Biodireito (verbete)
Sílvia M L Mota
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http://biodireito.wordpress.com/2008/09/15/biodireito-verbete
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"Segue abaixo parte do texto da professora Sílvia Mota sobre o conceito de Biodireito, note que o texto foi formulado no ano de 1996, época em que surgia este novo ramo do estudo do ordenamento jurídico e poucos pesquisadores escreviam sobre o assunto.
Trata-se de um artigo de vanguarda e extremamente elucidativo, sem restar duvida de que o trabalho e as obras da professora Sílvia Mota são de grande valia para aqueles que estudam o Biodireito."
***ATENÇÃO***Texto formulado em 1996 por solicitação
do Professor Doutor Vicente de Paulo Barreto
Conceito: termo que designa a instituição do mais recente ramo do direito que estuda as normas reguladoras da conduta humana frente às novidades apresentadas pela medicina e exploradas pela biotecnologia, numa visão que engloba o resultado presente e futuro, na preservação da dignidade humana.
Etimologia: bios - vida; direito - do latim directus, indica aquilo que é moralmente justo; é a lei natural ou positiva, escrita ou não escrita.
Tradução: al. Biorecht; ingl. bioright, biolaw; fr. biodroit; ital. biodiritto; esp. bioderecho.
Referências: CASADO, María (Dir.). Materiales de bioética y derecho. Barcelona: Cedecs Editorial S.L., 1996. 470 p.; CHAVES, Antonio. Direito à vida e ao próprio corpo. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. 389 p.; FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução. Porto Alegre: Fabris, 1991. 214 p.; MARTINS, Antônio Carvalho. Bioética e diagnóstico pré-natal: aspectos jurídicos. Coimbra: Coimbra, 1996. 74 p.; MATEO, Ramón Martín. Bioética y derecho. Barcelona: Ariel, 1987. 189 p.; NEIRINCK, Claire. (dir.). De la bioéthique au bio-droit. Paris: Libraire Générale de droit et jurisprudence, 1995. 171 p.; RIALS Stéphane (Dir.). Droits: revue française de théorie juridique, Paris, n. 13. Biologie, personne et droit. 1991. 186 p.; RODOTÀ, Stefano. Tecnologie e diritti. Bologna: Il Mulino, 1995. 406 p.; ROMEO CASABONA, Carlos María. El derecho y la bioética ante los límites de la vida humana. Madrid: Centro de Estudios Ramón Areces, 1994. 514 p.; SANTOS, António Marques et al. Direito da saúde e bioética. Lisboa: Faculdade de Direito Lisboa, 1996. 322 p.; TORRE, Giuseppe Dalla. Bioetica e diritto. Torino: G. Giappichelli, 1993. 182 p.
1 O biodireito nasce da necessidade de proteger o indivíduo como ser biológico, desde a sua concepção, ou por que não dizer, desde o seu patrimônio genético à sua morte e mais além, até o seu cadáver. Surge em resposta ao apelo que a bioética envia ao Direito, ao insistir que deve existir uma proteção ao ser humano, não apenas como ser individual, mas também, como representante da espécie humana.
2 A biotecnologia tem, cada vez mais, o poder de modificar a natureza humana, produzindo mutações que há muito ultrapassaram os limites da ficção। A ciência não se coloca contra o homem nem à sua frente, mas ao lado do homem, absorvendo-o progressivamente. Por volta de 1960, as questões relativas à vida humana passaram a ser resolvidas por Comissões de Ética que, numa criação quase explosiva, passaram a atuar no âmbito dos hospitais, reunindo-se de tempos em tempos, médicos, biólogos e, eventualmente, pessoas alheias aos meios da medicina e da biologia, com o intuito de dedicar-se a definir uma posição ética sobre questões relativas ao desenvolvimento das ciências da vida e da medicina: transplante de órgãos, procriação com assistência médica e experiência com seres humanos, entre outras.
As primeiras Comissões surgiram nos idos de 1960, nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Suécia, Austrália, Áustria e Alemanha, mas as normas de proteção à vida humana vêm sendo criadas a partir dos Colóquios internacionais que consagram os direitos humanos, e se colocam entre os grandes textos que fundaram a bioética, como as Declarações de Nuremberg (1947), de Helsinque (1964), de Tóquio (1975) e de Manila (1980).
Nos últimos quinze anos inúmeros países criaram comitês nacionais ou locais। A nível nacional a primeira Comissão de Ética surgiu na França, através do decreto de 23 de fevereiro de 1983, sob o nome de Comissão Consultiva Nacional de Ética para as ciências da vida e da saúde. Foram criados também, na Dinamarca, através da Lei de 22 de maio de 1987, um Conselho de Ética para a saúde e a pesquisa médico biológica no homem; e na Austrália, em 1989, uma Comissão Nacional de Ética. Também pode-se referenciar: Chinese Academy of Socyal Sciences, Institute of Philosophy, Programs in Bioethics, na China; Instituto Borja de Bioética, na Espanha; Addid Ababa University, Faculty of Medicine Research and Publicatio Committee, na Etiópia; Consejo de Salubridad General, Comisión Nacional de Bioética, no México; Health Research Council of New Zealand, na Nova Zelândia; Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, em Portugal; Mercado Común del Sur, Ethics Committee Sub-Comisión de Ciencia y Tecnologia, no Uruguai e finalmente, no Brasil, a Associação Brasileira dos Docentes de Ética Médica, com sede em São Paulo.
Deve-se, contudo, salientar, que as primeiras regras de proteção à vida humana, em decorrência das transformações advindas da nova medicina, são provenientes da própria comunidade científica que, em julho de 1974, propôs uma moratória às experiências, a fim de investigar os riscos das manipulações genéticas. O homem da ciência acabava de adquirir o poder de modificar o patrimônio genético dos seres vivos e tomava ciência desse domínio, esforçando-se por medir o alcance de sua aplicação, fortificando as conseqüências felizes e limitando as conseqüências perigosas (BERNARD, 1990). Em fevereiro de 1975, um grupo de aproximadamente 200 dos mais eminentes biólogos moleculares do globo terrestre foram convocados para uma reunião no balneário de Asilomar, na costa do Pacífico, para discutir essas questões. À época, concluíram-se por duas soluções: estabelecer o fim da moratória e publicar as condições de limitação à utilização das técnicas do ADN recombinante, aprovando-se certas normas mínimas de segurança (MULLER, 1995). Desta forma, por volta de 1976, surgiram as guide-lines, publicadas pelo National Institute of Health e, aos poucos, em quase todas as instituições similares, impondo regras de autolimitação para os biólogos. Estabeleciam que a regra da declaração das experiências seria sempre obrigatória, vedando-se conduzir qualquer experiência que apelasse para as recombinações in vitro, sem a referir a comissões de ética dependentes das autoridades ministeriais competentes e mesmo das instituições locais. Da mesma forma, as regras de confinamento mínimo, de natureza biológica, seriam controladas. Não seria permitido clonar qualquer tipo de gene, principalmente se este fosse suspeito de dirigir uma função que pudesse revelar-se essencial à propagação de um vírus ou que apresentasse uma atividade tóxica qualquer. A natureza dos vetores de transformação e, mais ainda, a da bactéria receptora, deveriam ser geneticamente definidas; não se poderiam transformar senão células susceptíveis de mutações tais que a sua propagação ecológica fosse tornada impossível. O confinamento seria também de natureza física conforme o grau dos fatores de risco atribuído a esta ou aquela experiência. Esta, para atender aos reclamos da seguridade, deveria ser conduzida em recintos isolados, apresentando características de confinamento proporcionais ao risco suposto (GROS, 1991).
3 Se a bioética surgiu com o intuito de sanar as preocupações éticas dos próprios cientistas, impulsionada pelas considerações éticas suscitadas pela nova medicina, estendendo seu alcance à própria biologia e à relação de reciprocidade dos seres vivos, numa visão que abarca o futuro, a necessidade de um biodireito surge no mundo atual num contexto onde as pesquisas biológicas e as aplicações da engenharia genética exigem o estabelecimento de novos direitos। Atualmente, há uma preocupação com a sobrevivência do Homem e com o equilíbrio natural do planeta Terra e, se a bioética é o resultado da pergunta que o Homem faz a si mesmo sobre as suas origens e sobre o seu futuro, num discurso que transcende o âmbito da ciência, ao biodireito cabe ouvi-la em suas delimitações que indicarão o exercício da liberdade do Homem diante de suas próprias atitudes e aceitações.
Por mais excêntrico que possa parecer à justiça centrada no conceito ortodoxo de igualdade, uma observação insistente faz descobrir, nos dias atuais, uma sociedade em que a igualdade se faz calcada nas desigualdades e nessas desigualdades a fonte da cultura e do desenvolvimento de valores universais.
A responsabilidade frente às recentes transformações impostas pela ciência é medida pelo desenrolar cultural de cada povo. Não se pode exigir de todos uma visão uniforme, pois os valores morais diferem. O que, entretanto, permanece único, é o valor essencial da vida, solicitando a proteção da consciência humana. A celeridade das experiências científicas tornam-se cada vez mais incontroláveis, dando origem a um repensar da ética, que extravasa os antigos espaços, unindo-se definitivamente ao Direito, numa atribuição de deveres decorrentes não somente dos fatos sob sua guarda, como também alcançando aqueles que fogem ao controle dos seus domínios. Desta forma, o anseio contido no apelo ao biodireito é, antes de mais nada, uma devoção à Justiça, que se põe a favor do homem e da sociedade em si mesma, pois neste marco pelo qual passa a Humanidade, onde a solidariedade, paz social e bem-comum se harmonizam, exige-se um pensamento crítico e preocupado com uma redistribuição justa da responsabilidade que se deve ter em relação à vida humana.
4 A dimensão social da bioética é proveniente de uma natureza transdiciplinar e pluralista, já que está aberta à participação do público e às políticas nacionais em prol de uma harmonização internacional (HOTTOIS, PARIZEAU, 1993). Isso dificulta a concretização de um biodireito, que por ser norma deve indicar situações predeterminadas, difíceis de serem reguladas, pois envolvem a natureza e a essência humanas. Diante da dificuldade de estabelecer uma só moral, vê-se como necessária uma regulamentação que obedeça ao critério de uma ética de mínimos, com o estabelecimento de cláusulas gerais a serem aplicadas ao caso concreto, opondo-se à cristalização do direito positivo, que para ser válido necessita de constante rejuvenescimento. A elaboração de uma ordem jurídica que tutele as relações sociais emergentes, deverá levar em conta os princípios que norteiam a bioética (ENGELHART, 1996), pois serão esses os fundamentos para a explicação que o Estado deverá dar ao estabelecer as regras dos mínimos a serem seguidas.
5 O biodireito vem a ser o conjunto de regras de respeito ao corpo humano, com relação à doação e recepção de embriões, à utilização de produtos do corpo humano, ao acesso igualitário à terapia genética, à procriação e ao diagnóstico pré-natal, ao uso dos dados confidenciais com fins de investigação na área de saúde, ao direito personalíssimo do indivíduo de conhecer suas origens, entre outras. Precisamente, porque o biodireito é um ramo da doutrina, da legislação e da jurisprudência, ainda in fieri, o juiz ocupa um lugar de destaque.
6 Exige, portanto, o biodireito, na execução das novas leis, que se desvencilhem os magistrados dos tradicionais ditames que se prendem, unicamente, ao poder imperativo da racionalidade e da experiência, acrescentando-se a esses domínios, as condições sociais, econômicas, éticas e morais que envolvem as relações fáticas. Contudo, reconhece-se que, uma nova atitude enraizada na evolução do pensamento humano, com fins à dignidade da vida, somente poderá evoluir num Estado onde exista uma Constituição democrática que possa legitimar a Ética e o Direito, ao indicar a escrita de leis espaldadas na concordância da maioria.
7 No Direito Brasileiro, a vida encontra proteção no art. 4º do Código Civil, que preceitua: "a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro." Também o art. 5º da Constituição Federal de 1988 garante a inviolabilidade do direito à vida, mas - além do direito à vida - despontam atualmente novos direitos, alguns deles, já abordados, pela Jurisprudência, tais o direito de escolher o próprio momento da morte (referido como o direito moral de morrer); o direito de preferir a morte a receber transfusão de sangue, por motivo de convicção religiosa (caso das Testemunhas de Jeová); o direito de escolher, num laboratório, as características físicas de seu filho; o direito de não ter o filho naquele momento ou situação; o direito de não nascer com defeito genético; o direito a mudar de sexo; o direito de ter filhos geneticamente iguais. Entre diversas situações, despontam inseguridade e intimidação, por não existirem normas jurídicas que disciplinem esses direitos. Daí a necessidade premente da formulação de um biodireito.
LEIS DE RESPEITO AO CORPO HUMANO
Âmbito internacional:
PRESIDENT’S COMMISSION FOR THE STUDY OF ETHICAL PROBLEMS IN MEDICINE AND BIOMEDICAL AND BEHAVIORAL RESEARCH. Splicing life: a report on the social and ethical issues of genetic engineering with human beings. Washington: US Govemment Priting Office, 1982.
WORLD MEDICAL ASSOCIATION. Veneza. Itália, 1983. (Declaração de Veneza sobre Doença Terminal).
EUROPEAN MEDICAL RESEARCH COUNCILS. Gene therapy in man: recommendations of European Medical Research Councils. Lancet, 1988; 1:1271-2.
FOUNDATION BANCO BILBOA VIZCAYA. Human Genome Project:ethics. In: Second Worksshop on International Co-operation for the Human Genome Project. Madrid: Foundation BBV, 1992.
GENETICS ETHICS AND HUMAN VALUES: human fenome mapping, genetic screening and therapy। Twenty Four Round Table Conference of the Council for International Organization of Medical Sciences (CIOMS); 1990 Jul. 22-27; Tokyo, Inuyana City. Geneva: CIOMS, 1991.
COMITÉ CONSULTATIF NATIONAL D’ÉTHIQUE POUR LES SCIENCES DE LA VIE ET DE LA SANTÉ. Avis sur la thérapie génique. Hum Gene Ther 1991; 2(4):329.
COMITATO NAZIONALE PER LA BIOETICA. Terapia genica. Roma: Presidenza del Consiglio dei Ministri, Dipartimento per l’Informazione e l’Editoria, 1991.
COMMITEE ON THE ETHICS OF GENE THERAPY. Report of committee on the ethics of gene therapy. Hum Gene Ther 1992; 3(5):519-23.
WORLD MEDICAL ASSOCIATION. Declaration on the human genome project. Forty Four World Medical Assembly, Marbella, Spain, September 1992. Bull Med Eth 1993; 87:9-10.
UNESCO. International Bioethics Committee Declaration on the protection of the human genome. 1995 mar. 7, sep. 30.
NUFFIELD COUNCIL ON BIOETHICS. Genetics screening ethical issues. London: Nuffield, 1993.
BILBAO DECLARATION. International Workshop on Human Genome Project, 1993, May 24-26. Bilbao, Inter. J. Bioeth., 1994; 5(4):317-9.
FRANCE. Loi n. 94.653, du 29 juillet 1994. Relative au respect du corps humain. Journal Officiel de La Republique Française 1994; 30:11056-68.
UNESCO. Revised outline of a declaration on the human genome and its protection in relation to human dignity and human rights. C.I.B. 25 september 1995. Eubios Journal of Asian and International Bioethics 1995; 5:150-1.
THE NATIONAL COMMISION FOR THE PROTECTION OF HUMAN SUBJECTS OF BIOMEDICAL AND BEHAVIORAL RESEARCH. The Belmont Report: ethical principles and guidelines for the protection of human subjects of research. Washington: U. S. Departament of Health, Education, and Welfare, 1979: 1-8.
Âmbito nacional:
BRASIL. Lei nº 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados. Diário Oficial da União, Brasília, v. 403, n. 5, p. 337-339, 6 jan. 1995, Seção 1.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.358. Aprova normas éticas regulamentadoras...
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996. Aprova normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Diário Oficial da União, 1996 out. 16:21082.5.
REFERÊNCIAS
BERNARD, Jean. Da biologia à ética. ed. 104268/5671. Tradução Cristina Albuquerque. Mira-Sintra: Publicações Europa-América, [1990], p. 24-25.
ENGELHART, H. Tristam. The foundations of bioethics. 2. ed. New York: Oxford University, 1996, p. 102-131.
GROS, François. Os segredos do gene. Tradução Ana Sampaio. Lisboa: Dom Quixote, 1991, p. 164-165.
HOTTOIS, Gilbert, PARIZEAU, Marie-Héléne. Les mots de la bioéthique: un vocabulaire encyclopédique. Bruxelles: De Boeck Université, 1993.
MÜLLER, Luis Díaz. Biotecnología y derecho: del modelo industrializador al modelo tripolar de la modernidad. Cuadernos de Salud y Derechos Humanos: Instituto de Investigaciones Jurídicas, IIJ-UNAM, México, Cuaderno 1, 1995.
Etimologia: bios - vida; direito - do latim directus, indica aquilo que é moralmente justo; é a lei natural ou positiva, escrita ou não escrita.
Tradução: al. Biorecht; ingl. bioright, biolaw; fr. biodroit; ital. biodiritto; esp. bioderecho.
Referências: CASADO, María (Dir.). Materiales de bioética y derecho. Barcelona: Cedecs Editorial S.L., 1996. 470 p.; CHAVES, Antonio. Direito à vida e ao próprio corpo. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. 389 p.; FERRAZ, Sérgio. Manipulações biológicas e princípios constitucionais: uma introdução. Porto Alegre: Fabris, 1991. 214 p.; MARTINS, Antônio Carvalho. Bioética e diagnóstico pré-natal: aspectos jurídicos. Coimbra: Coimbra, 1996. 74 p.; MATEO, Ramón Martín. Bioética y derecho. Barcelona: Ariel, 1987. 189 p.; NEIRINCK, Claire. (dir.). De la bioéthique au bio-droit. Paris: Libraire Générale de droit et jurisprudence, 1995. 171 p.; RIALS Stéphane (Dir.). Droits: revue française de théorie juridique, Paris, n. 13. Biologie, personne et droit. 1991. 186 p.; RODOTÀ, Stefano. Tecnologie e diritti. Bologna: Il Mulino, 1995. 406 p.; ROMEO CASABONA, Carlos María. El derecho y la bioética ante los límites de la vida humana. Madrid: Centro de Estudios Ramón Areces, 1994. 514 p.; SANTOS, António Marques et al. Direito da saúde e bioética. Lisboa: Faculdade de Direito Lisboa, 1996. 322 p.; TORRE, Giuseppe Dalla. Bioetica e diritto. Torino: G. Giappichelli, 1993. 182 p.
1 O biodireito nasce da necessidade de proteger o indivíduo como ser biológico, desde a sua concepção, ou por que não dizer, desde o seu patrimônio genético à sua morte e mais além, até o seu cadáver. Surge em resposta ao apelo que a bioética envia ao Direito, ao insistir que deve existir uma proteção ao ser humano, não apenas como ser individual, mas também, como representante da espécie humana.
2 A biotecnologia tem, cada vez mais, o poder de modificar a natureza humana, produzindo mutações que há muito ultrapassaram os limites da ficção। A ciência não se coloca contra o homem nem à sua frente, mas ao lado do homem, absorvendo-o progressivamente. Por volta de 1960, as questões relativas à vida humana passaram a ser resolvidas por Comissões de Ética que, numa criação quase explosiva, passaram a atuar no âmbito dos hospitais, reunindo-se de tempos em tempos, médicos, biólogos e, eventualmente, pessoas alheias aos meios da medicina e da biologia, com o intuito de dedicar-se a definir uma posição ética sobre questões relativas ao desenvolvimento das ciências da vida e da medicina: transplante de órgãos, procriação com assistência médica e experiência com seres humanos, entre outras.
As primeiras Comissões surgiram nos idos de 1960, nos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Suécia, Austrália, Áustria e Alemanha, mas as normas de proteção à vida humana vêm sendo criadas a partir dos Colóquios internacionais que consagram os direitos humanos, e se colocam entre os grandes textos que fundaram a bioética, como as Declarações de Nuremberg (1947), de Helsinque (1964), de Tóquio (1975) e de Manila (1980).
Nos últimos quinze anos inúmeros países criaram comitês nacionais ou locais। A nível nacional a primeira Comissão de Ética surgiu na França, através do decreto de 23 de fevereiro de 1983, sob o nome de Comissão Consultiva Nacional de Ética para as ciências da vida e da saúde. Foram criados também, na Dinamarca, através da Lei de 22 de maio de 1987, um Conselho de Ética para a saúde e a pesquisa médico biológica no homem; e na Austrália, em 1989, uma Comissão Nacional de Ética. Também pode-se referenciar: Chinese Academy of Socyal Sciences, Institute of Philosophy, Programs in Bioethics, na China; Instituto Borja de Bioética, na Espanha; Addid Ababa University, Faculty of Medicine Research and Publicatio Committee, na Etiópia; Consejo de Salubridad General, Comisión Nacional de Bioética, no México; Health Research Council of New Zealand, na Nova Zelândia; Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, em Portugal; Mercado Común del Sur, Ethics Committee Sub-Comisión de Ciencia y Tecnologia, no Uruguai e finalmente, no Brasil, a Associação Brasileira dos Docentes de Ética Médica, com sede em São Paulo.
Deve-se, contudo, salientar, que as primeiras regras de proteção à vida humana, em decorrência das transformações advindas da nova medicina, são provenientes da própria comunidade científica que, em julho de 1974, propôs uma moratória às experiências, a fim de investigar os riscos das manipulações genéticas. O homem da ciência acabava de adquirir o poder de modificar o patrimônio genético dos seres vivos e tomava ciência desse domínio, esforçando-se por medir o alcance de sua aplicação, fortificando as conseqüências felizes e limitando as conseqüências perigosas (BERNARD, 1990). Em fevereiro de 1975, um grupo de aproximadamente 200 dos mais eminentes biólogos moleculares do globo terrestre foram convocados para uma reunião no balneário de Asilomar, na costa do Pacífico, para discutir essas questões. À época, concluíram-se por duas soluções: estabelecer o fim da moratória e publicar as condições de limitação à utilização das técnicas do ADN recombinante, aprovando-se certas normas mínimas de segurança (MULLER, 1995). Desta forma, por volta de 1976, surgiram as guide-lines, publicadas pelo National Institute of Health e, aos poucos, em quase todas as instituições similares, impondo regras de autolimitação para os biólogos. Estabeleciam que a regra da declaração das experiências seria sempre obrigatória, vedando-se conduzir qualquer experiência que apelasse para as recombinações in vitro, sem a referir a comissões de ética dependentes das autoridades ministeriais competentes e mesmo das instituições locais. Da mesma forma, as regras de confinamento mínimo, de natureza biológica, seriam controladas. Não seria permitido clonar qualquer tipo de gene, principalmente se este fosse suspeito de dirigir uma função que pudesse revelar-se essencial à propagação de um vírus ou que apresentasse uma atividade tóxica qualquer. A natureza dos vetores de transformação e, mais ainda, a da bactéria receptora, deveriam ser geneticamente definidas; não se poderiam transformar senão células susceptíveis de mutações tais que a sua propagação ecológica fosse tornada impossível. O confinamento seria também de natureza física conforme o grau dos fatores de risco atribuído a esta ou aquela experiência. Esta, para atender aos reclamos da seguridade, deveria ser conduzida em recintos isolados, apresentando características de confinamento proporcionais ao risco suposto (GROS, 1991).
3 Se a bioética surgiu com o intuito de sanar as preocupações éticas dos próprios cientistas, impulsionada pelas considerações éticas suscitadas pela nova medicina, estendendo seu alcance à própria biologia e à relação de reciprocidade dos seres vivos, numa visão que abarca o futuro, a necessidade de um biodireito surge no mundo atual num contexto onde as pesquisas biológicas e as aplicações da engenharia genética exigem o estabelecimento de novos direitos। Atualmente, há uma preocupação com a sobrevivência do Homem e com o equilíbrio natural do planeta Terra e, se a bioética é o resultado da pergunta que o Homem faz a si mesmo sobre as suas origens e sobre o seu futuro, num discurso que transcende o âmbito da ciência, ao biodireito cabe ouvi-la em suas delimitações que indicarão o exercício da liberdade do Homem diante de suas próprias atitudes e aceitações.
Por mais excêntrico que possa parecer à justiça centrada no conceito ortodoxo de igualdade, uma observação insistente faz descobrir, nos dias atuais, uma sociedade em que a igualdade se faz calcada nas desigualdades e nessas desigualdades a fonte da cultura e do desenvolvimento de valores universais.
A responsabilidade frente às recentes transformações impostas pela ciência é medida pelo desenrolar cultural de cada povo. Não se pode exigir de todos uma visão uniforme, pois os valores morais diferem. O que, entretanto, permanece único, é o valor essencial da vida, solicitando a proteção da consciência humana. A celeridade das experiências científicas tornam-se cada vez mais incontroláveis, dando origem a um repensar da ética, que extravasa os antigos espaços, unindo-se definitivamente ao Direito, numa atribuição de deveres decorrentes não somente dos fatos sob sua guarda, como também alcançando aqueles que fogem ao controle dos seus domínios. Desta forma, o anseio contido no apelo ao biodireito é, antes de mais nada, uma devoção à Justiça, que se põe a favor do homem e da sociedade em si mesma, pois neste marco pelo qual passa a Humanidade, onde a solidariedade, paz social e bem-comum se harmonizam, exige-se um pensamento crítico e preocupado com uma redistribuição justa da responsabilidade que se deve ter em relação à vida humana.
4 A dimensão social da bioética é proveniente de uma natureza transdiciplinar e pluralista, já que está aberta à participação do público e às políticas nacionais em prol de uma harmonização internacional (HOTTOIS, PARIZEAU, 1993). Isso dificulta a concretização de um biodireito, que por ser norma deve indicar situações predeterminadas, difíceis de serem reguladas, pois envolvem a natureza e a essência humanas. Diante da dificuldade de estabelecer uma só moral, vê-se como necessária uma regulamentação que obedeça ao critério de uma ética de mínimos, com o estabelecimento de cláusulas gerais a serem aplicadas ao caso concreto, opondo-se à cristalização do direito positivo, que para ser válido necessita de constante rejuvenescimento. A elaboração de uma ordem jurídica que tutele as relações sociais emergentes, deverá levar em conta os princípios que norteiam a bioética (ENGELHART, 1996), pois serão esses os fundamentos para a explicação que o Estado deverá dar ao estabelecer as regras dos mínimos a serem seguidas.
5 O biodireito vem a ser o conjunto de regras de respeito ao corpo humano, com relação à doação e recepção de embriões, à utilização de produtos do corpo humano, ao acesso igualitário à terapia genética, à procriação e ao diagnóstico pré-natal, ao uso dos dados confidenciais com fins de investigação na área de saúde, ao direito personalíssimo do indivíduo de conhecer suas origens, entre outras. Precisamente, porque o biodireito é um ramo da doutrina, da legislação e da jurisprudência, ainda in fieri, o juiz ocupa um lugar de destaque.
6 Exige, portanto, o biodireito, na execução das novas leis, que se desvencilhem os magistrados dos tradicionais ditames que se prendem, unicamente, ao poder imperativo da racionalidade e da experiência, acrescentando-se a esses domínios, as condições sociais, econômicas, éticas e morais que envolvem as relações fáticas. Contudo, reconhece-se que, uma nova atitude enraizada na evolução do pensamento humano, com fins à dignidade da vida, somente poderá evoluir num Estado onde exista uma Constituição democrática que possa legitimar a Ética e o Direito, ao indicar a escrita de leis espaldadas na concordância da maioria.
7 No Direito Brasileiro, a vida encontra proteção no art. 4º do Código Civil, que preceitua: "a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro." Também o art. 5º da Constituição Federal de 1988 garante a inviolabilidade do direito à vida, mas - além do direito à vida - despontam atualmente novos direitos, alguns deles, já abordados, pela Jurisprudência, tais o direito de escolher o próprio momento da morte (referido como o direito moral de morrer); o direito de preferir a morte a receber transfusão de sangue, por motivo de convicção religiosa (caso das Testemunhas de Jeová); o direito de escolher, num laboratório, as características físicas de seu filho; o direito de não ter o filho naquele momento ou situação; o direito de não nascer com defeito genético; o direito a mudar de sexo; o direito de ter filhos geneticamente iguais. Entre diversas situações, despontam inseguridade e intimidação, por não existirem normas jurídicas que disciplinem esses direitos. Daí a necessidade premente da formulação de um biodireito.
LEIS DE RESPEITO AO CORPO HUMANO
Âmbito internacional:
PRESIDENT’S COMMISSION FOR THE STUDY OF ETHICAL PROBLEMS IN MEDICINE AND BIOMEDICAL AND BEHAVIORAL RESEARCH. Splicing life: a report on the social and ethical issues of genetic engineering with human beings. Washington: US Govemment Priting Office, 1982.
WORLD MEDICAL ASSOCIATION. Veneza. Itália, 1983. (Declaração de Veneza sobre Doença Terminal).
EUROPEAN MEDICAL RESEARCH COUNCILS. Gene therapy in man: recommendations of European Medical Research Councils. Lancet, 1988; 1:1271-2.
FOUNDATION BANCO BILBOA VIZCAYA. Human Genome Project:ethics. In: Second Worksshop on International Co-operation for the Human Genome Project. Madrid: Foundation BBV, 1992.
GENETICS ETHICS AND HUMAN VALUES: human fenome mapping, genetic screening and therapy। Twenty Four Round Table Conference of the Council for International Organization of Medical Sciences (CIOMS); 1990 Jul. 22-27; Tokyo, Inuyana City. Geneva: CIOMS, 1991.
COMITÉ CONSULTATIF NATIONAL D’ÉTHIQUE POUR LES SCIENCES DE LA VIE ET DE LA SANTÉ. Avis sur la thérapie génique. Hum Gene Ther 1991; 2(4):329.
COMITATO NAZIONALE PER LA BIOETICA. Terapia genica. Roma: Presidenza del Consiglio dei Ministri, Dipartimento per l’Informazione e l’Editoria, 1991.
COMMITEE ON THE ETHICS OF GENE THERAPY. Report of committee on the ethics of gene therapy. Hum Gene Ther 1992; 3(5):519-23.
WORLD MEDICAL ASSOCIATION. Declaration on the human genome project. Forty Four World Medical Assembly, Marbella, Spain, September 1992. Bull Med Eth 1993; 87:9-10.
UNESCO. International Bioethics Committee Declaration on the protection of the human genome. 1995 mar. 7, sep. 30.
NUFFIELD COUNCIL ON BIOETHICS. Genetics screening ethical issues. London: Nuffield, 1993.
BILBAO DECLARATION. International Workshop on Human Genome Project, 1993, May 24-26. Bilbao, Inter. J. Bioeth., 1994; 5(4):317-9.
FRANCE. Loi n. 94.653, du 29 juillet 1994. Relative au respect du corps humain. Journal Officiel de La Republique Française 1994; 30:11056-68.
UNESCO. Revised outline of a declaration on the human genome and its protection in relation to human dignity and human rights. C.I.B. 25 september 1995. Eubios Journal of Asian and International Bioethics 1995; 5:150-1.
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Âmbito nacional:
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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.358. Aprova normas éticas regulamentadoras...
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996. Aprova normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Diário Oficial da União, 1996 out. 16:21082.5.
REFERÊNCIAS
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ENGELHART, H. Tristam. The foundations of bioethics. 2. ed. New York: Oxford University, 1996, p. 102-131.
GROS, François. Os segredos do gene. Tradução Ana Sampaio. Lisboa: Dom Quixote, 1991, p. 164-165.
HOTTOIS, Gilbert, PARIZEAU, Marie-Héléne. Les mots de la bioéthique: un vocabulaire encyclopédique. Bruxelles: De Boeck Université, 1993.
MÜLLER, Luis Díaz. Biotecnología y derecho: del modelo industrializador al modelo tripolar de la modernidad. Cuadernos de Salud y Derechos Humanos: Instituto de Investigaciones Jurídicas, IIJ-UNAM, México, Cuaderno 1, 1995.
O ineditismo deste texto foi comentado em:
http://biodireito.wordpress.com/2008/09/15/biodireito-verbete
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