LEGISLAÇÃO MATERIAL E PROCESSUAL APLICÁVEL AOS PREFEITOS E EX-PREFEITOS

O presente estudo versa sobre a legislação material e processual aplicável aos prefeitos e a vigência do Decreto-Lei nº 201/67.

Aludido decreto-lei foi editado em 1967, contendo normas de natureza material e processual, aplicáveis aos prefeitos.

No que tange às normas de direito material, indiscutível é a plena vigência do Decreto-Lei nº 201/67 e a sua recepção pela Constituição Federal de 1988, consoante decidiu o Supremo Tribunal Federal:

"EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL CONTRA PREFEITO MUNICIPAL: DECRETO-LEI Nº 201/67: RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. PRESCRIÇÃO. PRAZOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO TRIBUNAL DE CONTAS. PROVAS. "HABEAS CORPUS". 1. A competência para o julgamento criminal de ex-Prefeito, por fatos ocorridos durante o exercício do mandato, é do Tribunal de Justiça do Estado, como prescreve o inciso X do art. 29 da Constituição Federal, revogado, assim, nesse ponto, o art. 2 do Decreto-Lei nº 201/67, que atribuía competência ao Juízo singular. (...) 3. Embora a Constituição de 1988 não inclua o "Decreto-Lei" como forma de processo legislativo, nem por isso revogou o Decreto- Lei nº 201, de 27.02.1967, que regula a responsabilidade penal dos Prefeitos e Vereadores. ... (HC 74675 / PA, Relator: Min. SYDNEY SANCHES, DJ 04/04/1997)"

O art. 1º do referido decreto-lei traz rol de crimes denominados de responsabilidade, os quais são julgados pelo Poder Judiciário, independentemente de pronunciamento da Câmara de Vereadores, de acordo com as normas do Código de Processo Penal, com as alterações previstas na legislação específica. A este rol, a Lei nº 10.028/2000 acrescentou novos tipos penais, referentes às finanças municipais.

Por outro lado, o art. 4º do Decreto-Lei nº 201/67 traz relação de infrações político-administrativas, sujeitas a julgamento pela Câmara de Vereadores e puníveis com a perda de mandato. Essas infrações são conhecidas na doutrina como crimes de responsabilidade, embora essa nomenclatura não tenha sido adotada pelo Decreto-Lei nº 201/67, que assim denominou as condutas do art. 1º, as quais, na verdade, constituem crimes comuns julgados pelo Poder Judiciário.

Quanto às normas processuais aplicáveis aos prefeitos, a matéria merece uma análise mais profunda.

O art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67 assim determina:

"Art. 2º O processo dos crimes definidos no artigo anterior é o comum do juízo singular, estabelecido pelo Código de Processo Penal, com as seguintes modificações:

I - Antes de receber a denúncia, o Juiz ordenará a notificação do acusado para apresentar defesa prévia, no prazo de cinco dias. Se o acusado não for encontrado para a notificação, ser-lhe-á nomeado defensor, a quem caberá apresentar a defesa, dentro no mesmo prazo.

II - Ao receber a denúncia, o Juiz manifestar-se-á, obrigatória e motivadamente, sobre a prisão preventiva do acusado, nos casos dos itens I e II do artigo anterior, e sobre o seu afastamento do exercício do cargo durante a instrução criminal, em todos os casos.

III - Do despacho, concessivo ou denegatório, de prisão preventiva, ou de afastamento do cargo do acusado, caberá recurso, em sentido estrito, para o Tribunal competente, no prazo de cinco dias, em autos apartados. O recurso do despacho que decreta a prisão preventiva ou o afastamento do cargo terá efeito suspensivo.

§ 1º Os órgãos federais, estaduais ou municipais, interessados na apuração da responsabilidade do Prefeito, podem requerer a abertura do inquérito policial ou a instauração da ação penal pelo Ministério Público, bem como intervir, em qualquer fase do processo, como assistente da acusação.

§ 2º Se as previdências para a abertura do inquérito policial ou instauração da ação penal não forem atendidas pela autoridade policial ou pelo Ministério Público estadual, poderão ser requeridas ao Procurador-Geral da República."

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, considerou-se superado o aludido dispositivo, tendo em vista que o art. 29, X, da Carta Magna concedeu foro privilegiado aos prefeitos, determinando que o seu julgamento se processasse perante o Tribunal de Justiça e não mais perante o juízo singular, consoante o mencionado dispositivo do decreto-lei.

Dessa forma, a persecução penal do prefeito perante o juízo monocrático passou a ser considerada constrangimento ilegal, o qual poderia ser coibido mediante ação de habeas corpus, de modo a levar diretamente o processo à segunda instância.

Em 1990, foi editada a Lei nº 8.038, que trouxe normas aplicáveis ao processo penal de competência originária dos tribunais superiores, em seus arts. 1º a 12. Por meio da Lei nº 8.658/93, a aplicação da Lei nº 8.038/90 foi estendida às ações penais de competência originária dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, e dos Tribunais Regionais Federais.

Portanto, a partir de 1993, as normas processuais aplicáveis aos prefeitos são as contidas nos arts. 1º a 12 da Lei nº 8.038/90, sendo o processamento realizado perante o Tribunal de Justiça, conforme mandamento constitucional.

Em relação aos ex-prefeitos, porém, faz-se necessário evidenciar as alterações recentes na jurisprudência e na legislação. Cabe ressaltar, inicialmente, a possibilidade de processar e julgar ex-prefeitos, como já decidiu o STF:

"EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL CONTRA EX-PREFEITO MUNICIPAL. LEGITIMIDADE ATIVA. CRIME DO ART. 1º, INC. I, DO DECRETO-LEI Nº 201, DE 27.02.1967. COMPETÊNCIA: ART. 29, INC. X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA: ATO DE RELATOR. TIPICIDADE. CLASSIFICAÇÃO DO DELITO. PENA. FIXAÇÃO. NULIDADES. "HABEAS CORPUS". 1. Havendo sido a denúncia apresentada por Promotor de Justiça, perante Juízo de 1º grau, antes do advento da Constituição de 1988, e posteriormente ratificada pelo Procurador-Geral da Justiça, junto ao Tribunal de Justiça, ficou atendida a condição para a ação penal, consistente na legitimidade ativa. (...) 4. A extinção do mandato do Prefeito, segundo a jurisprudência mais recente do S.T.F., não é obstáculo à propositura de ação penal, por crime previsto no art. 201/67. (...) (HC 72298 / SP, Relator: Min. SYDNEY SANCHES, DJ 06/09/1996)."

A esse respeito, vigorava a Súmula nº 394 do Supremo Tribunal Federal, que declarava que “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”. Mantinha-se, portanto, a prerrogativa de foro para o processo e julgamento do ex-prefeito.

Tal súmula, contudo, foi cancelada pelo Pretório excelso, quando do julgamento do Inquérito 687-SP, conforme decisão publicada no DJ de 09/11/2001, determinando-se que o processo contra ex-ocupante de cargo público eletivo deveria baixar ao juízo monocrático competente ao final do mandato, ou ser inteiramente processado neste juízo quando iniciado após o término do referido mandato.

Reconheceu o STF, naquela oportunidade, que o objetivo precípuo da Carta Magna, ao estabelecer a prerrogativa de foro ao prefeito, é a de proteger o mandato e não a pessoa que o exercita, não se justificando a manutenção de tal proteção após a extinção do mesmo.

Visando alterar esse panorama e conceder novamente a prerrogativa de foro aos ex-ocupantes de cargos públicos, entre eles os ex-prefeitos, foi aprovada a Lei nº 10.628/02, que, entre outras providências, acrescentou o §1º ao art. 84 do Código de Processo Penal, para determinar que “a competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.”

Todavia, aludido diploma legal foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI nº 2797, sob o argumento de que não cabe à legislação ordinária dar novas competências ao Supremo Tribunal Federal, o que ocorreria na vigência do diploma legal questionado.

Dessa forma, restabeleceu-se a situação anteriormente existente, devendo os ex-prefeitos serem processados e julgados por crimes cometidos durante o exercício do mandato pelo juízo singular, sendo-lhe garantido o direito ao duplo grau de jurisdição.

Considerando-se o panorama acima descrito, destaca-se que o art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67 não foi revogado expressamente em nenhum momento.

Em relação aos prefeitos, durante o exercício do mandato, torna-se impossível a aplicação das normas processuais do Decreto-Lei nº 201/67, em face da prerrogativa de foro concedida pela Constituição.

A legislação processual aplicável aos mesmos, portanto, é a Lei nº 8.038/90, por força da Lei nº 8.658/93.

Com relação aos ex-prefeitos, por um breve momento, considerou-se, igualmente, não recepcionada a norma contida no art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67. Porém, essa não recepção do referido dispositivo decorreu de uma interpretação constitucional que não mais prospera, de forma que o art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67 se torna perfeitamente aplicável quando do processamento de ex-ocupantes do cargo de prefeito, uma vez que estes não mais ostentam a prerrogativa de foro, não se lhes aplicando, por conseguinte, a Lei nº 8.038/90.

Ainda que se considerasse tal norma revogada com o advento da Lei nº 10.628/02, a declaração de inconstitucionalidade da mesma pela Corte Suprema ocasionaria a repristinação da norma revogada, como ressalta Alexandre de Moraes (in Direito Constitucional, 2002:626):

"(...) Além disso, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma acarreta a repristinação da norma anterior que por ela havia sido revogada, uma vez que norma inconstitucional é norma nula, não subsistindo nenhum de seus efeitos."

Portanto, as prescrições contidas no art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67 estão vigentes e são plenamente aplicáveis aos ex-ocupantes de cargos de prefeito municipal, uma vez que os mesmos não possuem prerrogativa de foro para processo e julgamento. Já para os prefeitos, durante o exercício do mandato, aplicar-se-ão as normas processuais contidas nos arts. 1º a 12 da Lei nº 8.038/90, que disciplina o processo no âmbito dos tribunais.