RECONHECIMENTO DE FIRMA EM DOCUMENTOS PARTICULARES

O art. 221 do Código Civil de 2002, ao tratar dos requisitos para validade dos instrumentos particulares, não faz qualquer alusão à exigência de reconhecimento da firma dos que participaram do ato, ao contrário do art. 221, II, da Lei de Registros Públicos, ao tratar dos escritos particulares levados a registro, nos quais se exige que as firmas das partes sejam reconhecidas.

Para o exame da matéria, que se refere a uma antinomia aparente de normas, há que se considerar que um dos critérios de interpretação jurídica é o da especialidade. Segundo tal critério, a norma específica prevalece sobre a de natureza geral, considerando-se aquela como “a que acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta.” (cf. MARIA HELENA DINIZ, in Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, p. 74).

A esse respeito, a mesma autora comenta que “a norma geral só não se aplica ante a maior relevância jurídica dos elementos contidos na norma especial, que a tornam mais suscetível de atendibilidade do que a norma geral...”. Além disso, a norma geral nova não revoga a norma específica anterior, a menos que disponha expressamente sobre a mesma ou promova revogação explícita.

A norma contida no art. 221 do Código Civil é de natureza geral, aplicando-se aos instrumentos particulares não regulados por lei específica. Tal norma não trouxe qualquer nova disciplina quanto ao registro imobiliário de instrumentos particulares, que permanece regido pelo art. 221, II, da lei registrária, a qual exige maior especificidade para atender ao princípio da segurança jurídica que deve reger os registros públicos.

A norma geral não pode, dessa forma, revogar a norma específica, que é o art. 221, II, da Lei nº 6.015/73, o que significa que a exigência de reconhecimento de firma das partes em instrumentos particulares continua em plena vigência, no que tange aos instrumentos particulares acessíveis ao registro predial.

Nesse sentido decidiu a 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, no âmbito do Processo nº 583.00.2006.195599-7, julgado em 10/11/2006 e publicado no D.O.E. de 29/11/2006, a respeito da obrigatoriedade do reconhecimento de firma em escrito particular levado a registro:

"Doação. Título judicial – qualificação. Compromisso de compra e venda – registro anterior. Continuidade. Título judicial – qualificação registral. Instrumento particular – reconhecimento de firma.

EMENTA NÃO OFICIAL: 1. Os títulos judiciais também devem submeter-se à qualificação registral. 2. O exame de legalidade promove a apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental. 3. Os instrumentos particulares devem ter o reconhecimento de firma, conforme exigência da LRP. 4. O compromisso de compra e venda firmado anteriormente pelos doadores não obteve ingresso ao Fólio Real, impedindo o atual registro da carta de sentença, em respeito ao princípio da continuidade. Dúvida procedente."

A eminente juíza prolatora do decisum acima citado fundamenta aludida assertiva contida na ementa nos seguintes termos:

"A necessidade de reconhecimento de firmas em instrumento particular, de outra parte, decorre do art. 221, inc. II, da Lei 6.015/73 e assim tem decidido o Conselho Superior da Magistratura em inúmeros julgados (cf. Ap. Cíveis 1.919, 3.257, 6.779, 8.291, 8.504, 11.151, 12.045, 18.924). Com efeito, o art. 221, inciso II da Lei 6.015/73 dispõe que somente são admitidos a registro “escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e testemunhas, com as firmas reconhecidas, dispensado o reconhecimento quando se tratar de atos praticados por entidades vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação. Tal exigência visa, em última análise, garantir a segurança, a autenticidade e eficácia dos atos e negócios jurídicos, princípios que norteiam toda a atividade Registral e que não poderiam ser desconsiderados pelo Oficial Registrador. "

Portanto, a exigência de reconhecimento de firma nos documentos particulares levados ao registro de imóveis permanece válida, consoante dispõe o art. 221, II, da Lei de Registros Públicos, não tendo sido revogada pelo art. 221 do Código Civil.

Obras do Autor:

- A responsabilidade civil dos registradores de imóveis e o Código de Defesa do Consumidor, editada pelo ClubedeAutores.com.br

- A promessa de compra e venda no Código Civil de 2002, editada pelo ClubedeAutores.com.br

- REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS - Questões de concurso comentadas, editada pelo ClubedeAutores.com.br