Xenotransplantes
ATENÇÃO: texto foi escrito em 1997
Xenotransplante é a denominação dada aos procedimentos que utilizam órgãos ou tecidos de outras espécies animais para substituir os de um ser humano. Cita-se por exemplo o transplante do coração de um porco ou macaco para o homem.
A escassez de órgãos humanos, gera a morte de 60% dos pacientes que aguardam um transplante na lista de espera. Sendo possível utilizar órgãos de outras espécies, muitas vidas poderiam ser salvas. Para os cientistas que trabalham com células-tronco humanas, transplantá-las para um modelo animal é passo fundamental antes de iniciarem ensaios clínicos. Por outro lado, inúmeros problemas colocam-se, de caráter clínico, ético e legal.
Problemas clínicos surgiram: o fato dos doentes que receberam xenotransplantes terem morrido num curto espaço de tempo; a dificuldade encontrada com a rejeição, que a medicina promete desvendar; a transmissão e surgimento de novas de doenças; o ciclo de vida mais curto dos animais. Tudo isto impede a viabilidade da técnica.
Eticamente o procedimento é polêmico. Pergunta-se até que ponto é legítimo ao homem utilizar animais em benefício próprio. De um lado defende-se a não utilização de animais levando em consideração que qualquer animal, racional ou não, tem o direito de viver livre de dor e/ou sofrimento e de seguir seu próprio interesse. Do outro lado, encontram-se os defensores da utilização dos animais, tendo em vista que se os seres humanos matam os animais para comê-los e utilizam outros produtos dos mesmos em benefício próprio, as novas intervenções não acarretariam implicações éticas.
Em realidade, a literatura médica desvenda que experimentos deste tipo já são feitos há bastante tempo com animais de laboratório. Em 1906, Jaboulay tentou realizar dois xenotransplantes renais, de um porco e de uma cabra, para pacientes com insuficiência renal crônica. Em 1909, Unger tentou transplantar rim de macaco em um homem (LIMA; MAGALHÃES; NAKAMAE, 1997, p. 6). A partir de 1960 houve transplantes de órgãos de primatas (chimpanzés, babuínos, símios) em seres humanos, mas todos falharam (SILVEIRA, 1993, p. 3). O objetivo das pesquisas é a obtenção de órgãos de animais que possam ser transplantados em seres humanos.
Em 26 de outubro de 1984, foi grande a repercussão do caso Baby Fae. O cardiologista americano Leonard Bailey implantou o coração de um macaco babuíno no tórax de uma menina recém-nascida, no Loma Linda University Medical Center, nos Estados Unidos. Os cientistas sabiam que o coração transplantado não poderia ajudá-la mais que alguns poucos dias. A pequena paciente viveu apenas vinte e um dias, morrendo em 15 de novembro, quando seus kidneys falharam e seu coração parou de bater. Apesar de não ter sido o primeiro xenotransplante realizado em seres humanos desencadeou a discussão de inúmeras questões éticas. A utilização de um bebê em um experimento não terapêutico foi a primeira delas. Vários autores discutiram a validade de sacrificar um babuíno sem que o resultado, já previsto, justificasse o ato. Com relação ao consentimento informado, dado pelos pais do bebê, chegou a haver uma investigação por um comitê do National Institutes of Health (NIH) sobre a validade do mesmo. Outro ponto muito discutido foi o da ampla divulgação na imprensa leiga e a possível quebra de privacidade que ocorreu (BAILEY, L. L., NEHLSEN, C., SANDRA L., CONCEPCION, W., JOLLEY, W. B., 1985, p. 3321-3329).
No dia 18 de julho de 1995, um comitê técnico da Administração de Remédios e Alimentos dos Estados Unidos (FDA) deu parecer favorável, na véspera, à realização do transplante da medula óssea de um babuíno para um paciente com AIDS. A autorização foi pedida pela Universidade de Pittsburgh, pioneira em xenotransplantes. Os médicos de Pittsburgh esperam que o transplante ajude a aumentar as defesas naturais de Jeff Getty, que se ofereceu como voluntário para a operação, extremamente arriscada. O babuíno foi escolhido porque a espécie, aparentemente, é imune ao vírus HIV. A medula óssea produz células de defesa, principais alvos do vírus HIV, causador da AIDS. Além da rejeição ao órgão transplantado, Getty teria que enfrentar ainda o perigo de contrair uma doença de macaco. O objetivo é que a nova medula produza mais células para lutar contra o vírus. Até a data em que foram escritas estas linhas o paciente permanece vivo (HOMEM..., 1996, p. 42).
A engenharia genética, não obstante suas conquistas, seus avanços e seu apuro na tecnologia de vanguarda, insere no mundo jurídico questões que apelam por regulamentação, com a finalidade de impor limites ao consentimento do indivíduo que anseia pela cura e à atividade médica movida pela inquietação que sugere a experimentação humana.
REFERÊNCIAS
BAILEY, L. L., NEHLSEN, C., SANDRA L., CONCEPCION, W., JOLLEY, W. B. Baboon-to-human cardiac xenotransplantation in a neonate. JAMA, v. 254, n. 23, p. 3321-3329, 1985.
HOMEM com medula de balbuíno recebe alta. O Globo, Rio de Janeiro, 5 jan. 1996. O Mundo/Ciência e Vida, p. 25.
HOMEM com a medula de um macaco intriga pesquisadores. O Globo, Rio de Janeiro, 18 dez. 1996. O Mundo/Ciência e Vida, p. 42.
KUSHNER, T. K., BELLIOTTI, R. Baby Fae: a beastly business. Journal of Medical Ethics, v. 11, n. 4, p. 178-183, 1985.
LIMA, Elenice Dias Ribeiro de Paula; MAGALHÃES, Myrian Biaso Bacha; NAKAMAE, Djair Daniel. Aspectos ético-legais da retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 5, n. 4, p. 5-12, out. 1997.
SILVEIRA, Ismar Chaves da. Porco transgênico. JBM, Rio de Janeiro, v. 65, n. 5/6, p. 3, nov./dez. 1993.