Método analógico
Síntese e adaptação de texto contido em:
MOTA, SÍLVIA. A pesquisa jurídica como arte do pensamento criador. 200 f. Monografia de Conclusão da disciplina Metodologia Científica, do Curso de Pós-Graduação da Universidade Gama Filho (Doutorado), ministrada pela Professora Doutora Maria Stella Amorim. 2003. (Não publicada).
MOTA, SÍLVIA. A pesquisa jurídica como arte do pensamento criador. 200 f. Monografia de Conclusão da disciplina Metodologia Científica, do Curso de Pós-Graduação da Universidade Gama Filho (Doutorado), ministrada pela Professora Doutora Maria Stella Amorim. 2003. (Não publicada).
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O método analógico é frequentemente utilizado na teoria e na prática jurídica, em matéria de fato e de direito, na elaboração da lei, na sua interpretação, na prova judicial, nas perícias e na sentença. É passível de censura, quando utilizado no assentamento de conceitos científicos, tendo em vista serem as analogias, como as metáforas, arrebanhadas na preservação do dogmatismo, na continuidade entre o mundo conhecido e o desconhecido, impedindo a evolução do pensamento científico criador.
De acordo com a tradição, fala-se em analogia no Direito, quase sempre, para definir o processo lógico pelo qual o aplicador da lei adapta, a um evento concreto não previsto pelo legislador, regra jurídica atinente a um caso previsto, desde que entre ambos ocorra semelhança e a mesma razão jurídica para solucioná-los de forma igual. A essa regra existente no ordenamento jurídico, denomina-se paradigma e a sua concepção espelha-se na afirmativa dos romanos: Ubi eadem ratio ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito), ou Ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio (onde impera a mesma razão deve prevalecer a mesma decisão).
No Brasil, determina o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC): “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso inspirado na analogia, nos costumes e nos princípios gerais de direito” e o art. 126 do Código de Processo Civil (CPC): “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.”
A analogia não se coaduna à interpretação jurídica propriamente dita, mas, à integração da lei, pois a sua finalidade é suprir lacunas do ordenamento jurídico. A finalidade da interpretação extensiva não é outra senão a de complementar a vontade legislativa; enquanto a analogia será aplicada quando detectada uma lacuna na vontade legislativa expressa. Nesse sentido, Hermes de Lima é simples em sua explicação: “Não há confundir analogia com interpretação extensiva. A primeira aplica-se ao caso não contemplado em lei. A segunda pressupõe que o caso está compreendido no regulamento jurídico.”[1]
No Direito Penal brasileiro não se aplica a analogia, salvo in bonam partem, para favorecer o réu, nunca para lhe agravar a pena. A lei penal é isenta de lacunas, porque, conforme preceitua o art. 3º do Código Penal (CP): “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.” Dessa forma, toda conduta humana que se pretenda criminosa, há de estar tipificada na lei penal. Poderá haver interpretação extensiva no direito penal, não analogia. Outro exemplo ocorre no âmbito do direito fiscal: suas leis são taxativas, porque o tributo é certo, nunca arbitrário. Os tributos são determinados exclusivamente pelo legislador, sem interferência do Executivo, não podendo este regulamentar sobre a matéria e nem ao Judiciário é permitido, ao ensejo de preencher espaços em branco da lei, utilizar a analogia para criar novos tributos.
Alguns autores distinguem entre analogia legis e analogia juris. A analogia legis consiste na aplicação de uma regra jurídica existente a caso semelhante, não previsto pelo legislador. A analogia juris sugere um processo mais amplo, porque não encontrando regra jurídica que regulamente caso semelhante, ao julgador se permite extrair filosoficamente o axioma predominante de um conjunto de regras ou de um instituto, ou de um acervo de diplomas legislativos. Com suporte em diversas regras jurídicas disciplinadoras de um instituto semelhante, descobre-se o preceito aplicável ao caso não previsto, pela combinação de muitos outros. Hermes de Lima formulou com exatidão: “Denomina-se analogia legis quando baseada em disposição singular de lei; analogia iuris quando baseada em princípios do direito positivo.”[2] Para José de Oliveira Ascensão, no caso da analogia legis utiliza-se uma disposição normativa e, no segundo, um princípio normativo, que foi necessário elaborar primeiro, e só através dele se chega à aplicação do direito.[3]
Mas, não são pacíficos os entendimentos quanto ao critério de distinção daquelas duas categorias. No deslinde da questão, erigem-se três monumentos: numa extremidade Miguel Reale[4] e Paulo Nader[5] afirmam a inexistência da analogia juris, pois seria nada mais, nada menos, do que a aplicação dos Princípios Gerais do Direito e isso significa interpretação e não integração do Direito; na outra, consolidam Maria Helena Diniz[6] e Machado Neto[7], ao julgarem como autêntica a analogia juris, por ser a aplicação, não de uma norma de Direito, mas, de todo o ordenamento jurídico; a desequilibrar essa linha, permanecem outros autores, como Binding, quando expõe ser a distinção entre as analogias legis e juris carecedora de qualquer valor prático e nada se perde em dispensá-la, pois a analogia é uma só.[8]
Rubens Limongi França comenta ser um grave erro de perspectiva confundir analogia juris com a aplicação dos Princípios Gerais do Direito, pois, a aplicação desses princípios, pela sua materialidade, pode ocorrer por via direta, enquanto a analogia é apenas um método sem matéria própria e se constitui na aplicação indireta de normas jurídicas reguladoras de certos casos a espécies semelhantes não previstas pelo legislador.[9]
Como exemplo de analogia legis, pode-se formular o seguinte pensamento: se o art. 422 do Código Civil brasileiro preceitua que devem ser as obrigações contratuais exercidas com boa fé, também as obrigações alheias aos contratos devem ser exercidas com boa fé. Não obstante, tal integração do Direito seria impossível na aplicação de direitos não obrigacionais. Por exemplo, para o julgador concluir pela atribuição da maternidade a uma mulher que se utilizou de uma barriga de aluguel para gerar seu filho, com base no princípio da boa fé, deve concluir primeiro pela existência de um princípio geral do dever de exercer com boa fé os direitos de família. Somente assim, seria justificada uma analogia juris.
[1] LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. 27. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983, p. 183.
[2] LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. 27. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983, p. 183.
[3] ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral: uma perspectiva luso-brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 1994, p. 364.
[4] “[...] a distinção que se faz entre analogia legis, - a qual subordina dois casos semelhantes a um mesmo texto legal – e analogia juris, que dá solução igual a duas hipóteses em virtude da mesma razão de direito, demonstra que a analogia legis, que é a analogia propriamente dita, não exclui de antemão os princípios gerais, mas antes com eles intimamente se correlaciona. Em verdade, apesar dos esforços de alguns tratadistas, em sentido contrário, a analogia juris se confunde com os princípios gerais de direito.” REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. ajustada ao novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 315.
[5] “Entendemos que existe apenas uma espécie de analogia, que é a legis, porquanto a chamada analogia juris nada mais representa do que o aproveitamento dos princípios gerais do Direito.” NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 24. ed. rev. e atual. De acordo com o novo Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 190.
[6] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 6. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 114.
[7] MACHADO NETO, A. L. Compêndio de introdução à ciência do direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 225-226.
[8] BINDING apud BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao direito: lições de propedêutica jurídica. 7. ed. atual. São Paulo: Letras & Letras, 2000, p. 389.
[9] FRANÇA, RUBENS Limongi. Instituições de direito civil: todo o direito civil num só volume. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 36.