Clonagem humana e biodireito
Parte I
Breves antecedentes da clonagem humana
ATENÇÃO!!!
Texto escrito em 2004
- Não atualizado -
INTRODUÇÃO
As fantásticas descobertas biológicas no campo da engenharia genética colocam um fato excessivamente considerável e inteiramente excêntrico na história da humanidade: a clonagem humana. Essa possibilidade científica, que permite a criação de seres vivos a partir de célula única de um seu semelhante, coloca inúmeros questionamentos no plano bioético, além da persistente contenda sobre os padrões e normas que serão aplicáveis às pesquisas biotecnológicas.
Pergunta-se sobre a necessidade da clonagem, tendo em vista que tal recurso conduziria a desordens no tocante à própria condição humana, justamente porque o ser humano não se coloca apenas como um ser biológico.
Será o norte deste trabalho, formular argumentos ético-jurídicos que não se constituam em instrumento de moralização anticientífico.
1 BREVES ANTECEDENTES DA CLONAGEM HUMANA
Os códigos éticos e científicos atuais são suficientes para enfrentar os dilemas éticos da clonagem terapêutica e reprodutiva? Com essa questão em mente, examinam-se os acontecimentos descritos na imprensa nos últimos anos.
1.1 No mundo
A primeira clonagem animal foi realizada em 1894 pelo zoólogo alemão Hans Dreisch, que sacudiu em um béquer com água marinha um embrião de ouriço-do-mar com duas células até que estas se separassem, o que deu origem a dois indivíduos adultos. [1]
A clonagem passou a chamar a atenção ao ser utilizada em animais que se reproduzem de forma sexuada. Em 1952, cientistas norte-americanos clonaram um embrião de sapo. Para tanto, pegaram o núcleo de uma célula embrionária de sapo e o transplantaram para um óvulo não fertilizado. Nessa data, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos recebeu para publicação em seus anais o manuscrito Transplante de núcleos vivos de células de blástula para óvulos de sapos enucleados. Os autores Robert W. Briggs e Thomas J. King Jr. apresentavam os resultados dos primeiros experimentos de clonagem de animais por meio da técnica de transferência de núcleo. Essa foi a primeira transferência de núcleo de célula embrionária, técnica usada em 1983 na primeira clonagem de mamífero, um camundongo. Durante a década de 1980, foram clonados ovelhas, vacas e porcos, entre outros animais. [2]
Em julho de 1996, em Roslin, na Escócia, a clonagem adquiriu relevo e magnitude jurídica, com o nascimento da ovelha Dolly, da raça Finn Dorset, produzida artificialmente em laboratório a partir de um tecido não reprodutivo - a glândula mamária - obtida de uma ovelha adulta. O código genético das ovelhas era idêntico. Dolly, primeiro mamífero criado com a participação exclusiva de fêmeas foi criada pelo embriologista britânico Ian Wilmut e sua equipe. A experiência concretizou-se nos laboratórios do Instituto Roslin, empresa PPL Therapeutics, que patenteou Dolly, em associação com a Universidade de Edimburgo, na Escócia.
As reações foram variadas. O nascimento da ovelhinha provocou um rebuliço nos Parlamentos mundiais que, desde então, preparam comissões e projetos de lei para evitar que sejam criadas réplicas de seres humanos.
O então presidente norte-americano Bill Clinton impôs restrições o uso de fundos federais (públicos) na clonagem de seres humanos. Alguns meses depois a Comissão Nacional de Conselho Bioética do país, dirigida por Harold Shapiro, analisou os aspectos éticos sobre a clonagem concluindo que produzir um embrião mediante transferência do núcleo celular somático é “moralmente inaceitável”. [3] A clonagem, como técnica muito evoluiu e, hoje, lhe são apontadas outras utilidades, entre estas sua aplicação com fins terapêuticos.
Após a experiência com a ovelha Dolly, alguns cientistas, como o ginecologista italiano Severino Antinori, centram seus esforços para levar a cabo experimentos que possibilitem a clonagem da raça humana.
Em declarações dadas à imprensa mundial, Antinori confirmou sua intenção, que toma por base a técnica empregada para clonar Dolly. Isto significa dizer que da célula de um indivíduo masculino se extrai um núcleo, onde está a informação genética. O núcleo com esse material genético será transladada a uma célula ovo em um laboratório e é desenvolvido para convertê-lo em um embrião que será implantado em um útero, de modo que o resultado é a cópia genética do doador.
Num congresso de engenharia genética nos Emiratos Árabes Unidos, Antinori anunciou que, entre os milhões de casais estéreis que participam de seu programa, uma esperava um filho. A comunidade científica recebeu com reservas e desconfiança a notícia.
1.2 No Brasil
À época do nascimento da ovelha Dolly, no Brasil, o então presidente Fernando Henrique Cardoso solicitou, de imediato, esclarecimentos ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Encaminhado à Comissão Nacional Técnica de Biossegurança (CNTBIO), o assunto foi analisado no âmbito da Lei n.º 8.974, de 5 de janeiro de 1995, a lei de biossegurança, regulada pelo Decreto n.º 1.752, de 1995. Independentemente de ter como alvo a liberação de organismos geneticamente modificados no ambiente, o escopo da lei brasileira vai além da biossegurança, contemplando aspectos éticos que dizem respeito às tecnologias de genética e reprodução humana. Assim, a Lei n.º 8.974, nos seus aspectos penais enunciados no art. 13, diz que constituem crime a manipulação genética de células germinais humanas; a intervenção em material genético humano in vivo, exceto para tratamento de defeitos genéticos; e a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos. As penas previstas variam de três meses a vinte anos de detenção, além do pagamento de multas. Mas como a lei em referência proíbe a manipulação genética apenas de células germinais, deixa ao desamparo a possível clonagem de seres humanos a partir de células somáticas adultas, favorecendo dúbias interpretações.
Surgiram no Congresso Nacional novos projetos de leis e emendas visando modificar a lei de biossegurança para torná-la ainda mais restritiva, no intento de proibir terminantemente as pesquisas com vistas à clonagem humana.
A análise do que foi dito admite perfilhar a tese da impossibilidade de clonagem humana no ordenamento jurídico brasileiro, porque a topologia dos direitos de preservação da integridade do patrimônio genético impede a sua modificação pela via legislativa ordinária. Desse modo, harmoniza-se de forma efetiva o progresso científico com a dignidade da pessoa humana e com a garantia de um meio ambiente equilibrado que preserva a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país.
Além das questões jurídicas, Dolly provocou a fantasia humana. Logo após a divulgação de seu nascimento, a imprensa trouxe a lume o desejo de um casal brasileiro, confiado ao seu médico especialista em reprodução humana, de ter um clone do único filho, assassinado aos dezessete anos, nascido após um dificultoso tratamento de infertilidade. [4]
Também suscitam alguns cientistas que o direito de clonar faz parte do direito à liberdade de reprodução. A partir daí, grupos de lésbicas, em especial, vislumbram a possibilidade de gerar uma criança sem a participação de um homem no processo. [5]
[continua...]