CONCEPÇÕES DOGMÁTICA
E ZETÉTICA DO DIREITO
E ZETÉTICA DO DIREITO
O Direito como objeto, pode ser estudado sob dois ângulos: um zetético e um dogmático. Entretanto, como elucidar a formulação desses dois enfoques?
O refletir dogmático (dokein) vincula-se ao desenvolvimento de opinião, enquanto o zetético (zetetikós) liga-se à dissolução das opiniões pela investigação e seu pressuposto basilar é a dúvida. O pensamento dogmático é uma forma de enfoque teórico no qual as premissas da sua argumentação são inquestionáveis, como ocorre, por exemplo, com a religião, por ser a fé inquestionável; o método zetético (zetetikós) é analítico e, para resolver algum problema ou investigar a razão das coisas, questiona as premissas de argumentação, procede por pesquisas, investiga, é cético. O enfoque dogmático é mais fechado, preso a conceitos fixos, adaptando os problemas às premissas, enquanto o enfoque zetético dissolve as opiniões e coloca-as em dúvida, exercendo função especulativa explícita e infinita.
Quanto à finalidade a que se destinam, o pensamento dogmático propõe-se a refletir sobre uma opinião inquestionável, mas entendida como dotada de autoridade e cuja legitimidade assentou-se a priori. Determinadas fórmulas - sejam leis ou demais análogos - são aceitas como dogmas e como tais se transformam em objeto de estudo, que não se podem modificar ou ignorar. Frente a isso, o estilo de pensar zetético tem por finalidade o que para o pensamento dogmático é vedado: a inquirição, a crítica e a análise sucessiva de todos os tipos de conteúdos, pressupostos e métodos.
O refletir dogmático, conquanto se fixe nas certezas que torna irrefutáveis, não permite estagnar seu desenvolvimento imanente. Nessa acepção, para manter um sistema coeso e durável de juízos dogmatizados, celebra-se com honra a hermenêutica, cuja relevância se perfaz na flexibilização dos dogmas impossíveis de serem rejeitados, proporcionando sua releitura interna sem negá-los. Se o pensamento dogmático elege enunciados fundamentais para serem colocados fora de quaisquer dúvidas, por outro lado, desenvolve-os ininterruptamente, porque não os pode desamparar.
Entende-se, a partir desses dizeres, que a Filosofia seja zetética. Para Aristóteles (1969, p. 11), a Filosofia surge do assombro motivado pelas vicissitudes do mundo, daquilo que é inesperado, do devir. A princípio, o homem inventa o mito para controlar o caos vivente, na busca pela ordem. Entretanto, os mitos sobrevivem de frágeis crenças e não possuem a rigidez proposta, desde antanho, pela Filosofia.
Para Emanuele Severino (1986, p. 19), a Filosofia busca a ideia de um saber irrefutável: "[...] e que seja irrefutável não porque a sociedade e os indivíduos nele tenham fé ou vivam sem dele duvidar, mas porque ele próprio é capaz de rebater todos os seus adversários. A ideia de um saber que não pode ser negado nem por homens nem por deuses, nem por mudança dos tempos ou dos costumes. Um saber absoluto, definitivo, incontroverso, necessário, indubitável." Pela incessante procura, é a Filosofia fundamentalmente especulativa.
O Direito, por sua vez, é mais dogmático. Contudo, as céleres transformações do mundo moderno ordenam, para uma compreensão mais apurada das necessidades humanas, seja introduzida a forma zetética de pensar o Direito, sob o risco de torná-lo ineficaz. Nesse ponto, ressalta-se o grande valor da Filosofia para o Direito. Pensar o Direito denota problematização da realidade e reformulação dos conceitos vetustos, por vezes tidos como insuficientes para dirimir as novas contendas. Se ao Direito cabe acompanhar a evolução social, precisa desnudar-se de preconceitos conferidos pelo dogmatismo jurídico.
Na resposta ao problema jurídico, não se pode pretender exatidão nem evidência inequívoca. Essa proeza seria impossível em razão da pluralidade de elementos que interferem no comportamento humano e de maneira especial nas situações postas pelas relações inter-humanas. Ao juiz, incumbe valer-se da razoabilidade ao consagrar a regra jurídica, pois o Direito como engenho humano é circunstancial.
A Dogmática Jurídica, nos dias de hoje, alude a um saturamento ideológico do saber jurídico, a uma modorra indolente quanto às mutações sociais; mas, ao mesmo tempo, acena para um possível e necessário amoldamento dos seus conceitos às novas vicissitudes.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Metafísica. Porto Alegre: Globo. Tradução: Leonel Valandro, 1969, A 2, 982 a 29 - b 22. Biblioteca dos Séculos.
SEVERINO, Emanuele. A filosofia antiga. Tradução de José Eduardo Rodil. Lisboa: Edições 70, 1986. v. 1.