A POESIA PÓS-MODERNA



Segundo Leyla Perrone, as características da poesia pós-moderna são a descontrução da linguagem, o niilismo, e a descontextualização. O conjunto de tudo isto significaria revolução, corte, ruptura, refletindo na poesia um mundo em caos.

Para entender isso, é preciso primeiramente repensar o que é CAOS. Caos, em seu sentido mais elevado, é a matéria que ainda não se ordenou segundo um determinado princípio ou conjunto de leis. "No princípio era o caos". Agora, o caos causado pela imbecilidade humana é outro tipo de caos: é apenas confusão.

A desconstrução linguística, a descontextualização, pode tanto ser um quanto o outro - conforme a grandeza ou mesquinhez do artista. Aqui, outra vez, vê-se a importância do criador. A obra é sempre uma reflexão do espírito que a cria: se o espírito é mesquinho, a obra é mesquinha; se o espírito é grandioso, a obra será grandiosa.

O niilismo, por sua vez, já é algo completamente diferente: é a redução de tudo a nada, a descrença absoluta. Portanto, nada e caos não se confundem. Por sinal, ver a falta de razão de ser nas coisas, a falta de lógica nos acontecimentos, é algo que tem sido explorado pela arte desde tempos imemoriais.

A obra de arte que surge do princípio niilista não deve ser confundida com a obra que sai do princípio da confusão. Uma vê o desespero do nada, e transmite essa visão ao leitor. A outra se diverte ou padece no caos, seja ele qual for, e transmite isto ao ao leitor.

A poesia pós-modernista, entretanto, não tem nada a ver com qualquer um dos dois. Ela não está falando do nada, muito menos do caos. Ela pretende SER um nada, apresentado caoticamente. Ou seja, é uma massa caótica de palavras rebuscadas, muitas vezes absolutamente ininteligível, em um texto sem conteúdo algum. Quer dizer, retira-se todo e qualquer conteúdo de um texto, ao mesmo tempo em que se o transforma em uma massa informe de palavras lançadas a esmo. Em outras palavras, a poesia pós-moderna fala caoticamente de coisa alguma.

Ora, toda arte faz sentido e tem uma razão de ser. Na época em que surgiram, tanto o dadaísmo quanto o concretismo tinham razão de ser: ambos apareceram em um mundo pós-guerra, onde apenas a falta de sentido fazia sentido nas chagas da humanidade.

A poesia sem nexo que vemos agora, entretanto, salvo algumas honrosas exceções, não parece sair da angústia da alma do artista perante um mundo destruído, mas de uma dolorosa incapacidade de criar. Na verdade, o assim-chamado concretismo pós-moderno fica aquém tanto do niilismo quanto da filosofia do caos. Ele me parece ser uma tentativa de assassinar a poesia.

Arte não é algo puramente cerebral. Ciência é cerebral. A Arte sai do mais íntimo do homem. Agora, muitas dessas inovações da poesia de hoje não passam de golpes publicitários. Como algumas esculturas que andam por aí recebendo prêmios e louvores, apresentando uma porção de garrafas amarradas a uma corda e pregadas em um pedaço de madeira. Ora, ISSO NAO É ARTE. Nem toda criatividade é arte, ou assassinos que matam com originalidade seriam artistas.

Na arte TUDO é importante - desde o que sai do autor, até o que ele utiliza para se expressar. Alguém que faz uma escultura em cocô pode parecer original, mas não é artista.

A arte é aquela parte de nós que é DIVINA, que espelha o Criador. Ela pode até ser feia, mas possui a característica única da verdadeira criação: ela INSPIRA. A criação procria. E não procria através da imitação, mas sim fazendo com que alguém mais se sinta movido a criar algo. E esse algo será, por necessidade, completamente diferente do que o originou. Uma pintura se inspirando em um por-de-sol, ou em uma música. Uma música se inspirando em um poema, em uma mulher, em um homem. Um poema se inspirando em um quadro, uma foto, um gesto. Um edifício inspirado no amor (o Taj Mahal), ou nas confluências esotéricas (Brasilia). Uma escultura inspirada em um corpo, uma forma, uma música.

Criar é justamente isto: utilizar-se da matéria e transformá-la de forma tal, que ela venha a inspirar outros a se mover e criar. Não devemos nos esquecer, entretanto, que destruir também inspira outros a destruir - e por isso se parece tanto com a criação. A diferença está em que um faz com que um pouco do Infinito surja naquele que é tocado pela obra de arte - o outro faz com que algo inútil e destrutivo tome conta da mente de outrem, para que ele continue a cadeia de destruição.

Outra coisa que se deve ter em mente é que, segundo as religiões judaico-cristãs, o Universo foi criado ATRAVÉS DA PALAVRA, do Verbo, a qual viria a ser o próprio Criador. Assim, Ele se teria constringido, formando um vácuo em Si mesmo, e nesse vácuo criou a Palavra, o Verbo, o Conceito de si mesmo: EU SOU. E desse Conceito adviria todo o Universo.

Ora, é esta mesma matéria que formou o Universo, a palavra, que o poeta utiliza para fazer sua arte. Contudo, é preciso cuidado para que não se confunda a MATÉRIA da arte com o OBJETO, O ASSUNTO, da mesma.

Pode-se revestir de arte qualquer assunto, qualquer objeto. Se você faz uma linda escultura com corpos mortos, por exemplo, não importa o quão elaborada e perfeita venha a ser a escultura: ela ainda será um monte de corpos mortos. Se você faz uma pintura utilizando cocô, vai ser cocô não importa o quê, e a pintura vai cheirar mal.

Os corpos mortos ou o cocô não são o OBJETO (subject, em inglês) da obra. São a MATÉRIA dela. Em um poema, como já foi dito, a matéria é a palavra. Se você usa, ao invés de sentenças, um amontoado informe que ninguém entende, o texto não é arte, não importa que forma ou que objeto o seu texto tenha.

Foi-me trazido à atenção, enquanto escrevia isto, as fantasias e carros alegóricos do último carnaval, os quais foram confeccionados utilizando-se produtos recicláveis. Seriam eles arte?

Ora, o material, a matéria utilizada na fabriação dos carros e das fantasias, não foi lixo, mas sim produtos recicláveis, e os trabalhos, por sinal, ficaram muito bonitos. É preciso, aqui, que se defina o que vem a ser lixo.

Tudo o que está decadente, podre, o que fede, está se desintegrando, é lixo; o que é nojento, degradado e degradante; o que é emaranhado e confuso.

Palavras emaranhadas e confusas nao são arte. São um emaranhado confuso. Elas não transmitem nada, não mudam nada, não provocam sensação alguma. Ao mesmo tempo, veja, por exemplo, a música "Vai Tomar no..." Música bonita, voz bonita, boa orquestração... Mas não deixou de ser lixo, porque não diz nada, não produz nada a não ser mais raiva, mais revolta, mais vontade de mandar tudo tomar no. Pode-se rir no início, sim. É engraçado. Contudo, depois dos primeiros 30 segundos repetindo a mesma coisa, que é, afinal, uma maldição, ela começa a incomodar.

E por que seria isso? Porque a palavra não é ASSUNTO de uma obra de arte. A palavra constitui a MATÉRIA com a qual se faz a escrita. E palavras degradantes, ou confusas, sem nexo, que nada inspiram, palavras que apenas destroem - NÃO SÃO ARTE. São destruição, poluição, lixo.

Que possamos voltar aos textos coerentes! Que o poeta volte a ser um guia dos cegos, não um cego igual aos demais. O mundo desesperadamente precisa, agora mesmo, de quem lhe seja por olhos.


 
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 29/07/2007
Reeditado em 20/05/2016
Código do texto: T584805
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