Fichamento do texto “O entre - lugar do discurso latino-americano”, do livro Uma Literatura nos Trópicos, de Silviano Santiago.

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS

ACADÊMICO: WILDER SANTANA

Fichamento do texto “O entre - lugar do discurso latino-americano”, do livro Uma Literatura nos Trópicos, de Silviano Santiago.

→ Montaigne abre o Cap. XXXI dos Ensaios, capítulo em que nos fala dos canibais do Novo Mundo, com uma referência precisa à História grega. Esta a mesma referência servirá também para nos inscrever no contexto das discussões sobre o lugar que ocupa o discurso literário latino-americano no confronto com o europeu.

→ Pelo que diz Montaigne, é guardada em essência a marca do conflito eterno entre o civilizado e o bárbaro, entre o colonialista e o colonizado, entre Grécia e Roma, entre Roma e suas províncias, entre a Europa e o Novo Mundo...

→ No momento do combate, instante decisivo e revelador, naquele instante em que as duas forças contrárias e inimigas devem se perfilar uma diante da outra, arrancadas brutalmente de sua condição de desequilíbrio econômico, corporificadas sob a forma de presente e guerra, o rei Pirro descobre que os gregos subestimavam a arte militar dos estrangeiros, dos bárbaros, dos romanos.

→ O desequilíbrio instaurado pelos soldados gregos, anterior ao conflito armado e, entre os superiores, causa de orgulho e presunção, é antes de tudo propiciado pela defasagem econômica que governa as relações entre as duas nações. Mas no momento mesmo em que se abandona o domínio restrito do colonialismo econômico, compreendemos que muitas vezes é necessário inverter os valores dos grupos em oposição, e talvez questionar o próprio conceito de superioridade.

→ Segundo a citação extraída dos Ensaios, ali onde se esperava uma ordonnance de l'armée delineada segundo os preconceitos sobre os romances espalhados entre os gregos, encontra-se um exército bem organizado e que nada fica a dever ao dos povos civilizados.

→ Libertamo-nos de um arrancão do campo da quantidade e do colonialismo, visto que a admiração do rei Pirro revela um compromisso inabalável com o julgamento de qualidade que ela inaugura. Apesar das diferenças econômicas e sociais, os dois exércitos se apresentam em equilíbrio no campo de batalha.

→ Mesmo se não se apresentassem em equilíbrio, nunca é demais lembrar as circunstâncias inusitadas que cercam a morte do monarca grego. Esse acidente inespera do guarda, pela sua atualidade, um aviso seguro para as poderosas nações militares de hoje: Pirro, rei de Éfeso, "foi assassinado na tomada de Argos por uma velha senhora que lhe atirou uma telha na cabeça do alto de um telhado" - como nos informa deliciosamente o Petit Larousse.

→ A proposta aqui, então, é falar do espaço em que se articula hoje a admiração do rei Pirro e de um provável processo de inversão de valores.

→ Desde o século passado, os etnólogos, no desejo de desmistificar o discurso beneplácito dos historiadores, concordam em assinalar que a vitória do branco no Novo Mundo se deve menos a razões de caráter cultural, do que ao uso arbitrário da violência, do que à imposição brutal de uma ideologia, como atestaria a recorrência das palavras "escravo" e "animal" nos escritos dos portugueses e espanhóis.

→ Existem expressões que se configuram muito mais um ponto de vista dominador do que propriamente uma tradução do desejo de conhecer.

A Temática do Branco em relação ao Índio é retomada:

→ De acordo com Silviano Santiago (1936), quando retoma as palavras de Lévi-Strauss e as comenta,

→ A violência é sempre cometida pelos índios por razões de ordem religiosa. Diante dos brancos,que se dizem portadores da palavra de Deus, cada um profeta às suas próprias custas, a reação do indígena é de saber até que ponto as palavras dos europeus traduziam a verdade transparente.

E Silviano diz:

→ Pergunto-me agora se as experiências dos índios de Porto Rico não se justificariam pelo zelo religioso dos missionários. Estes, em sucessivos sermões, pregavam a imortalidade do verdadeiro Deus, da ressurreição de Cristo, - em seguida os índios tornavam-se sequiosos de contemplar o milagre bíblico, de provar o mistério religioso em todo seu esplendor de enigma.

→ A prova do poder de Deus deveria se produzir menos pela assimilação passiva da palavra cristã do que pela visão de um ato verdadeiramente milagroso.

→ Colocar junto não só a representação religiosa como a língua européia: tal era o trabalho a que se dedicava o esforço dos jesuítas e dos conquistadores a partir da segunda metade do século XVI no Brasil.

→ As representações teatrais, feitas no interior das tabas indígenas, comportam a mise-en-scène de um episódio do Flos Sanctorum e um diálogo escrito em português e em tupi-guarani, ou de uma maneira mais precisa, o texto em português e sua tradução em tupi-guarani. Aliás, são numerosas as testemunhas que insistem em assinalar o realismo dessas representações.

→ Um padre jesuíta, Cardim, nos diz que, diante do quadro vivo do martírio de São Sebastião, patrono da cidade do Rio de Janeiro, os espectadores não podiam esconder a emoção e as lágrimas. A doutrina religiosa e a língua européia contaminam o pensamento selvagem, apresentam no palco o corpo humano perfurado por flechas, corpo em tudo semelhante a outros corpos que, pela causa religiosa, encontravam morte paralela.

→Pouco apouco as representações teatrais propõem uma substituição definitiva e inexorável: de agora em diante na nova terra descoberta o código lingüístico e o código religioso se encontram intimamente ligados, graças à intransigência, à astúcia e à força dos brancos. Pela mesma moeda, os índios perdem sua língua e seu sistema do sagrado e recebem em troca o substituto europeu. Evitar o bilingüismo, significa evitar o pluralismo religioso e significa também impor o poder colonialista.

→ Pelo extermínio constante dos traços originais, pelo esquecimento da origem, o fenômeno de duplicação se estabelece como a única regra válida de civilização. É assim que vemos nascer por todos os lados essas cidades de nome europeu cuja única originalidade é o fato de trazerem antes do nome de origem o adjetivo "novo" ou "nova";

→ À medida que o tempo passa esse adjetivo pode guardar – e muitas vezes guarda - um significado diferente daquele que lhe empresta o dicionário: o novo significa bizarramente fora-de-moda.

→ O neocolonialismo, a nova máscara que aterroriza os países do Terceiro Mundo em pleno século XX, é o estabelecimento gradual num outro país de valores rejeitados pela metrópole, é a exportação de objetos fora de moda na sociedade neocolonialista, transformada hoje no centro da sociedade de consumo.

→ Atualmente, quando a palavra de ordem é dada pelos tecnocratas, o desequilíbrio é científico, pré-fabricado; a inferioridade é controlada pelas mãos que manipulam a generosidade e o poder, o poder e o preconceito.

Com relação às contribuições da América Latina:

→ A maior contribuição da América Latina para a cultura ocidental vem da destruição sistemática dos conceitos de unidade e de pureza estes dois conceitos perdem o contorno exato do seu significado, perdem seu peso esmagador, seu sinal de superioridade cultural, à medida que o trabalho de contaminação dos latino-americanos se afirma, se mostra mais e mais eficaz.

→ A América Latina institui seu lugar no mapa da civilização ocidental graças ao movimento de desvio da norma, ativo e destruidor, que transfigura os elementos feitos e imutáveis que os europeus exportavam para o Novo Mundo.

→ Em virtude do fato de que a América Latina não pode mais fechar suas portas à invasão estrangeira, não pode tampouco reencontrar sua condição de "paraíso", de isolamento e de inocência, constata-se com cinismo que, sem essa contribuição, seu produto seria mera cópia - silêncio -, uma cópia muitas vezes fora de moda, por causa desse retrocesso imperceptível no tempo, de que fala Lévi-Strauss.

→ Sua geografia deve ser uma geografia de assimilação e de agressividade, de aprendizagem e de reação, de falsa obediência. A passividade reduziria seu papel efetivo ao desaparecimento por analogia.

→ Guardando seu lugar na segunda fila, é no entanto preciso que assinale sua diferença, marque sua presença, uma presença muitas vezes de vanguarda. O silêncio seria a resposta desejada pelo imperialismo cultural, ou ainda o eco sonoro que apenas serve para apertar mais os laços do poder conquistador

→ O escritor latino-americano - visto que é necessário finalmente limitar nosso assunto de discussão - lança sobre a literatura o mesmo olhar malévolo e audacioso que encontramos em Roland Barthes na sua recente leitura-escritura de Sarrasine, este conto de Balzac incinerado por outras gerações.

→ Em S/Z , Barthes nos propõe como ponto de partida a divisão dos textos literários em textos legíveis e textos escrevíveis, levando em consideração o fato de que a Avaliação que se faz de um texto hoje esteja intimamente ligada a uma "prática e esta prática é a da escritura".

→ O texto legível é o que pode ser lido, mas não escrito, não reescrito, é o texto clássico por excelência, o que convida o leitor a permanecer no interior do seu fechamento.

→ O escritor latino-americano brinca com os signos de um outro escritor, de uma outra obra. As palavras do outro têm a particularidade de se apresentarem como objetos que fascinam seus olhos, seus dedos, e a escritura do texto segundo é em parte a história de uma experiência sensual com o signo estrangeiro.

→ Como o signo se apresenta muitas vezes numa língua estrangeira, o trabalho do escritor em lugar de ser comparado ao de uma tradução literal, se propõe antes como uma espécie de tradução global, de pastiche, de paródia, de digressão.

→ O signo estrangeiro se reflete no espelho do dicionário e na imaginação criadora do escritor latino-americano e se dissemina sobre a página branca com a graça e o dengue do movimento da mão que traça linhas e curvas. Durante o processo de tradução, o imaginário do escritor está sempre no palco...

→ O escritor latino-americano é o devorador de livros de que os contos de Borges nos falam com insistência. Lê o tempo todo e publica de vez em quando.

→ O conhecimento não chega nunca a enferrujar os delicados e secretos mecanismos da criação; pelo contrário, estimulam seu projeto criador, pois é o princípio organizador da produção do texto. Nesse sentido, a técnica de leitura e de produção dos escritores latino-americanos parece com a de Marx, de que nos falou recentemente Louis Althusser.

→ A literatura latino-americana de hoje nos propõe um texto e ao mesmo tempo abre o campo teórico onde é preciso se inspirar durante a elaboração do discurso crítico de que ela será o objeto.

→ O campo teórico contradiz os princípios de certa crítica universitária que só se interessa pela parte Invisível do texto, pelas dívidas contraídas pelo escritor, ao mesmo tempo que ele rejeita o discurso de uma crítica pseudo-marxista que prega uma prática primária do texto,observando que sua eficácia seria conseqüência de uma leitura fácil.

→ Estes teóricos esquecem que a eficácia de uma crítica não pode ser medida pela preguiça que ela inspira; pelo contrário, ela deve descondicionar o leitor, tornar impossível sua vida no interior da sociedade burguesa e de consumo.

→ A leitura fácil dá razão às forças neocolonialistas que insistem no fato de que o país se encontra na situação de colônia pela preguiça dos seus habitantes. O escritor latino-americano nos ensina que é preciso liberar a imagem de uma América Latina sorridente e feliz, o carnaval e a festa, colônia de férias para turismo cultural.

→ Entre o sacrifício e o jogo, entre a prisão e a transgressão, entre a submissão ao código e a agressão, entre a obediência e a rebelião, entre a assimilação e a expressão, - ali, nesse lugar aparentemente vazio, seu templo e seu lugar de clandestinidade, ali, se realiza o ritual antropófago da literatura latino-americana.

Wilder Kleber Fernandes de Santana

Graduado em Letras - Português (UFPB)

Missionário do 1º Templo Ebenézer da Paraíba

E-mail: wildersantana92@gmail.com

Blog: http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=57945

Wilder F Santana
Enviado por Wilder F Santana em 20/04/2014
Código do texto: T4775955
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.