquer coisa de natural e mística que eterniza o Universo, ritmando-o através do movimento contínuo das estações do ano ou de um assíduo amanhecer acossado pelo lusco-fusco crepuscular. Assim, não há porque ignorar sua importância e finalidade. Por outro lado, não se pode esquecer de que a Constituição é a Lei Máxima, mas não significa, necessariamente, uma ética de mínimos. Já dissera alguém que “as normas constitucionais não podem ser impostas aos homens tal como se enxertam rebentos em árvores. Se o tempo e a natureza não atuaram previamente, é como se se pretendesse coser pétalas com linhas. O primeiro sol do meio-dia haveria de chamuscá-las.” (Cf. HESSE, 1991, p. 17).
Necessário, na execução das leis aqui propostas, desvencilhar-se dos tradicionais ditames que se prendem, unicamente, ao poder imperativo da racionalidade e da experiência, acrescentando-se a esses domínios, as condições sociais, econômicas, éticas e morais que envolvem as relações fáticas. Reconhece-se, além disso, que uma nova atitude enraizada na evolução do pensamento humano, com fins à dignidade da vida, somente poderá evoluir num Estado onde exista uma Constituição Democrática que possa legitimar a Ética e o Direito ao indicar a escrita de leis espaldadas na concordância da maioria.
3 INTERFACE ENTRE A LIBERDADE DA CIÊNCIA E O DIREITO
3.1 A regulação jurídica da manipulação genética nas organizações internacionais
Os abusos na experimentação em seres humanos, o surgimento das novas tecnologias impondo questões inéditas, a percepção da insuficiência dos referenciais éticos tradicionais foram considerados e analisados em colóquios internacionais consagrados aos direitos humanos, às ameaças, aos danos submetidos ou às possíveis proteções.
Salienta Gislayne Fátima Diedrich (2001, p. 221) que as atrocidades experimentais em seres humanos ocorridas na Segunda Guerra Mundial, culminaram no Tribunal de Nuremberg (1947) tratando da relação do ser humano com o investigador científico e advertindo sobre a necessidade do consentimento esclarecido por parte de quem estiver envolvido na pesquisa, assim como da responsabilidade do cientista. A época nazista constitui-se num ponto crítico na história, ao levar 23 médicos alemães a sentarem-se no banco dos réus do Tribunal de Nuremberg (1947), sendo que 16 foram declarados culpados e sete condenados à morte.
A Declaração de Genebra (1948), na 1ª Assembléia da Associação Médica Mundial, que significa a atualização da ética hipocrática após as brutalidades detectadas na II Grande Guerra Mundial também é outra conseqüência importante das crises que assolaram o mundo. Na Segunda Assembléia Mundial (1949) adotou-se um Código Internacional de Ética Médica, inspirado na Declaração de Genebra e nos códigos deontológicos de inúmeros países.
Em 1964, formula-se a Declaração de Helsinki I, adotada na 18ª Assembléia Médica Mundial, Helsinki, Finlândia, onde a Associação Médica Mundial voltou-se para a relação entre o ser humano e pesquisador, novamente salientando a necessidade do consentimento e esclarecimentos do voluntário à pesquisa. Em 1975, entra na esfera internacional a Declaração de Helsinki II, fruto de revista na 29ª Assembléia Mundial de Médicos, Tóquio, Japão.
Em 1990, formulou-se a Declaração de Valência sobre Ética e o Projeto Genoma Humano, a declarar aceita a terapia gênica das células somáticas, para tratamento de determinadas doenças humanas.
Especificamente relativa à América Latina, foi a Declaração Ibero-latino-americana sobre Ética e Genética ou a Declaração de Manzanillo, de 1996.
Em 4 de abril de 1997, foi assinado em Astúrias o Convênio da Europa para a Proteção dos Direitos Humanos e a Dignidade do Ser Humano em relação às Aplicações da Biologia e da Medicina, ou seja, o Convênio sobre os Direitos Humanos e Biomedicina. O documento, com texto em inglês e francês, preceitua em seu Capítulo IV, arts. 11 a 14, disposições sobre o genoma humano, vedando qualquer discriminação em face do patrimônio genético e determinando ser o genoma humano patrimônio genético do indivíduo. O convênio vinculou, ainda, a realização de testes genéticos que prevejam doenças genéticas no indivíduo, que o identifiquem como portador do gene causador de moléstia ou detectem predisposição genética ou suscetibilidade a uma doença, ao propósito da saúde ou da pesquisa ligada a essa finalidade e com assessoramento genético apropriado.
Em 7 de novembro de 1998, foi a Declaração de Manzanillo (1996) revisada em Buenos Aires, enfatizando-se a solidariedade entre os povos, aderindo, também, aos valores e princípios proclamados na Declaração Universal sobre o Genoma Humano e dos Direitos Humanos da UNESCO.
A UNESCO, organização interdisciplinar das Nações Unidas que pretende fomentar a cooperação internacional para a Educação, a Ciência, a Cultura e a Comunicação, da qual fazem parte mais de 160 estados membros, a maioria dos quais estão no Terceiro Mundo, vem recebendo Recomendações da população científica para que se promova e facilite todos os aspectos de colaboração, tanto médica, como tecnológica e ética, a nível internacional e no âmbito do genoma humano.
A preocupação da UNESCO pelos problemas éticos derivados dos novos avanços tecnológicos originou a criação de um Comitê Internacional de Bioética (CIB), presidido pela francesa Nöelle Lenoir, no intento de elaborar uma série de Recomendações a respeito da manipulação do genoma humano.
Seguindo estas diretrizes, em 7 de março de 1995, o CIB aprovava um Projeto de Declaração para a Proteção do Genoma Humano. Em 26 de setembro de 1995 era aprovado novo texto da Declaração com algumas inovações.
O Comitê de Especialistas Governamentais, convocado em julho de 1997 para a conclusão do projeto, examinou o esboço preliminar revisto, redigido pelo Comitê Internacional de Bioética. Ao término de suas deliberações, em 25 de julho de 1997, o Comitê de Especialistas Governamentais, no qual mais de 80 Estados estiveram representados, adotou por consenso o Projeto de uma Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos, que foi apresentado para adoção na 29ª Sessão da Conferência Geral da UNESCO de 21 de outubro a 12 de novembro de 1997.
A Declaração da UNESCO estabelece limites éticos às pesquisas genéticas, com ênfase à defesa do patrimônio genético do ser humano, partindo do princípio de que a liberdade da Ciência nunca se deverá chocar com os direitos humanos e por isso há que se legislar sobre a experimentação com os homens ou a utilização de diagnósticos genéticos.
O Conselho da Europa, enquanto organização que presta atenção a todos os problemas que incidem sobre os direitos humanos, realiza inúmeras atividades tendentes a evitar que tais direitos resultem vulnerados pela aplicação das novas técnicas de engenharia genética. Dessa forma, suas considerações firmam-se em várias Recomendações, nas quais se analisam as repercussões que as técnicas de engenharia genética têm para a saúde, a segurança e o meio ambiente, assim como os problemas sociais, jurídicos e éticos que as novas possibilidades técnicas colocam.[1]
Uma das finalidades básicas do Conselho da Europa é a de harmonizar as legislações dos seus estados. A pedra de toque do Convênio é o conceito do consentimento do sujeito – na aplicação do princípio da autonomia – que tem o caráter de direito funcamental e atravessa longitudinalmente todo o vasto âmbito de aplicação da Bioética.
As Recomendações mais significativas do Conselho da Europa são as seguintes:
a) Recomendação 934, sobre Engenharia Genética, adotada pela Assembléia em 26 de janeiro de 1982;
b) Recomendação 1046 relativa à Utilização de Embriões e Fetos Humanos para Fins Diagnósticos, Terapêuticos, Científicos, Industriais e Comerciais, adotada pela Assembléia em 26 de setembro de 1986;
c) Recomendação 1100, relativa à Utilização de Embriões e Fetos Humanos em Investigações Científicas, adotada pela Assembléia em 2 de fevereiro de 1989;
d) Recomendação 1060 relativa à Elaboração de uma Convenção de Bioética, adotada pela Comissão permanente, atuando em nome da Assembléia, em 28 de junho de 1991;
e) Recomendação R 3, sobre Testes e Diagnósticos Genéticos com fins Médicos, adotada pela assembléia em 10 de fevereiro de 1992;
f) Recomendação R sobre o Uso da Análise do ADN no Marco do Sistema de Justiça Penal, aprovada em 10 de fevereiro de 1992;
g) Recomendação 1240 relativa à Proteção e Patentabilidade de Material Genético de Origem Humana, adotada pela Assembléia em 14 de abril de 1994.
Com a tecnociência oferecendo possibilidades futuras e uma visão do futuro, segundo as quais o homem e o mundo natural são radicalmente transformáveis (HOTTOIS, 1991, p. 53), a Assembléia Parlamentar do Conselho Europeu culmina por aprovar, em setembro de 1996, o Projeto de Convenção do Conselho da Europa para a proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade do Ser Humano em relação às aplicações da Biologia e da Medicina. O documento proíbe em seu art. 16 qualquer intervenção sobre o genoma humano que não seja com fins preventivos, terapêuticos ou diagnósticos e a condição de que não tenha por objetivo interferir na linha germinal, incluindo aqueles casos em que a manipulação tenha por objeto evitar uma enfermidade hereditária grave ligada ao sexo.
A União Européia, por sua vez, decorre de um tratado, assinado em 7 de fevereiro de 1992 na cidade holandesa de Maastricht, e que entrou em vigor em 1 de novembro de 1993, produzindo uma nova dimensão ao processo de integração européia.
Eis as propostas e diretrizes da União Européia no que diz respeito às intervenções no genoma humano:
a) Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do conselho, de 13 de dezembro de 1995, relativa à proteção jurídica das invenções biotecnológicas;
b) Diretiva do Conselho 90/219/CEE, de 23 de abril de 1990, relativa à utilização confinada de microorganismos modificados geneticamente;
c) Diretiva da Comissão 94/51/CE, de 7 de novembro de 1994, pela qual se adapta ao progresso técnico a Diretiva 90/219/CEE do conselho relativa à utilização confinada de micrrorganismos modificados geneticamente;
d) Diretiva do Conselho 90/220/CEE, de 23 de abril de 1990, sobre a liberação intencional no meio ambiente de organismos modificados geneticamente;
e) Diretiva da Comissão 94/15/CE, de 15 de abril de 1994, pela qual se adapta ao progresso técnico pela primeira vez a Diretiva 90/220/CEE do Conselho sobre a liberação intencional no meio ambiente de organismos modificados geneticamente;
f) Diretiva do Conselho 90/679/CEE, de 26 de novembro de 1990, sobre a proteção dos trabalhadores contra os riscos relacionados com a exposição a agentes biológicos durante o trabalho;
g) Diretiva do Conselho 93/88/CEE, de 12 de outubro de 1993, pela qual se modifica a Diretiva 90/679 sobre a proteção dos trabalhadores contra os riscos relacionados com a exposição a agentes biológicos durante o trabalho;
h) Resolução do Parlamento Europeo, de 16 de março de 1989, doc. A 2-327/88, sobre os problemas éticos e jurídicos da manipulação genética;
i) Resolução do Parlamento Europeo, de 16 de março de 1989, doc. A 2-372/88, sobre a fecundação artificial in vivo e in vitro.
A Declaração de Bilbao, de 1993, foi resultado da Reunião Internacional sobre O Direito frente ao Projeto Genoma Humano, para a qual os cientistas chamaram os profissionais do direito a conhecer os avanços científicos e tecnológicos da genética e a refletir acerca de suas implicações legais e sociais, a partir da assertiva de que os benefícios do Projeto Genoma Humano afetam a todo o mundo. Seus resultados pertencem não aos cientistas nem às empresas que os patrocinam ou aos países que os respaldam, mas aos seres humanos desta geração e das futuras. No debate foi destacada a existência de um grande número de problemas jurídicos a resolver; alguns atuais e outros que se farão mais evidentes à medida que avance o Projeto Genoma Humano. Entre importantes temas ali discutidos, pode-se destacar o da incidência da genética na liberdade da pessoa; o respeito aos direitos humanos consagrados nas constituições dos Estados democráticos; a proteção à intimidade pessoal; o patenteamento dos genes; a fixação de normas precisas para certas formas de engenharia genética; a utilização da informação genética no campo dos seguros ou a utilização de provas genéticas no campo do trabalho; a tensão entre a aplicação da investigação e a proteção das liberdades humanas.
O grupamento científico primou por encontrar um ponto único entre as opiniões diversas e entrecruzadas, chegando a algumas conclusões importantes (REUNIÓN ..., 1993, p. 177-182):
a) a incidência do conhecimento genético no ser humano, demanda uma detida reflexão dos juristas para resposta aos problemas que planta sua utilização;
b) a investigação científica será essencialmente livre, sem mais cortes que as impostas pelo autocontrole do investigador. O respeito aos direitos humanos consagrados pelas declarações e as convenções internacionais marca o limite a toda atuação ou aplicação de técnicas genéticas no ser humano;
c) a intimidade pessoal é patrimônio exclusivo de cada pessoa e portanto deve ser imune a qualquer intromissão. O consentimento informado é requisito indispensável para interferir nela. Excepcionalmente e por motivos de interesse geral, poderá permitir-se o acesso à mesma, em todo caso sob controle judicial;
d) o corpo humano, por respeito à dignidade da pessoa, não deve ser susceptível de trazer mais informações do que a estritamente necessária; deverá restringir-se à exigência indispensável de cada caso concreto;
e) até que o permitam os avanços científicos e dado que não se conhecem as funções exatas de um só gene, é prudente estabelecer uma moratória na alteração de células germinais;
f) se rejeitará a utilização dos dados genéticos que originem qualquer discriminação no âmbito das relações laborais, dos seguros ou em qualquer outro;
g) é aconselhável elaborar acordos internacionais e harmonizar as leis nacionais para regular a aplicação dos conhecimentos genéticos, assim como instaurar um controle supranacional.
Essa não foi uma decisão pioneira, pois pronunciaram-se em termos equivalentes a Declaração de Valencia sobre o Projeto Genoma Humano de 1988 (ponto 1) e também a Declaração de Valencia sobre Ética e o Projeto Genoma Humano de 1990 (ponto 4), no II Seminário sobre Cooperação Internacional para o Projeto Genoma Humano: Ética.
3.2 Regulação jurídica do genoma humano em diversos países
No Reino Unido, o interesse profissional pela seara genética teve início com a aprovação da Fertilisation and Embriology Act, em 2 de novembro de 1990. A lei proíbe, no seu art. 13º, a manipulação genética de embriões, embora permita, no art. 43º, o armazenamento e exame de gametas ou embriões que guardem relação com a investigação de crimes. Ampara também nos artigos 5º ao 27º a pesquisa sobre embriões humanos, ainda que submetida a uma série de controles e licenças que corresponde outorgar ao Conselho de Investigação Humana e Embriologia (MIRANDA, 1997, p. 81).
No Reino Unido, a legislação não castiga a clonagem de seres humanos a partir de células de um indivíduo adulto. Por outro lado, a questão das sondas genéticas, apesar do enorme potencial que encerra o acesso ao genoma de um indivíduo concreto, está praticamente sem regulamentação (MIRALLES, 1997, p. 63).
Tony Vickers (1993, p. 85-92.), representante da Gran Bretanha no Segundo Seminário Sobre Cooperação Internacional Para o Projeto Genoma Humano: Ética, afirmava, dado que existem fortes incentivos financeiros para o desenvolvimento de linhas de ação que não são desejáveis socialmente, caber apenas, como única solução possível, o controle legislativo.
Na Itália, em 1942, criou-se em Milão, o primeiro Conselho de Genética Pública e gradativamente esses serviços foram estendendo-se por todo o país.[2] Em 1977, o Governo italiano publicaria uma lei relativa ao conselho genético, que foi a primeira oportunidade de regulá-lo, facilitando a cooperação entre as diferentes localidades do país, já que possibilita que as autoridades regionais disponham de independência em relação à sua aplicação, tomando em consideração as diferentes situações de cada região.
A lei abarca especialmente os seguintes temas: risco de assessoramento e de tomada de decisões; assistência médica e social aos casais; consentimento informado com completo respeito à vontade do indivíduo; prazos e métodos de diagnóstico pré-natal; possível aborto terapêutico e controle da natalidade.
Anos após, em 1992, o Projeto do novo Código Penal Italiano contempla pela primeira vez a categoria dos delitos de manipulação genética em sentido amplo. O Livro I, Título III, reconhece a categoria dos delitos contra a gestação e aqui se incluem, entre outras figuras, o novo delito de embrionicídio pelo qual se castiga a produção da morte de um embrião fora dos casos previstos como aborto. Contempla também nesta categoria uma figura subsidiária da produção ou utilização de embriões para fins distintos aos da procriação. Inclui-se aí o delito da inseminação artificial não consentida, que passa a ser contemplada como conduta incriminada independentemente da regulação legislativa da reprodução assistida.
Da mesma forma, cria-se a categoria penal dos delitos contra a identidade genética (Livro I, Título IV, Capítulo III), por considerar que se lesiona o bem jurídico do direito à individualidade e de ser único e irreplicável, razão pela qual se proíbe qualquer manipulação salvo as que tenham uma finalidade estritamente terapêutica. Ao considerar esse direito consubstancial à pessoa humana e à sua dignidade, coloca-o entre os direitos fundamentais do homem. Para tal fim, considera-o vulnerável frente à uma prática delitiva que remeta: à alteração genética através da modificação sem fins terapêuticos do material genético de uma pessoa mediante intervenções sobre gametas, sobre o embrião ou sobre o ser humano depois do nascimento; à seleção genética de características genéticas de um embrião humano que suponham a predeterminação sem fins terapêuticos através da seleção de gametas ou qualquer outro procedimento artificial; à clonagem; à hibridação.
Além disso, cria, dentro da manipulação genética em sentido amplo, a categoria dos delitos contra a dignidade da maternidade (Livro I, Titulo IV, Capítulo IV); da gestação humana de um embrião animal; e da contratação com fins de procriação.
Realizam-se na França, especialmente a partir de 1983, com a criação do Comité Consultatif National d’Éthique pour les Sciences de la Vie et de la Santé (C.C.N.E.), inúmeros debates e reflexões sobre as questões suscitadas pelos avanços da genética humana.[3]
Como resultado têm-se os Ditames sobre a Terapia Genética, de 13 de dezembro de 1990 e sobre a não Comercialização do Genoma Humano, de 2 de dezembro de 1991. Seguiram-se a aprovação de diversas leis no âmbito da bioética, abrangendo diversos temas, todos relativos ao campo da saúde, com ênfase nas novas técnicas de genética humana. Fruto de proposta legislativa empreendida em 1990, por iniciativa de três Ministérios diferentes, que buscaram as informações de grandes personalidades do mundo da Ética, Medicina e Direito. Em 1992, um grupo de sessenta e oito deputados conservadores remeteram ao Conselho Constitucional francês um projeto referente aos temas relacionados com a bioética e o biodireito. Em 1994, o Conselho Constitucional decidiria pela aprovação de três Leis sobre Bioética[4], destacando que estas normas respondem ao objetivo de salvaguardar o interesse coletivo da espécie humana e da dignidade do corpo humano acima da liberdade de cada indivíduo, que já desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, se configura como um direito não absoluto, mas que haverá de conciliar-se com outros princípios de valor constitucional, como a dignidade do corpo humano ou a liberdade individual. São estas as referidas leis:
a) Lei nº 94-548, de 1 de julho de 1994, relativa ao Tratamento de Dados Nominativos que Tenham como Finalidade a Investigação no Âmbito Sanitário;
b) Lei nº 94-653, de 29 de julho de 1994, relativa ao Respeito ao Corpo Humano;
c) Lei nº 94-654, de 29 de julho de 1994, relativa à Doação e Utilização dos Elementos e Produtos do Corpo Humano e às Técnicas de Reprodução Assistida e Diagnóstico Pré-natal.
A última das citadas leis, também conhecida como A Lei de Respeito ao Corpo Humano, supõe o resultado de um intenso trabalho dirigido pelo Comité Consultif National d’Éthique, e se articula sobre a premissa básica de prevenir os perigos que acenam à intimidade da espécie humana (art. 16º.4). Ao mesmo tempo proíbe, nesse mesmo artigo, a seleção eugenésica e a terapia genética em linha germinal.
A Lei de Respeito ao Corpo Humano contém diferentes preceitos que complementam os artigos reconhecidos no Código Penal, como por exemplo, a seleção do material genético com fins eugenésicos, atividade castigada no art. 511º do diploma penal; supõe a introdução no citado Código Penal de novos títulos e capítulos. Assim, o art. 9º incorpora ao Livro V do Código Penal um título dedicado às infrações em matéria de saúde pública, e dentro dele se contempla um capítulo relativo às infrações em matéria de ética médica, subdividida em quatro seções: Da proteção da espécie humana; Da proteção do corpo humano; Da proteção do embrião humano e Outras disposições e penas complementares às pessoas físicas e responsabilidade das pessoas morais.
Na Alemanha, extremamente sensível e cauteloso é o governo quanto às questões relativas à aplicação da genética humana às pessoas.[5] As reminiscências de origem histórica levaram, em 1984, o Parlamento Federal alemão a criar um comitê de parlamentares e especialistas para propor recomendações sobre as futuras aplicações da tecnologia genética.
Na realidade, até 1990, o Governo Federal alemão não aprova o Projeto Genoma Humano e neste mesmo ano, em 20 de julho, entrava em vigor a Lei sobre Engenharia Genética alemã, assegurando a proteção contra os riscos e perigos produzidos pelos ácidos nucleicos recombinantes, construídos in vitro. Logo a seguir, em 13 de dezembro de 1990, aprovava-se a Lei de Proteção aos Embriões (La Getz zum Schutz von Embryonen). Em 12 de julho de 1994, completavam-se essas leis com a Lei sobre Organismos Modificados Geneticamente, que também regula análises genéticas e terapia genética em seres humanos.
A lei que regula as técnicas de engenharia genética tem como finalidade, como indica o seu artigo 1º, proteger a vida e a saúde dos seres humanos, animais e plantas e o equilíbrio do meio ambiente, assim como os bens materiais, frente aos possíveis riscos derivados dos procedimentos com tecnologia genética e os produtos conseguintes e, assim mesmo, prevenir a aparição dos referidos riscos. Objetiva, também, criar um marco jurídico adequado para a investigação, desenvolvimento, aproveitamento e fomento das possibilidades técnicas e científicas que se oferecem à engenharia genética.
O artigo 2º estabelece o âmbito da aplicação da lei, advertindo que seu conteúdo responde à exigência que o ambiente histórico-sociológico alemão faz ao momento de regular as práticas de engenharia genética. No art. 5º enumeram-se as funções da Comissão Central de Segurança Biológica, formada por uma comissão de especialistas de caráter multidisciplinar.
O rigoroso teor da penalização das condutas somadas às medidas de segurança são justificadas através da Constituição alemã que obriga ao Estado proteger a dignidade do homem, já que o direito também constitucional de autodeterminação individual e de liberdade da Ciência e investigação estariam restringidos na medida em que entram em colisão com o direito à dignidade.
A referida Lei de Proteção aos Embriões é também uma norma de caráter penal, que estabelece penas privativas de liberdade, junto com sanções pecuniárias àqueles que violem seus preceitos. Com referência aos preceitos que regulam as técnicas de manipulação genética, é destacável o art. 5º, que castiga com penas de até cinco anos de privação de liberdade ou com sanção pecuniária àqueles que, com propósito de fecundação, pratiquem uma modificação genética em linha germinal ou utilizem uma célula reprodutiva humana com um genoma modificado artificialmente. No art. 6º, impõe a mesma pena a quem pratique uma clonagem de embriões ou a quem implante em uma mulher um embrião clonado. Pune-se, da mesma forma, a tentativa. O art. 7º castiga com análoga pena a quem implante um embrião produto de algumas das manipulações anteriormente referidas.
Na Espanha não existe nenhuma lei que regule especificamente as aplicações das informações obtidas no desenvolvimento do Projeto Genoma Humano. Contudo, foram aprovadas três leis no âmbito da bioética, contendo alguns preceitos que regulam problemas surgidos ao manipular o material genético dos seres vivos.
Seguem-se as leis:
a) a Lei nº 35, de 22 de novembro de 1988, regula as Técnicas de Reprodução Assistida Humana;
b) a Lei nº 42, de 28 de dezembro de 1988, sobre a Doação e Utilização de Embriões e Fetos Humanos ou de suas Células, Tecidos ou Órgãos;
c) a Lei nº 15, de 3 de junho de 1994, de Biotecnologia, que estabelece o Regime Jurídico da Utilização Confinada, Liberação Voluntária e Comercialização de Organismos Modificados Geneticamente, a fim de Prevenir os Riscos para a Saúde Humana e para o Meio Ambiente.
A lei que regula as Técnicas de Reprodução Assistida Humana começa com uma exposição de Motivos significativa, onde o legislador delimita as diferentes fases do desenvolvimento estatutário do embrião humano: pré-embrionária, embrionária e fetal.
Quanto à finalidade da lei, o art. 1º, parágrafo 2º, assinala que o que se pretende com sua promulgação é resolver o problema da esterilidade humana quando as demais técnicas hajam resultado inadequadas ou insuficientes. O parágrafo 3º também assinala que estas técnicas são aplicáveis no suposto que existam enfermidades hereditárias, sempre que estejam dotadas de suficientes garantias terapêuticas e diagnósticas.
Ainda que com um considerável atraso, surge em 1º de março de 1996 o Real Decreto nº 412 pelo qual o Governo estabelece os Protocolos Obrigatórios de Estudo dos Doadores e Usuários Relacionados com as Técnicas de Reprodução Humana e se regula a Criação e organização do Registro Nacional de Gametos e Pré-embriões com Fins de Reprodução Humana. Na mesma data tem-se o Real Decreto nº 413 pelo qual se estabelecem os requisitos técnicos e funcionais precisos para a autorização e homologação dos centros e serviços sanitários relacionados com as técnicas de reprodução assistida.
As cortes espanholas aprovaram a Lei nº 42/1988 com o objetivo expressado no seu art. 1º, que é o de regular as práticas de doação e utilização de matéria viva humana em fase prévia ao nascimento quando a finalidade seja diagnóstica, terapêutica, de investigação ou experimentação.
Em 3 de junho de 1994, promulgou-se a Lei nº 15, de Biotecnologia, que contém preceitos relativos às práticas de manipulação genética. A Exposição de Motivos da Lei destaca o alto risco que as práticas de manipulação genética podem comportar, pelo que seu propósito principal é reduzir os riscos e evitar os danos à saúde pública e ao meio ambiente, o que dá à norma um elevado caráter preventivo.
Há que ser assinalado também que o Novo Código Penal espanhol, aprovado em 23 de novembro de 1995, considera como delitivas determinadas condutas de reprodução assistida e manipulação genética. Assim, tanto o art. 159 e o art. 161 têm como finalidade proteger a vida humana pré-natal.[6] O art. 160º estaria dirigido a velar pela supervivência da espécie humana em seu conjunto.[7] O art. 162 tutela o direito da mulher a não ser fecundada contra a sua própria vontade, o que se aproxima mais de um delito contra a liberdade do que a um delito de manipulação genética.[8] O Código Penal espanhol vem reforçar a exigência do consentimento.
4 CONCLUSÃO
Através do exposto, verifica-se que pouquíssimos países europeus dispõem de uma legislação que regule as questões advindas da engenharia genética, inexistindo normas reguladoras de aspectos importantes do genoma humano. Essa lacuna legislativa internacional não se deve apenas às dúvidas do legislador quanto à matéria a ser regulada, mas também às pressões daqueles que desejam manter uma supremacia que poderia contribuir para a fortificação de ideologias, da economia e da política.
Presencia-se, na atualidade, a um salto decisivo da Humanidade e, em decorrência, os estudos sobre as descobertas que se vem fazendo sobre o genoma humano hão de reclamar um vigorosíssimo repelão no venerável sistema jurídico mundial.