Em constante atualização
O valor da vida animal não-humana
e sua tutela jurídica
e sua tutela jurídica
Introdução
O documento Our Comon Future (Nosso Futuro Comum) preparado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas (CMMAD) é pioneiro ao situar, numa esfera global, a problemática ecológica.
A nova abordagem da inter-relação entre as dimensões físicas, econômicas, políticas e socioculturais, suscitam inúmeras discussões que estimulam a compreensão sistemática do hipercomplexo ecossistema, impondo-se, a partir de então, a necessidade de uma mudança nos paradigmas comportamentais predatórios e insensatos, individuais, com vistas a possibilitar desenvolvimentos sustentáveis, adequados às necessidades do presente, sem comprometer a vida futura sobre a Terra. Como não poderia diferir, florescem posicionamentos diversos no mundo social, particularmente entre cientistas e operadores do Direito.
A par disso, ressalta-se a vida animal não-humana e sua defesa, através de uma grave questão: deve o animal não-humano ser tutelado juridicamente, da mesma forma que o ser humano, ou justificam-se os sofrimentos e a indignidade a que são expostos na necessária evolução da Ciência, e, consequentemente, no benefício que se proporcionará à Humanidade? Existirá, afinal, um direito dos animais não-humanos, propriamente dito, ou deve-se mantê-los, juridicamente, em situação de inferioridade, considerando-os vidas a serviço e ao prazer do ser humano?
O valor da vida animal não-humana através dos tempos
Ab initio afirma-se que o valor da vida animal não-humana liga-se diretamente à questão de como deve ser tratada pelos seres humanos. A norma jurídica regula a conduta humana. Nada obstante, esta assertiva aplica-se tão somente às ordens sociais dos povos civilizados, pois nos primeiros tempos da humanidade ora valoriza-se a vida animal não-humana, ora pune-se seus procedimentos, assim como o das plantas e mesmo o das coisas inanimadas, a exemplo do que ocorre com os seres humanos.
Dos tempos de Atenas, destaca-se a existência de um tribunal especial onde se processavam as pedras, as lanças ou quaisquer objetos que exterminassem um homem.
Na obra Fedon escrita pelo filósofo grego Platão, Sócrates exara sua posição sobre os não-humanos, ao sustentar a diferença entre tirar a vida de um ser humano e a de um animal não-humano. Eis as palavras de Sócrates: “[...] ao tirar vida de um ser humano causamos fúria aos deuses, enquanto que ao matar um animal podemos causar raiva somente ao seu dono. Consequentemente o dono de um animal pode matá-lo quando quiser.”
A Bíblia justifica o abate dos animais na História da Criação contida no Livro Gênesis, no qual Deus anuncia que criou todas as criaturas, homens e animais, mas depois da criação do homem e da mulher foi-lhes dado poder sobre aqueles. Portanto, todos os seres não-humanos que se movessem na face da Terra, submetiam-se ao homem. A narrativa do Dilúvio deixa ainda mais clara essa submissão, quando expõe os momentos de escassez. Ainda no Texto Sagrado, em Moisés, XXI, 24 et seq., um boi que mata um homem deve ser punido com a morte. A passagem diz: “Se um boi ataca um homem ou uma mulher por forma a provocar-lhe a morte, deve lapidar-se o boi, e a sua carne não deve ser comida. Assim, o dono do boi ficará ilibado de culpa. Mas, quando o boi já anteriormente matava e o seu dono, avisado disso, não o guardou, se aquele depois matar um homem ou uma mulher, será lapidado o boi e o seu dono morrerá.” Isto tudo é muito contraditório, porque na mesma Bíblia extraem-se narrações de verdadeiros ensinamentos ministrados pelos animais ao homem, como por exemplo, no Livro de Jó, Capítulo 12: "Pergunta, pois ao gado e te ensinará, às aves do céu e te informarão, aos animais selvagens e te darão lições; os peixes do mar e hão de te narrar: quem não haveria de reconhecer em tudo isso que é obra de Deus?"
Em Roma, Ulpiano ao retomar a clássica divisão de Cícero do jus civile, jus gentium e o jus naturale, emprestou ao último um bizarro conceito, que abarcava todos os animais, ao defini-lo como sendo o Direito ensinado pela Natureza a todas as criaturas, e não exclusivamente ao gênero humano (GUIMARÃES, 1991, p. 28). O conceito de Ulpiano se estendia às Institutas de Justiniano e talvez em herança a esse adágio, na Idade Média os touros que matassem os humanos ou os gafanhotos que aniquilassem as colheitas eram processados legalmente e enforcados. Por mais extravagante possa ser, relata-se que Incitato, um cavalo, alimentado em manjedoura de marfim e saciado com vinho em balde de ouro, foi nomeado pelo imperador romano Calígula, ao cargo de cônsul.
Na atualidade, não mais se consideram os animais sujeitos de direito, da forma ostentada pelos nossos ancestrais. A ideia de que é o homem o único sujeito de direitos e obrigações é majoritariamente consensual, conquanto isto não signifique estejam à margem do cenário jurídico mundial.
A nova abordagem da inter-relação entre as dimensões físicas, econômicas, políticas e socioculturais, suscitam inúmeras discussões que estimulam a compreensão sistemática do hipercomplexo ecossistema, impondo-se, a partir de então, a necessidade de uma mudança nos paradigmas comportamentais predatórios e insensatos, individuais, com vistas a possibilitar desenvolvimentos sustentáveis, adequados às necessidades do presente, sem comprometer a vida futura sobre a Terra. Como não poderia diferir, florescem posicionamentos diversos no mundo social, particularmente entre cientistas e operadores do Direito.
A par disso, ressalta-se a vida animal não-humana e sua defesa, através de uma grave questão: deve o animal não-humano ser tutelado juridicamente, da mesma forma que o ser humano, ou justificam-se os sofrimentos e a indignidade a que são expostos na necessária evolução da Ciência, e, consequentemente, no benefício que se proporcionará à Humanidade? Existirá, afinal, um direito dos animais não-humanos, propriamente dito, ou deve-se mantê-los, juridicamente, em situação de inferioridade, considerando-os vidas a serviço e ao prazer do ser humano?
O valor da vida animal não-humana através dos tempos
Ab initio afirma-se que o valor da vida animal não-humana liga-se diretamente à questão de como deve ser tratada pelos seres humanos. A norma jurídica regula a conduta humana. Nada obstante, esta assertiva aplica-se tão somente às ordens sociais dos povos civilizados, pois nos primeiros tempos da humanidade ora valoriza-se a vida animal não-humana, ora pune-se seus procedimentos, assim como o das plantas e mesmo o das coisas inanimadas, a exemplo do que ocorre com os seres humanos.
Dos tempos de Atenas, destaca-se a existência de um tribunal especial onde se processavam as pedras, as lanças ou quaisquer objetos que exterminassem um homem.
Na obra Fedon escrita pelo filósofo grego Platão, Sócrates exara sua posição sobre os não-humanos, ao sustentar a diferença entre tirar a vida de um ser humano e a de um animal não-humano. Eis as palavras de Sócrates: “[...] ao tirar vida de um ser humano causamos fúria aos deuses, enquanto que ao matar um animal podemos causar raiva somente ao seu dono. Consequentemente o dono de um animal pode matá-lo quando quiser.”
A Bíblia justifica o abate dos animais na História da Criação contida no Livro Gênesis, no qual Deus anuncia que criou todas as criaturas, homens e animais, mas depois da criação do homem e da mulher foi-lhes dado poder sobre aqueles. Portanto, todos os seres não-humanos que se movessem na face da Terra, submetiam-se ao homem. A narrativa do Dilúvio deixa ainda mais clara essa submissão, quando expõe os momentos de escassez. Ainda no Texto Sagrado, em Moisés, XXI, 24 et seq., um boi que mata um homem deve ser punido com a morte. A passagem diz: “Se um boi ataca um homem ou uma mulher por forma a provocar-lhe a morte, deve lapidar-se o boi, e a sua carne não deve ser comida. Assim, o dono do boi ficará ilibado de culpa. Mas, quando o boi já anteriormente matava e o seu dono, avisado disso, não o guardou, se aquele depois matar um homem ou uma mulher, será lapidado o boi e o seu dono morrerá.” Isto tudo é muito contraditório, porque na mesma Bíblia extraem-se narrações de verdadeiros ensinamentos ministrados pelos animais ao homem, como por exemplo, no Livro de Jó, Capítulo 12: "Pergunta, pois ao gado e te ensinará, às aves do céu e te informarão, aos animais selvagens e te darão lições; os peixes do mar e hão de te narrar: quem não haveria de reconhecer em tudo isso que é obra de Deus?"
Em Roma, Ulpiano ao retomar a clássica divisão de Cícero do jus civile, jus gentium e o jus naturale, emprestou ao último um bizarro conceito, que abarcava todos os animais, ao defini-lo como sendo o Direito ensinado pela Natureza a todas as criaturas, e não exclusivamente ao gênero humano (GUIMARÃES, 1991, p. 28). O conceito de Ulpiano se estendia às Institutas de Justiniano e talvez em herança a esse adágio, na Idade Média os touros que matassem os humanos ou os gafanhotos que aniquilassem as colheitas eram processados legalmente e enforcados. Por mais extravagante possa ser, relata-se que Incitato, um cavalo, alimentado em manjedoura de marfim e saciado com vinho em balde de ouro, foi nomeado pelo imperador romano Calígula, ao cargo de cônsul.
Na atualidade, não mais se consideram os animais sujeitos de direito, da forma ostentada pelos nossos ancestrais. A ideia de que é o homem o único sujeito de direitos e obrigações é majoritariamente consensual, conquanto isto não signifique estejam à margem do cenário jurídico mundial.
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de 27 de janeiro de 1978, da qual o Brasil é signatário, no seu artigo 1º indica: “Todos os animais têm o mesmo direito à vida.”
Na Alemanha, a reforma da Constituição implicou em somar as palavras “e dos animais” à cláusula que obriga o Estado a proteger a vida humana. Eis o dispositivo legal reformulado: “[...] o Estado assume a responsabilidade de proteger os fundamentos naturais da vida humana e dos animais no interesse das futuras gerações.” Para a Ministra do Consumo e Agricultura Renate Kuenast, a reforma não significa dar aos animais os mesmos direitos outorgados aos seres humanos, mas pode conduzir a uma nova legislação que limite os experimentos com animais em casos como os laboratórios de cosméticos ou analgésicos (TIENEM..., 2004).
Nos Estados Unidos, para as batalhas legais sobre a custódia e maltrato dos animais domésticos, o Fundo de Defesa Legal dos Animais submete pareceres aos tribunais, sugerindo que o juiz julgue o caso com vistas ao interesse do animal não-humano. Nesse sentido, anseiam por seus direitos legais. Caso famoso é o do chimpanzé chamado Moe, colocado no centro de uma batalha legal por seu status, ao ferir duas pessoas. O Fundo de Defesa Legal dos Animais reuniu-se por três anos, no afã de justificar a apresentação de Moe aos tribunais, ressaltando a argumentação formal de especialistas quanto à necessidade de serem os interesses do chimpanzé satisfeitos. O advogado Steven Wise, nos Estados Unidos, desenvolve a nível teórico os casos de direitos de animais não-humanos. Sua obra Drawing the line: science and the case for animal rights, propõe o reconhecimento de determinados direitos legais a certas espécies animais. Na realidade, Wise passou a representar os animais não-humanos no final dos anos setenta, após ler a obra de Peter Singer, Animal Liberation (1975), na qual o autor se inspira na capacidade de alguns animais não-humanos de experimentar emoções, comunicar-se, ou desenvolver interatividade social.
Singer (2002, p. 120 et seq.) relata diversas experiências realizadas com chimpanzés, gorilas e orangotangos. A título de ilustração, destaca-se a curiosa experiência de dois cientistas norte-americanos, Allen e Beatrice Gardner, ao desconfiarem que o fracasso das tentativas anteriores de ensinar a linguagem humana a outra espécie, não se deve à falta de inteligência desta, mas porque não dispõem do aparelho vocal necessário para a reprodução dos sons da linguagem humana. Decidem-se, portanto, a tratar uma jovem chimpanzé, a qual chamaram de Washoe, como se fosse um bebê humano, sem as cordas vocais. Passaram a comunicar-se com Washoe e entre si sempre que o animal estava presente, usando a Linguagem Norte-Americana de Sinais, muito usada pelos surdos. A técnica revelou-se um extraordinário sucesso. Washoe aprendeu a compreender cerca de 350 sinais diferentes e a usar, corretamente, cerca de 150 deles. Juntava os sinais para formar frases simples. Quanto à questão da autoconsciência, não vacilou quando lhe mostraram a sua própria imagem num espelho e perguntaram: “Quem é?”, respondendo prontamente: “Sou eu, Washoe.” Mais tarde, Washoe mudou-se para Ellensburg, Washington, onde viveu com outros animais da sua espécie, sob os cuidados de Roger e Deborah Fouts. Nesse lugar, adotou um bebê chimpanzé e logo começou não apenas a fazer-lhe sinais, mas também a ensinar-lhe sinais por iniciativa própria. Por exemplo, tomava-lhe as mãos e fazia com que formasse o sinal para “comida” num contexto apropriado. Verifica-se, portanto, não apenas sua capacidade para conhecer, mas também para transmitir o conhecimento.
Em tentativas equivocadas de refutar argumentos em prol dos direitos dos animais não-humanos, afirma-se sua incapacidade de sofrimento e/ou de fruição ou de felicidade, características vitais que conferem a um ser o direito a igual consideração. Em Practical ethics, traduzida para o idioma nacional, Singer (2002, p. 79-80) compara a atitude da sua filha à de um animal, no momento em que expressam a dor: "Quando vejo minha filha cair e esfolar o joelho, sei que ela sente dor pela maneira como se comporta – chora, diz-me que o joelho está doendo, esfrega o lugar machucado, etc. Sei que eu mesmo me comporto de um jeito parecido – um pouco mais discreto – quando sinto dor, e então admito que minha filha está sentindo alguma coisa que se assemelha ao que sinto quando esfolo meu joelho. O fundamento da minha convicção de que os animais podem sentir dor é semelhante ao fundamento da minha convicção de que a minha filha pode sentir dor."
Na Grã-Bretanha, ainda em 1951, três diferentes comitês governamentais de especialistas em assuntos relacionados a animais acataram a conclusão de que os animais sentem dor. Após assinalar evidência comportamental em favor desse ponto de vista, os membros do Committee on Cruelty to Wild Animals - Comitê de Combate à Crueldade contra Animais, distinguiram: “[...] declaramos que as evidências fisiológicas, e, sobretudo as anatômicas justificam e reforçam plenamente a convicção, baseada no senso comum, de que os animais sentem dor.” (Cf. SINGER, 1975, p. 27).
Fala-se ainda, que para ser tutelado juridicamente um ser deve ser autônomo, ou pertencer a uma comunidade, ou ter a capacidade de respeitar os direitos dos outros, ou possuir um senso de justiça. Ao que se opõe Singer (2002a, p. 54-55): “Essas alegações são irrelevantes para a defesa da libertação dos animais. O linguajar dos direitos é uma simbologia política conveniente.” E continua adiante: “[...] Se um ser está sofrendo, não pode haver justificativa moral para a recusa a levar em consideração aquele sofrimento. [...] Portanto o limite do senciente [...] é o único limite defensável da preocupação com os interesses de outros. Marcar esse limite utilizando alguma outra característica, como a inteligência ou a racionalidade, seria marcá-lo de forma arbitrária. Por que não escolher alguma outra característica, como a cor da pele? Os racistas violam o princípio da igualdade, ao atribuírem maior peso aos interesses dos membros de sua própria raça, quando há conflito entre seus interesses e os interesses dos membros de outra raça. Os sexistas violam o princípio da igualdade, ao favorecerem os interesses de seu próprio sexo. De modo semelhante, os especialistas permitem que os interesses de sua própria espécie sobrepujem os interesses maiores de membros de outras espécies. O padrão é idêntico nos dois casos.” Como se pode observar, Singer utiliza o termo senciente, para justificar a proteção aos animais não-humanos, o que significa considerá-los com capacidade emocional para sentirem dor, medo, agonia, prazer, alegria e estresse, além de possuírem memória e, até mesmo, evidenciar saudades.
As pesquisas continuaram e no Brasil de 2008, a TV Cultura, na Semana Mundial de Proteção aos Animais, exibiu o documentário Animais, Seres Sencientes (Brasil, 2008, 52”). Produzido pela World Society for the Protection of Animals (WSPA), o vídeo expôs ao público o conceito de senciência animal, que se aplica a todos os animais vertebrados - mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes. Participaram do documentário os maiores especialistas em bem-estar animal do Brasil e do mundo, que comentaram, de maneira clara e didática, sobre os animais de companhia, de produção, selvagens, de entretenimento, entre outros. Foi o primeiro documentário sobre o tema em terras brasileiras, com o foco de abordagem na relação homem-animal.
Ao comparar o valor de vidas diferentes, Singer (2002, p. 115) assegura que, do ponto de vista dos próprios seres diferentes, cada vida tem igual valor e justifica sua reflexão: “Os que adotam esse ponto de vista admitem, por certo, que a vida de uma pessoa pode incluir o estudo da filosofia, mas que tal estudo não pode fazer parte da vida de um rato; mas dizem também que os prazeres da vida de um rato são tudo que um rato tem e que, portanto, pode-se presumir que signifiquem, para ele, tanto quanto os prazeres da vida de uma pessoa significam para ela. Não podemos dizer que uma é mais ou menos valiosa do que a outra.”
Rabenhorst (1997, p. 127 et seq.), por sua vez, hierarquiza e destaca o valor da vida humana, pois, se existe algo como um valor intrínseco das coisas particulares, foram os seres humanos que lhe atribuíram tal valor com fundamento em critérios essencialmente humanos. Por tal motivo, a vida humana, mesmo a do ser humano senil ou mentalmente deficiente, alça patamar mais elevado que a dos animais não-humanos, o que não impede, entretanto, exigir tratamento mais digno para as espécies que compartilham com os humanos a mesma biosfera, reconhecendo que esses possuem rigorosos deveres para com aqueles.
No percalço da legalidade em terras brasileiras, Buosi (2003, p. 60-61) não se preocupa em hierarquizar os níveis de vida humana ou não-humana, mas expõe atos de crueldade praticada contra os animais não-humanos, que justificam a sua proteção pela legislação brasileira, pautando-se na sua importância e finalidade. Ao autor, “[...] não restam justificativas para ser negada a efetiva proteção aos animais [...] muitas dessas injustificadas agressões poderão acarretar sérios prejuízos ao meio ambiente e à sociedade.”
Em terras brasileiras, eleva-se a um patamar de destaque os animais não-humanos que, por serem considerados relevantes ao meio ambiente equilibrado, alocam-se no âmbito do Direito Ambiental. Sendo assim, com fulcro no artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição da República Federativa, de 1988 e tendo em vista a função ecológica desempenhada pela fauna e a flora, há de se considerar a natureza jurídica dos animais como um bem jurídico difuso, cujo titular é a coletividade, integrada pelas gerações presentes e futuras. No próximo tópico, detalhes da tutela jurídica nacional.
Os animais não-humanos no direito nacional
No Brasil colonial inexistia proteção aos animais não-humanos. O primeiro documento jurídico em solo brasileiro data de 6 de outubro de 1886, o Código de Posturas, do município de São Paulo, que através do artigo 220 proibia aos cocheiros, ferradores ou condutores de veículos de tração animal, matratá-los com castigos bárbaros e imoderados.
No Brasil de 1916, a situação jurídica dos animais estabeleceu-se com a edição do Código Civil o qual, em seu artigo 593 e parágrafos, considerava os animais como coisas, bens semoventes, objetos de propriedade e outros interesses alheios.
Durante o Governo Getúlio Vargas, em 10 de julho de 1934, entra em vigor o Decreto n° 24.645, pioneiro em terras brasileiras, em matéria de proteção animal. A iniciativa foi do político Ignácio Wallace da Gama Cochrane, que no ano de 1895 edificou a União Internacional Protetora dos Animais (UIPA), primeira do gênero no Brasil, que importou a legislação vigente nos países europeus no princípio do século XX.
Conquanto na maioria dos seus dispositivos predominem cuidados para com animais de grande porte - equinos e bovinos – à época utilizados para trabalho e transporte, a lei é abrangente e no artigo 3º e alíneas considera maus-tratos as condutas:
I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;
II – manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;
IV – golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em benefício exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem ou no interesse da ciência;
V – abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência médica veterinária;
VI – não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo ou não;
XX – encerrar em curral ou outros lugares animais em número tal que não lhes seja possível mover-se livremente, ou deixá-los sem água e alimento mais de 12 horas;
XXVI – despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos à alimentação de outros;
XXVII – ministrar ensino a animais com maus-tratos físicos.
Perceba-se que no último inciso, conquanto a palavra vivissecção não seja emitida, evidencia-se a preocupação de proteger os animais usados nas experiências com finalidade didática. Multas são instituídas, sem prejudicar a responsabilidade civil. Outra inovação é o artigo 17: "A palavra animal da presente Lei, compreende todo ser irracional, quadrúpede, ou bípede, doméstico ou selvagem, exceto os daninhos." Ao coibir os maltratos provenientes do próprio dono, o Decreto erigia a vida e os direitos dos animais a status superior ao direito de propriedade.
Na Alemanha, a reforma da Constituição implicou em somar as palavras “e dos animais” à cláusula que obriga o Estado a proteger a vida humana. Eis o dispositivo legal reformulado: “[...] o Estado assume a responsabilidade de proteger os fundamentos naturais da vida humana e dos animais no interesse das futuras gerações.” Para a Ministra do Consumo e Agricultura Renate Kuenast, a reforma não significa dar aos animais os mesmos direitos outorgados aos seres humanos, mas pode conduzir a uma nova legislação que limite os experimentos com animais em casos como os laboratórios de cosméticos ou analgésicos (TIENEM..., 2004).
Nos Estados Unidos, para as batalhas legais sobre a custódia e maltrato dos animais domésticos, o Fundo de Defesa Legal dos Animais submete pareceres aos tribunais, sugerindo que o juiz julgue o caso com vistas ao interesse do animal não-humano. Nesse sentido, anseiam por seus direitos legais. Caso famoso é o do chimpanzé chamado Moe, colocado no centro de uma batalha legal por seu status, ao ferir duas pessoas. O Fundo de Defesa Legal dos Animais reuniu-se por três anos, no afã de justificar a apresentação de Moe aos tribunais, ressaltando a argumentação formal de especialistas quanto à necessidade de serem os interesses do chimpanzé satisfeitos. O advogado Steven Wise, nos Estados Unidos, desenvolve a nível teórico os casos de direitos de animais não-humanos. Sua obra Drawing the line: science and the case for animal rights, propõe o reconhecimento de determinados direitos legais a certas espécies animais. Na realidade, Wise passou a representar os animais não-humanos no final dos anos setenta, após ler a obra de Peter Singer, Animal Liberation (1975), na qual o autor se inspira na capacidade de alguns animais não-humanos de experimentar emoções, comunicar-se, ou desenvolver interatividade social.
Singer (2002, p. 120 et seq.) relata diversas experiências realizadas com chimpanzés, gorilas e orangotangos. A título de ilustração, destaca-se a curiosa experiência de dois cientistas norte-americanos, Allen e Beatrice Gardner, ao desconfiarem que o fracasso das tentativas anteriores de ensinar a linguagem humana a outra espécie, não se deve à falta de inteligência desta, mas porque não dispõem do aparelho vocal necessário para a reprodução dos sons da linguagem humana. Decidem-se, portanto, a tratar uma jovem chimpanzé, a qual chamaram de Washoe, como se fosse um bebê humano, sem as cordas vocais. Passaram a comunicar-se com Washoe e entre si sempre que o animal estava presente, usando a Linguagem Norte-Americana de Sinais, muito usada pelos surdos. A técnica revelou-se um extraordinário sucesso. Washoe aprendeu a compreender cerca de 350 sinais diferentes e a usar, corretamente, cerca de 150 deles. Juntava os sinais para formar frases simples. Quanto à questão da autoconsciência, não vacilou quando lhe mostraram a sua própria imagem num espelho e perguntaram: “Quem é?”, respondendo prontamente: “Sou eu, Washoe.” Mais tarde, Washoe mudou-se para Ellensburg, Washington, onde viveu com outros animais da sua espécie, sob os cuidados de Roger e Deborah Fouts. Nesse lugar, adotou um bebê chimpanzé e logo começou não apenas a fazer-lhe sinais, mas também a ensinar-lhe sinais por iniciativa própria. Por exemplo, tomava-lhe as mãos e fazia com que formasse o sinal para “comida” num contexto apropriado. Verifica-se, portanto, não apenas sua capacidade para conhecer, mas também para transmitir o conhecimento.
Em tentativas equivocadas de refutar argumentos em prol dos direitos dos animais não-humanos, afirma-se sua incapacidade de sofrimento e/ou de fruição ou de felicidade, características vitais que conferem a um ser o direito a igual consideração. Em Practical ethics, traduzida para o idioma nacional, Singer (2002, p. 79-80) compara a atitude da sua filha à de um animal, no momento em que expressam a dor: "Quando vejo minha filha cair e esfolar o joelho, sei que ela sente dor pela maneira como se comporta – chora, diz-me que o joelho está doendo, esfrega o lugar machucado, etc. Sei que eu mesmo me comporto de um jeito parecido – um pouco mais discreto – quando sinto dor, e então admito que minha filha está sentindo alguma coisa que se assemelha ao que sinto quando esfolo meu joelho. O fundamento da minha convicção de que os animais podem sentir dor é semelhante ao fundamento da minha convicção de que a minha filha pode sentir dor."
Na Grã-Bretanha, ainda em 1951, três diferentes comitês governamentais de especialistas em assuntos relacionados a animais acataram a conclusão de que os animais sentem dor. Após assinalar evidência comportamental em favor desse ponto de vista, os membros do Committee on Cruelty to Wild Animals - Comitê de Combate à Crueldade contra Animais, distinguiram: “[...] declaramos que as evidências fisiológicas, e, sobretudo as anatômicas justificam e reforçam plenamente a convicção, baseada no senso comum, de que os animais sentem dor.” (Cf. SINGER, 1975, p. 27).
Fala-se ainda, que para ser tutelado juridicamente um ser deve ser autônomo, ou pertencer a uma comunidade, ou ter a capacidade de respeitar os direitos dos outros, ou possuir um senso de justiça. Ao que se opõe Singer (2002a, p. 54-55): “Essas alegações são irrelevantes para a defesa da libertação dos animais. O linguajar dos direitos é uma simbologia política conveniente.” E continua adiante: “[...] Se um ser está sofrendo, não pode haver justificativa moral para a recusa a levar em consideração aquele sofrimento. [...] Portanto o limite do senciente [...] é o único limite defensável da preocupação com os interesses de outros. Marcar esse limite utilizando alguma outra característica, como a inteligência ou a racionalidade, seria marcá-lo de forma arbitrária. Por que não escolher alguma outra característica, como a cor da pele? Os racistas violam o princípio da igualdade, ao atribuírem maior peso aos interesses dos membros de sua própria raça, quando há conflito entre seus interesses e os interesses dos membros de outra raça. Os sexistas violam o princípio da igualdade, ao favorecerem os interesses de seu próprio sexo. De modo semelhante, os especialistas permitem que os interesses de sua própria espécie sobrepujem os interesses maiores de membros de outras espécies. O padrão é idêntico nos dois casos.” Como se pode observar, Singer utiliza o termo senciente, para justificar a proteção aos animais não-humanos, o que significa considerá-los com capacidade emocional para sentirem dor, medo, agonia, prazer, alegria e estresse, além de possuírem memória e, até mesmo, evidenciar saudades.
As pesquisas continuaram e no Brasil de 2008, a TV Cultura, na Semana Mundial de Proteção aos Animais, exibiu o documentário Animais, Seres Sencientes (Brasil, 2008, 52”). Produzido pela World Society for the Protection of Animals (WSPA), o vídeo expôs ao público o conceito de senciência animal, que se aplica a todos os animais vertebrados - mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes. Participaram do documentário os maiores especialistas em bem-estar animal do Brasil e do mundo, que comentaram, de maneira clara e didática, sobre os animais de companhia, de produção, selvagens, de entretenimento, entre outros. Foi o primeiro documentário sobre o tema em terras brasileiras, com o foco de abordagem na relação homem-animal.
Ao comparar o valor de vidas diferentes, Singer (2002, p. 115) assegura que, do ponto de vista dos próprios seres diferentes, cada vida tem igual valor e justifica sua reflexão: “Os que adotam esse ponto de vista admitem, por certo, que a vida de uma pessoa pode incluir o estudo da filosofia, mas que tal estudo não pode fazer parte da vida de um rato; mas dizem também que os prazeres da vida de um rato são tudo que um rato tem e que, portanto, pode-se presumir que signifiquem, para ele, tanto quanto os prazeres da vida de uma pessoa significam para ela. Não podemos dizer que uma é mais ou menos valiosa do que a outra.”
Rabenhorst (1997, p. 127 et seq.), por sua vez, hierarquiza e destaca o valor da vida humana, pois, se existe algo como um valor intrínseco das coisas particulares, foram os seres humanos que lhe atribuíram tal valor com fundamento em critérios essencialmente humanos. Por tal motivo, a vida humana, mesmo a do ser humano senil ou mentalmente deficiente, alça patamar mais elevado que a dos animais não-humanos, o que não impede, entretanto, exigir tratamento mais digno para as espécies que compartilham com os humanos a mesma biosfera, reconhecendo que esses possuem rigorosos deveres para com aqueles.
No percalço da legalidade em terras brasileiras, Buosi (2003, p. 60-61) não se preocupa em hierarquizar os níveis de vida humana ou não-humana, mas expõe atos de crueldade praticada contra os animais não-humanos, que justificam a sua proteção pela legislação brasileira, pautando-se na sua importância e finalidade. Ao autor, “[...] não restam justificativas para ser negada a efetiva proteção aos animais [...] muitas dessas injustificadas agressões poderão acarretar sérios prejuízos ao meio ambiente e à sociedade.”
Em terras brasileiras, eleva-se a um patamar de destaque os animais não-humanos que, por serem considerados relevantes ao meio ambiente equilibrado, alocam-se no âmbito do Direito Ambiental. Sendo assim, com fulcro no artigo 225, parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição da República Federativa, de 1988 e tendo em vista a função ecológica desempenhada pela fauna e a flora, há de se considerar a natureza jurídica dos animais como um bem jurídico difuso, cujo titular é a coletividade, integrada pelas gerações presentes e futuras. No próximo tópico, detalhes da tutela jurídica nacional.
Os animais não-humanos no direito nacional
No Brasil colonial inexistia proteção aos animais não-humanos. O primeiro documento jurídico em solo brasileiro data de 6 de outubro de 1886, o Código de Posturas, do município de São Paulo, que através do artigo 220 proibia aos cocheiros, ferradores ou condutores de veículos de tração animal, matratá-los com castigos bárbaros e imoderados.
No Brasil de 1916, a situação jurídica dos animais estabeleceu-se com a edição do Código Civil o qual, em seu artigo 593 e parágrafos, considerava os animais como coisas, bens semoventes, objetos de propriedade e outros interesses alheios.
Durante o Governo Getúlio Vargas, em 10 de julho de 1934, entra em vigor o Decreto n° 24.645, pioneiro em terras brasileiras, em matéria de proteção animal. A iniciativa foi do político Ignácio Wallace da Gama Cochrane, que no ano de 1895 edificou a União Internacional Protetora dos Animais (UIPA), primeira do gênero no Brasil, que importou a legislação vigente nos países europeus no princípio do século XX.
Conquanto na maioria dos seus dispositivos predominem cuidados para com animais de grande porte - equinos e bovinos – à época utilizados para trabalho e transporte, a lei é abrangente e no artigo 3º e alíneas considera maus-tratos as condutas:
I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;
II – manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;
IV – golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em benefício exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem ou no interesse da ciência;
V – abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo o que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência médica veterinária;
VI – não dar morte rápida, livre de sofrimentos prolongados, a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo ou não;
XX – encerrar em curral ou outros lugares animais em número tal que não lhes seja possível mover-se livremente, ou deixá-los sem água e alimento mais de 12 horas;
XXVI – despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos à alimentação de outros;
XXVII – ministrar ensino a animais com maus-tratos físicos.
Perceba-se que no último inciso, conquanto a palavra vivissecção não seja emitida, evidencia-se a preocupação de proteger os animais usados nas experiências com finalidade didática. Multas são instituídas, sem prejudicar a responsabilidade civil. Outra inovação é o artigo 17: "A palavra animal da presente Lei, compreende todo ser irracional, quadrúpede, ou bípede, doméstico ou selvagem, exceto os daninhos." Ao coibir os maltratos provenientes do próprio dono, o Decreto erigia a vida e os direitos dos animais a status superior ao direito de propriedade.
Vigorosa discussão toma vulto no concernente à revogação ou não desse documento, pelo Decreto Federal nº 11 de 18 de janeiro de 1991, que estabelece em seu art. 4º que estariam revogados os decretos relacionados em seu bojo, dentre os quais o Decreto nº 24.645 de 10 de julho de 1934. É nossa opinião, que não prospera a afirmativa, porque o referido decreto é equiparado à lei, editado em período de excepcionalidade política, não havendo que se falar em revogação de uma lei por um decreto.
Edna Cardozo Dias afirma: “Em 10 de julho de 1935, por inspiração do então Ministro da Agricultura, Juarez Távora, o presidente Getúlio Vargas, chefe do Governo Provisório, promulgou o Decreto Federal 24.635, estabelecendo medidas de Proteção aos animais, que tem força de lei, uma vez que o Governo Central avocou a si a atividade legiferante. Em 3 de outubro de 1941 foi baixado o decreto-lei 3.668, Lei das Contravenções Penais, que em seu artigo 64, proíbe a crueldade contra os animais. O primeiro pertine a maus tratos, enquanto o segundo à crueldade. Em 18 de janeiro de 1991, o então chefe do Executivo editou o Decreto n.º 11, revogando inúmeros decretos em vigor, inclusive o Decreto 24.645/34. Em 6 de setembro do mesmo ano, verificada a necessidade de se ressuscitar muitos dos decretos revogados, nova lista dos Decretos revogados foi publicada do Diário Oficial, quando se excluiu da lista a norma de proteção aos animais. Corroborando tal medida , em 19 de fevereiro de 1993, o Decreto 761 revogou textualmente o Decreto 11, pondo termo à polêmica em torno do assunto do Decreto 24.645/34. Laerte Fernando Levai, Promotor de Justiça de São José dos Campos - SP diz que houve o fenômeno da repristinação acerca do diploma legal de 1934, que não foi revogado.”
Em 3 de outubro de 1941, o Decreto-lei nº 3.688 - Lei das Contravenções Penais, no artigo 64, parágrafo único, coibiu a consumação de experimentos com animais, mesmo que para fins didáticos, quando houvesse métodos alternativos. As vedações somente eram passíveis de punição no campo penal, como contravenção, não existindo regulamentação para sua autorização ou fiscalização. O decreto em tela robustece as medidas da Lei de 1934 ao tratar da omissão de cautela na guarda ou condução de animais (art. 31), além de prever pena para a prática da crueldade animal, estendendo-a a quem, ainda que sob fins didáticos ou científicos, realizasse em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo (§ 1º do art. 64). O art. 64 foi revogado pela Lei dos Crimes Ambientais.
Quase três décadas passadas, em 3 de janeiro de 1967, foram editados o Código de Caça (Lei Federal nº 5.197, alterada pela Lei nº 7.653, de 12 de fevereiro de 1988 e a Lei de Proteção à Fauna, instituindo novos tipos penais, com a criação do Conselho Nacional de Proteção à Fauna, além de transformar em crimes condutas que no passado foram consideradas contravenções penais. Também, aboliu-se a concessão de fiança. A fauna ictiológica recebeu a atenção do legislador nacional, com a edição do Código de Pesca, Decreto-Lei nº 221, de 28 de fevereiro de 1967, dispondo sobre a proteção e estímulos à pesca, mais tarde alterado pela Lei nº 7.679/1988.
Em 23 de outubro de 1968, entra em vigor a Lei nº 5.517, que dispõe sobre o exercício da profissão de médico veterinário e cria os Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária. Explicita o documento legal, a regularização da profissão e, no art. 5º, a competência privativa do médico veterinário para a prática da clínica em todas as suas modalidades e a assistência técnica e sanitária dos animais sob qualquer forma, dentre outras funções.
Até aquele momento, pode-se observar que as leis eram gerais, nada especificando a respeito da experimentação realizada em animais. A situação continuou, independente da promulgação da Lei nº 6.638, de 8 de maio de 1979, que estabelece regras para o exercício da vivissecção, até então ignorada pelo legislador. Estabelece a lei em estudo, que a vivissecção não será permitida (art. 3º): I – sem o emprego de anestesia (inc. I); em centros de pesquisas e estudos não registrados em órgãos competentes (inc. II); sem a supervisão de técnico especializado (inc. III); com animais que não tenham permanecido mais de 15 dias em biotérios legalmente autorizados (inc. IV); em estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus e em quaisquer locais frequentados por menores de idade (inc. V). Poucos são os artigos auto-aplicáveis, o que gera sua inaplicabilidade, por não oferecer formas de penalizar quem a desrespeite.
Com a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, eleva-se a um patamar de destaque os animais que, por serem considerados relevantes ao meio ambiente equilibrado, alocam-se no âmbito do Direito Ambiental. Sendo assim, com suporte no art. 225, parágrafo 1º, inciso VII e levando-se em conta a função ecológica exercida pela fauna e flora, há de se considerar a natureza jurídica dos animais como bem jurídico difuso, cujo titular é a coletividade, agregada às presentes e futuras gerações.
À época do advento da Carta Magna em referência, tomava vulto o movimento das sociedades protetoras de animais, o que dificultou e ameaçou a prática da experimentação animal. Por resposta, em 1991, o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) cria os 12 Princípios Éticos na Experimentação Animal, que passam a orientar a conduta dos professores e dos pesquisadores nas práticas que envolviam experimentações com animais. Os artigos primam pelo respeito à saúde e ao bem-estar animal, sendo que o último enunciado apregoa o que há de mais relevante: desenvolver tarefas de capacitação específica de pesquisadores e funcionários compreendidos nos processos com animais de experimentação, destacando aspectos de trato e uso humanitário com animais de laboratório. Diretriz que merece aplausos, porque o implemento da educação, nessa seara, é forma salutar para a adoção de princípios éticos.
A Resolução nº 592 de 26 de junho de 1992, criada no Conselho Federal de Medicina Veterinária, estabelece no art. 1º que estão obrigadas a registro na Autarquia: Conselho Federal e Conselhos Regionais de Medicina Veterinária, correspondente aos Estados/Regiões onde funcionarem, as firmas, associações, companhias, cooperativas, empresas de economia mista e outras, cujas atividades sejam privativas ou peculiares à Medicina Veterinária, conforme consubstancia a letra dos arts. 5º e 6º, da Lei nº 5.517/1968: [...] XVII. jardins zoológicos e biotérios, o que gerou outros preceitos legais de ordem estadual e/ou municipal, visando um controle e fiscalização dos biotérios nacionais.
Em 1993, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) comanda um debate sobre a regulamentação do uso de animais em experimentação. Como referencial, leva-se em consideração documento preparado por uma sociedade protetora de animais. O documento nada mais era do que tradução – com variações sutis – da seção concernente à metodologia científica revisada em 1986, da lei inglesa denominada Animal’s Act. Sob a forma apresentada inviabilizaria a experimentação animal no Brasil. Então, a OAB conclama ao debate a Academia Brasileira de Ciência (ABC), que institui uma Comissão Mista para elaborar um projeto de lei que regulamentasse a criação e o uso de animais para atividades de ensino e pesquisa. A comissão fez-se representar por cinco instituições científicas de autoridade no país: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ); Federação das Sociedades Brasileiras de Biologia Experimental (FESBE); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o COBEA. Participaram da Comissão a Sociedade Mundial para Proteção dos Animais (WSPA) e a Sociedade Zoófila Educativa/(SOZED). Como representantes das entidades defensoras dos animais, atuaram com eficiência para a redação do texto final do anteprojeto de lei. Após consultas às distintas instituições de ensino e pesquisa existentes no Brasil e inúmeras discussões de conciliação frente à proposta de anteprojeto criado pelo então Deputado Federal e médico sanitarista Sérgio Arouca - PPS/RJ (PL nº 1.153/1995), sob a ementa: “Regulamenta o inciso VII, do parágrafo 1º do artigo 225, da Constituição Federal, que estabelece procedimentos para o uso científico de animais, e dá outras providencias”, nasce o PL nº 3.964 de 1997, através do Poder Executivo, dispondo sobre a criação e o uso de animais para atividades de ensino e pesquisa, apensado ao PL nº 1153/1995 como substitutivo e apresentado na Câmara dos Deputados para apreciação.
Dentre os temas relevantes antevistos no PL nº 3.964/1997 destacam-se:
a) a criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), como órgão normatizador, credenciador, supervisor e controlador das atividades de ensino e de pesquisa com animais, inclusive monitorando e avaliando a introdução de técnicas alternativas que substituam a utilização de animais em ensino e pesquisa;
b) a criação das Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAS), que serão obrigatórias em todas as instituições que pratiquem a experimentação animal; e
c) a definição das Penalidades aplicadas às instituições ou aos profissionais pelo emprego indevido das normas ou mesmo dos próprios animais.
Decorridos dois anos de tramitação na Câmara dos Deputados, criou-se novel substitutivo pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), que depois de apreciado pela Comissão Mista e pelas referidas sociedades protetoras, volveu ao relator que o apensou ao PL nº 1.153/1995.
Em fevereiro de 1998, cria-se a Lei nº 9.605, sobre condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, que anuncia ser crime contra a fauna a prática de atos abusivos, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos (art. 32), com pena prevista de detenção de três meses a um ano, e multa. No atinente à experimentação animal, através do parágrafo 1º incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. É de sabença, que existem meios alternativos e, se existem, a vivissecção encontra-se de maneira implícita vedada. No parágrafo 2º: a pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorrer morte do animal. A regulamentação da Lei de crimes ambientais ocorreu através do Decreto nº 3.179, de 21 de setembro de 1999.
Com a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, eleva-se a um patamar de destaque os animais que, por serem considerados relevantes ao meio ambiente equilibrado, alocam-se no âmbito do Direito Ambiental. Sendo assim, com suporte no art. 225, parágrafo 1º, inciso VII e levando-se em conta a função ecológica exercida pela fauna e flora, há de se considerar a natureza jurídica dos animais como bem jurídico difuso, cujo titular é a coletividade, agregada às presentes e futuras gerações.
À época do advento da Carta Magna em referência, tomava vulto o movimento das sociedades protetoras de animais, o que dificultou e ameaçou a prática da experimentação animal. Por resposta, em 1991, o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (COBEA) cria os 12 Princípios Éticos na Experimentação Animal, que passam a orientar a conduta dos professores e dos pesquisadores nas práticas que envolviam experimentações com animais. Os artigos primam pelo respeito à saúde e ao bem-estar animal, sendo que o último enunciado apregoa o que há de mais relevante: desenvolver tarefas de capacitação específica de pesquisadores e funcionários compreendidos nos processos com animais de experimentação, destacando aspectos de trato e uso humanitário com animais de laboratório. Diretriz que merece aplausos, porque o implemento da educação, nessa seara, é forma salutar para a adoção de princípios éticos.
A Resolução nº 592 de 26 de junho de 1992, criada no Conselho Federal de Medicina Veterinária, estabelece no art. 1º que estão obrigadas a registro na Autarquia: Conselho Federal e Conselhos Regionais de Medicina Veterinária, correspondente aos Estados/Regiões onde funcionarem, as firmas, associações, companhias, cooperativas, empresas de economia mista e outras, cujas atividades sejam privativas ou peculiares à Medicina Veterinária, conforme consubstancia a letra dos arts. 5º e 6º, da Lei nº 5.517/1968: [...] XVII. jardins zoológicos e biotérios, o que gerou outros preceitos legais de ordem estadual e/ou municipal, visando um controle e fiscalização dos biotérios nacionais.
Em 1993, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) comanda um debate sobre a regulamentação do uso de animais em experimentação. Como referencial, leva-se em consideração documento preparado por uma sociedade protetora de animais. O documento nada mais era do que tradução – com variações sutis – da seção concernente à metodologia científica revisada em 1986, da lei inglesa denominada Animal’s Act. Sob a forma apresentada inviabilizaria a experimentação animal no Brasil. Então, a OAB conclama ao debate a Academia Brasileira de Ciência (ABC), que institui uma Comissão Mista para elaborar um projeto de lei que regulamentasse a criação e o uso de animais para atividades de ensino e pesquisa. A comissão fez-se representar por cinco instituições científicas de autoridade no país: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ); Federação das Sociedades Brasileiras de Biologia Experimental (FESBE); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o COBEA. Participaram da Comissão a Sociedade Mundial para Proteção dos Animais (WSPA) e a Sociedade Zoófila Educativa/(SOZED). Como representantes das entidades defensoras dos animais, atuaram com eficiência para a redação do texto final do anteprojeto de lei. Após consultas às distintas instituições de ensino e pesquisa existentes no Brasil e inúmeras discussões de conciliação frente à proposta de anteprojeto criado pelo então Deputado Federal e médico sanitarista Sérgio Arouca - PPS/RJ (PL nº 1.153/1995), sob a ementa: “Regulamenta o inciso VII, do parágrafo 1º do artigo 225, da Constituição Federal, que estabelece procedimentos para o uso científico de animais, e dá outras providencias”, nasce o PL nº 3.964 de 1997, através do Poder Executivo, dispondo sobre a criação e o uso de animais para atividades de ensino e pesquisa, apensado ao PL nº 1153/1995 como substitutivo e apresentado na Câmara dos Deputados para apreciação.
Dentre os temas relevantes antevistos no PL nº 3.964/1997 destacam-se:
a) a criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), como órgão normatizador, credenciador, supervisor e controlador das atividades de ensino e de pesquisa com animais, inclusive monitorando e avaliando a introdução de técnicas alternativas que substituam a utilização de animais em ensino e pesquisa;
b) a criação das Comissões de Ética no Uso de Animais (CEUAS), que serão obrigatórias em todas as instituições que pratiquem a experimentação animal; e
c) a definição das Penalidades aplicadas às instituições ou aos profissionais pelo emprego indevido das normas ou mesmo dos próprios animais.
Decorridos dois anos de tramitação na Câmara dos Deputados, criou-se novel substitutivo pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), que depois de apreciado pela Comissão Mista e pelas referidas sociedades protetoras, volveu ao relator que o apensou ao PL nº 1.153/1995.
Em fevereiro de 1998, cria-se a Lei nº 9.605, sobre condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, que anuncia ser crime contra a fauna a prática de atos abusivos, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos (art. 32), com pena prevista de detenção de três meses a um ano, e multa. No atinente à experimentação animal, através do parágrafo 1º incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. É de sabença, que existem meios alternativos e, se existem, a vivissecção encontra-se de maneira implícita vedada. No parágrafo 2º: a pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorrer morte do animal. A regulamentação da Lei de crimes ambientais ocorreu através do Decreto nº 3.179, de 21 de setembro de 1999.
A mens legis do legislador ambiental não se limita à conduta delituosa prevista no caput do art. 32. Transcende, ao equiparar àquelas hipóteses típicas, em termos penais “[...] quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos” (parágrafo 1º do art. 32 da Lei nº 9.605/1998).
Para exemplificar o texto expõe-se os mais conhecidos recursos alternativos que se ajustam ao propósito do legislador. Alguns foram referenciados na revista científica Alternative to Animals e na obra From Guinea Pig to Computer Mouse, da International Network for Humane Education (InterNICHE):
a) Sistemas biológicos in vitro (cultura de células, tecidos e órgãos passíveis de utilização em genética, microbiologia, bioquímica, imunologia, farmacologia, radiação, toxicologia, produção de vacinas, pesquisas sobre vírus e sobre câncer);
b) Cromatografia e espectrometria de massa (técnica que permite a identificação de compostos químicos e sua possível atuação no organismo, de modo não-invasivo);
c) Farmacologia e mecânica quânticas (avaliam o metabolismo das drogas no corpo humano;
d) Estudos epidemiológicos (permitem desenvolver a medicina preventiva com base em dados comparativos e na própria observação do processo das doenças);
e) Estudos clínicos (análise estatística da incidência de moléstias em populações diversas);
f) Necrópsias e biópsias (métodos que permitem mostrar a ação das doenças no organismo humano);
g) Simulações computadorizadas (sistemas virtuais que podem ser usados no ensino das ciências biomédicas, substituindo o animal);
h) Modelos matemáticos (traduzem analiticamente os processos que ocorrem nos organismos vivos);
i) Culturas de bactérias e protozoários (alternativas para testes cancerígenos e preparo de antibióticos);
j) Uso da placenta e do cordão umbilical (para treinamento de técnica cirúrgica e testes toxicológicos);
k) Membrana corialantóide (teste CAME, que se utiliza da membrana dos ovos de galinha para avaliar a toxicidade de determinada substância);
l) Pesquisas genéticas (estudos com DNA humano, como se verifica no Projeto Genoma), etc.”
A partir de 1999, o inciso II do art. 8º da Lei Estadual n° 10.359 veda o uso na condução e domínio dos animais, ou durante as montarias, dos seguintes equipamentos: qualquer tipo de aparelho que provoque choques elétricos; esporas com rosetas que contenham pontas, quinas ou ganchos perfurantes; sedém fora das especificações técnicas, que cause lesão física ao animal; e barrigueira que igualmente não atenda às especificações técnicas ora recomendadas.
Em 17 de julho de 2002, a Lei Estadual Regulamentadora é afastada pela vigência da Lei Federal nº 10.519, ao disciplinar expressamente a atividade dos rodeios, e fazendo uma série de exigências às entidades promotoras. Possibilita-se, então, a realização de rodeios, desde que sejam cumpridas as exigências da referida lei, especialmente no que diz respeito à proibição de prática de atividades ou uso de instrumentos no rodeio que possam causar injúrias, ferimentos ou lesões aos animais (BRASIL, 2003).
Em 29 de julho de 2002 é criada a Lei nº 3.900, que institui o código estadual de proteção aos animais, no âmbito do estado do Rio de Janeiro. Esta Lei reserva um capítulo especial para os animais de laboratório, porém apesar de normatizar questões importantes como instituição das comissões de éticas em centros de pesquisa e utilização de anestésicos em vivissecção, por outro lado restringe o uso de animais na área de ensino seja de nível médio ou superior, além de regular outras impertinências relativas ao tema. Outro problema com relação a esta Lei é a falta de sua regulamentação, até os dias de hoje.
Em julho de 2003, a Deputada Federal Iara Bernardi (PT/SP) cria o PL nº 1.691/2003, sob a ementa: “Dispõe sobre o uso de animais para fins científicos e didáticos e estabelece a escusa de consciência à experimentação animal”, que também foi apensado ao PL do Deputado Sérgio Arouca.
Em 1º de setembro de 2003, o relator Moacir Peres salienta referindo-se aos rodeios e demais eventos que provoquem sofrimentos aos animais: “Não há como se admitir, com o atual estágio do desenvolvimento sociocultural dos povos, que alguns ainda se valham de atos cruéis a animais a título de diversão e recreação.” (BRASIL, 2003a).
Como se percebe, seja objeto da reflexão nativa ou alienígena, a necessidade de normatização do direito aos animais é cultuada por quem se debruça sobre o tema. Embora muitas vezes utilizada como átrio da ideologia de empresas e governos, restam aqueles que cultuam a primazia da vida e o respeito à sua dignidade, em qualquer expressão. Segundo Buss (1993, p. 80) cabe a esses: “[...] encontrar formas de solidariedade que permitam resistir às pressões que pretendem congelar, pelo maior tempo possível, a velha ordem econômica, aética e ecoagressiva, mesmo que ao custo de guerras, destruição ambiental, doenças e morte.”
Posição atual
Decorridos anos de tramitação na Câmara dos Deputados e submetido a diversos relatores, o último parecer do então Deputado Federal Fernando Gabeira refere-se aos textos do PL nº 3.964/1997 e do substitutivo da CCTCI, como melhor estruturados do que o do PL nº 1.153/1995 propriamente dito. Tais documentos exibiriam elementos presentes na legislação internacional, considerariam a necessidade de registro da instituição que desenvolve estudos com animais, designariam Comitês de Ética, dentre outras sugestões.
Mesmo com ressalvas da comunidade científica, o texto original do PL nº 3.964/1997 era o que mais se aproximava do consenso entre pesquisadores e entidades protetoras e acabou por sofrer modificações com o substitutivo da CCTCI, culminando na proposta final do Deputado Gabeira. Surge ainda o apenso do PL da Deputada Iara, que traz a polêmica questão da escusa de consciência à experimentação animal. Foi relator do Projeto de Lei o Deputado Federal Sérgio Miranda (PCdoB/MG) e a discussão sobre a inserção ou não das propostas coube à Deputada Iara, bem como a revisão de determinados pontos entendidos essenciais pela comunidade científica para tornar a Lei exequível.
No dia 20 de maio de 2008, pela Câmara dos Deputados, e no dia 09 de setembro de 2008, e por unanimidade, pelo Senado, foi aprovada a "Lei Arouca", composta Projeto de Lei nº 1.153, de 1995, do ex-deputado e médico sanitarista Sérgio Arouca (1941-2003), e seu apenso Projeto de Lei nº 3.964, de 1997, do Poder Executivo, que estabelece regras para o uso de animais em pesquisas, atividades de ensino, inclusive nos cursos técnicos de ensino médio, e experimentação em todo o território brasileiro. A "Lei Arouca" não pretende abolir a vivissecção, mas evitar o sofrimento e a dor do animal submetido aos procedimentos de experimentos científicos em laboratórios para fins de ensino e pesquisa. A aprovação é considerada pelos cientistas como vitória, mas para as Organizações Não-Governamentais protetoras de animais trata-se : "[...] de um erro metodológico que considera a experimentação animal como o único meio para se obter conhecimento científico."
Os principais argumentos utilizados pela comunidade científica brasileira em defesa da "Lei Arouca" são sintetizados por Jürgens (2011): "O uso de animais em pesquisas médicas e veterinárias permitiu a descoberta de alguns dos medicamentos mais utilizados ao redor do mundo, como a insulina e a penicilina, além de vacinas responsáveis pela erradicação de doenças, como a raiva, tétano, sarampo e difteria. A lista de benefícios alcançados por meio do uso científico dos animais poderia ser estendida ainda a tranquilizantes, ao desenvolvimento da cirurgia cardíaca, à quimioterapia e ao transplante de órgãos, que contaram com o auxílio de testes realizados em ratos, cães, ovelhas, vacas e porcos. Em exemplo mais recente, no início desta semana cientistas americanos anunciaram a criação do primeiro modelo animal que reproduz a esquizofrenia, o que permitiria compreender melhor sua evolução e desenvolver novos tratamentos. O estudo foi publicado nos anais da Proceedings of the National Academy of Sciences, a PNAS."
Por outro lado, a vivissecção é condenada por alguns cientistas, para quem o cirurgião deve ser treinado em pacientes humanos, passando gradualmente de estágio à estágio em dificuldade. Para aqueles, a aquisição da habilidade pelo treino em animais, deve ser expressamente rejeitada, por considerar-se inútil e perigosa no treinamento de um cirurgião torácico, quando consideradas as diferenças evidentes das reações dos organismos de seres humanos e animais.
Finalizamos este embasamento teórico, com depoimentos de diversos renomados cientistas (MORA, 2016):
“Nenhum cirurgião pode obter conhecimento de experimentos em animais e todos os grandes cirurgiões do passado e presente concordam com isso. Não se aprende cirurgia através da operação de animais. Animais são completamente diferentes do homem; anatomicamente, suas reações são diferentes, sua estrutura é diferente, sua resistência é diferente. O estudo em animais confunde o cirurgião” - Prof. Dr. Bruno Fedi, Diretor do Instituto de Anatomia Patológica no Hospital Geral de Terni, Itália (Fedi, 1986).
“Os vivissectores argumentam que a vivissecção ajuda o iniciante a adquirir habilidade manual. Mas, como alguém pode imaginar que essa habilidade venha da operação de gatos, cães ou ratos, cujos intestinos são muito menores, cujos vários órgãos têm uma relação anatômica totalmente diferente entre eles do que no homem, de forma alguma comparável ao do homem? O mesmo vale para consistência dos ‘innards’, sua coloração, resistência ao corte e tudo mais” Prof. Dr. Ferdinando de Leo, Professor de Cirurgia e Terapia Patológica Especial da Universidade de Nápoles, Itália. Cirurgião Chefe no Hospital Pelligrini. Declaração em um programa de televisão, em 1978 (De Leo, 1978).
“Tive que desaprender tudo que tinha ‘aprendido’ em cães e começar novamente pela anatomia humana. Atrasei meu progresso em cerca de 12 anos” – Dr. Lawson Tait, considerado pai da cirurgia moderna, ao criticar suas aulas de cirurgia prática em cães – “O fato é que as doenças em animais são tão diferentes do homem, assim como ferimentos, que as conclusões obtidas pela vivissecção são absolutamente inúteis” (1882) (respectivamente Risden, 1967; Tait, 1882).
“A base da cirurgia é a anatomia. Isto explica o porquê que a cirurgia deve ser aprendida primeiramente em tratados e atlas anatômicos, e depois pela dissecção de um grande número de cadáveres. Assim você não aprende apenas sobre anatomia humana, como também adquire a indispensável habilidade manual. Daí você parte para o aprendizado da prática de cirurgia. Esta pode ser aprendida apenas em hospitais, em contatos diários com os pacientes. Você precisa ser um assistente antes de ser um cirurgião [...]. Finalmente, vamos examinar como alguém chega a operação cirúrgica. Primeiro você observa, depois você auxilia um cirurgião. Isso, por várias vezes. Depois que tiver compreendido os vários estágios de uma operação, as dificuldades que podem surgir e o contornar essas dificuldades, somente então você pode começar a operar. Primeiro em casos simples, sob a supervisão de um cirurgião experiente, que pode avisá-lo de qualquer passo errôneo ou advertir se você tiver alguma dúvida de procedimento [...]. Essa é a verdadeira escola da cirurgia e eu afirmo que não existe outra. Depois de explicar sobre a verdadeira escola de cirurgia é fácil de entender porque todos os cursos de cirurgia baseados em operações em cães têm levado a falhas miseráveis. O cirurgião que conhece sua arte não pode aprender nada desses cursos e os iniciantes não aprendem deles a verdadeira técnica cirúrgica e se tornam cirurgiões perigosos” - Dr. Abel Desjardins, em 1932. Na época, Presidente da Sociedade Francesa de Cirurgiões, Cirurgião Chefe do Colégio de Cirurgia da Faculdade de Paris, e professor de cirurgia da France's Ecole Normale Superieure (Ruesch, 1983).
“A técnica operatória descrita nestas páginas são apropriadas para animais, geralmente cães. Entretanto, não sugere-se que sejam igualmente apropriadas para seres humanos. Negamos que o estudante tenha a pretensão de que ele faz é a operação de um paciente para a cura de uma doença” – J. Markovitz, Manual de Cirurgia Experimental, 1954.
“O objetivo deve ser treinar o cirurgião em pacientes humanos, passando gradualmente de estágio a estágio em dificuldade e rejeitar explicitamente a aquisição de habilidade pelo treino em animais [...] que é inútil e perigoso no treinamento de um cirurgião torácico” – Prof. Dr. R.J. Belcher, no Simpósio de Cirurgia Torácica, em Florença, Itália (1980), sobre o treinamento de cirurgiões (Fadali, 1986).
“Assim que grandes cirurgiões são formados. Equipados na sala de cirurgia sob a tutela de um mestre e não na sala de vivissecção” – Dr. Moneim Fadali, Diplomata da American Board of Thoracic Surgery e da American Board of Surgery, e membro do Colégio Real de Cirurgiões do Canadá, em seu livro Animal Experimentation: a Harvest of Shame (1996).
CONCLUSÃO
O tema provoca grandes polêmicas. É praticamente impossível, no estágio atual, igualar os direitos dos animais não-humanos aos direitos dos seres humanos. Existem inúmeras dificuldades. Suas necessidades e relações com os humanos são opostas às necessidades e relações dos humanos com seu próprio grupo. Embora seja possível detectar o sofrimento de um fêmeo animal não-humano quando lhe tiram o filhote, não se pode afirmar cientificamente que se inter-relacionem.
No que diz respeito à sua própria espécie, os animais não-humanos, na maioria das vezes, vivem e morrem solitariamente, sem qualquer noção de justiça ou de injustiça. Sendo assim, não se estabelecem no mundo como seres morais. O ser humano, por sua vez, realiza eleições livres baseadas na valoração consciente de alternativas; exerce sobre sua vida uma autonomia que lhe faculta exigir o respeito por parte dos demais, aos quais, por sua vez, deve-se da mesma forma respeitar; é o responsável por suas ações e intenta resolver os conflitos mais pelo acordo do que pela força. Ao contrário dos não-humanos, é um ser moral, razão pela qual o conceito de Direito lhe é compreensível. Não obstante, se aos animais não-humanos seja impossível assimilar a concepção de justo e injusto, moral e imoral, deve-se lembrar que às crianças em tenra idade e aos alienados mentais, também estas palavras nada significam. Nem por isso possuem seus direitos arrefecidos em relação aos adultos. Ao contrário, pela situação indefesa imposta pela natureza ou pelas circunstâncias, cabe-lhes maior proteção dos humanos adultos e tutela mais cuidadosa por parte do Direito.
Os direitos dos animais não-humanos possuem como meta impor limites jurídicos claros ao comportamento humano. Ao serem estabelecidos, será possível iniciar processos judiciais contra aqueles que os extrapolem. Os animais são vulneráveis, indefesos, encontrando-se completamente sob o poder dos homens. Por tal motivo, aqueles que ignorarem seu bem-estar devem ser julgados e responsabilizados por tal violação.
Pede-se aos animais direitos básicos à vida, à liberdade corporal, à integridade física e psíquica, que lhes garantirão um mínimo de respeito e dignidade. Esses são direito animais – assim denominados porque se referem aos interesses basais, que resultam da própria manifestação da natureza dos seres sencientes, num mundo no qual desempenham relevante papel, desde a necessidade coletiva ao equilíbrio do meio ambiente ao particular bem-estar psíquico - incluindo-se a alegria e benefício - que proporcionam a tantos indivíduos, sem nada impor ou desejar.
Referências
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Primeira publicação em: 4 dez. 2010, 12h17.
Ampliado em: 25 jan. 2011.
Publicado em: 25 jan. 2011, 18h5.
Ampliado em: 25 jan. 2011.
Publicado em: 25 jan. 2011, 18h5.