Poesia - A Arte da Sutileza

₢ Dalva Agne Lynch


A poesia é (ou deveria ser), por excelência, a arte da sutileza. O poeta implanta no leitor as emoções que ele mesmo sente, ou quer retratar - e quanto mais sutil é este implante, maior é a poesia do texto. Assim, na poesia, utiliza-se de muitos recursos para se transmitir sensações ao leitor, sem que se precise explicitamente citar ou descrever  a sensação.

Quem já não sentiu o desespero existencial de "Tabacaria", de Álvaro de Campos, heterônimo existencial de Fernando Pessoa? No entanto, não há, em todo aquele longo poema, uma simples palavra a respeito de existencialismo. Você lê e sente. Você lê e sabe.

Esta é também a diferença entre o poema pornográfico e o poema sensual. Um texto pornográfico descreve minuciosamente um ato, de maneira explícita. Um texto sensual deixa-nos vislumbrar o ato, sentir toda a emoção, sem jamais descrevê-lo.

Um poema de amor pode ser simplório, afirmando simplesmente "eu amo essa pessoa", ou pode se estender por estrofes a fio, descrevendo em cores e formas e sons este mesmo amor:

"E tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meus pensamentos"
(Vinicius de Morais, Soneto da Fidelidade)

Um poema sobre a saudade pode dizer "eu sinto falta dela", ou pode tecer em palavras o sentimento:

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
(Pablo Neruda, Canção Desesperada)

Assim, o que diferencia o poeta do homem comum é sua capacidade de dizer o óbvio de maneira sutil. Quer dizer, expressar a poesia de algo em forma de poema. Poesia é um sentimento - poema é a obra de arte que dele advém.

Quando escrevi o poema Busca, um leitor comentou: "Mas o seu poema não tem pontuação! E aquela música, também... Olha, fiquei até ANGUSTIADO lendo." Aleluia - esse era o sentimento que eu queria expressar - angústia! Leia abaixo, e diga-me o que você sentiu:

Busca
(do livro "Nos Jardins Sagrados", Canto III)

© Dalva Agne Lynch

A voz da razão me disse - Não busque!
mas não a posso escutar.
Caminho a esmo
sozinha
entre quadros e relíquias antigas
entre fileiras de livros novos
livros empoeirados
na ruas
no parques
nas salas de chat
no barulho ensurdecedor de uma discoteca
onde estivemos juntos sem estarmos juntos
onde meu desvario me leva
e fico sentada
sozinha
à espera
porque  a vida também se distrai
e talvez se esqueça de mim
e finalmente estejas lá
olhos parados e gestos nervosos
e te acalanto
 tua cabeça no meu regaço
e tudo vale a pena
o vazio da noite
as flores ausentes
o abraço apenas meu
ouvindo teus contos de amores
perdidos
encontrados
buscados
tecendo carinho
no teu cabelo macio
enquanto esperas que a vida se distraia
se esqueça de ti
e quem buscas esteja lá
olhos parados
cabelos longos esvoaçantes
e aprendas a abrir braços
de acalanto
ainda que não retenham o momento
e comeces a buscar
entre fileiras de livros novos
livros empoeirados
na ruas
no parques
nas salas de chat
no barulho ensurdecedor de uma discoteca
teus olhos parados
gestos nervosos
atrás de pedaços de amor emprestado
aceitando até o vazio
da noite
as flores ausentes
o abraço apenas teu
e entendas
que amor não é posse
mas  possibilidade
a carícia sem pedir troco
e amor se torne apenas
amar.




fig - Arthur Rackham
Dalva Agne Lynch
Enviado por Dalva Agne Lynch em 03/02/2009
Reeditado em 24/08/2010
Código do texto: T1419956
Classificação de conteúdo: seguro
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