LÍQUIDO

antes de ser gente eu era liquido

- assim se formou meu pensamento fluído

- assim se tornou meu amor volátil

- assim sou quase todo água,

por isso quando te vejo

meus olhos borbulham lágrimas

enternece-me-saber-te-excitada

observá-la molhada

daquilo que chamam de mel, de licor

e eu chamo de meu, o ardor

de sua liquidez

ora oclui ora descerra

eclusa de comportas abertas,

- de pernas abertas

se encharca do meu sexo

comporta meu rio em seu cio

em tua cachoeira lúbrica

meu arco-íris brinca,

- o céu goteja

- a pele transpira

- a saliva se lambe

consoante à cavidade oral

somos deglutidos e regurgitados,

nós suados somos menos sós

somos o sumo essencial da vida

libação que também honra mortais,

liquefeitos e refeitos neste gozo

saímos das alcoceifas e dos adros

líquidos e transparentes...

Antes que se mantenham indignados, ou surpresos, com a classificação deste texto, recorro à querida poetisa Regina, que também acha que poemas são inclassificáveis, ela queria ter a liberdade de colocá-los apenas em seu Baú de Besteirinhas, análogo ao Rubem Alves, que classificava sua crônicas como Caixa de Badulaques. Porém classificar o poema de teoria literária não é totalmente sem sentido, a arte é a única que dá sentido à vida, é justo então que o dê a si mesma.

Há sempre a imagem e o desejo de uma musa. Há sempre o prazer de escrever sobre o prazer. Há sempre muito o que se dizer das coisas que acontecem ou poderiam acontecer. Mas há também a poesia que o poeta escreve apenas por ser poeta, porque embora sensível, passional, estético, e à Língua que ele ama e a qual se entrega, se esfrega, se seduz...

Este poema nasceu filologicamente, excitação por uma definição encontrada no dicionário para a palavra líquido:

líquido |qui|

(latim liquidus, -a, -um, claro, límpido, líquido, puro, sincero)

adj.

8. [Fonética] Diz-se de consoante que é produzida com oclusão e abertura da cavidade oral, simultânea ou sucessivamente.

Consoante (conforme, segundo)... então, conforme o que é produzido com a oclusão e abertura da cavidade oral, simultânea e sucessivamente... ah, nada mais erótico que a língua, seja portuguesa, brasileira, humana...