BREVE HISTÓRIA DO SONETO
«O soneto é uma expressão relampejante
e organizada para um efeito máximo
em um mínimo de elementos. »
Enciclopédia Simpozio
A poesia é o gênero literário que mais se aproxima da música (da qual deriva). O verso, todavia, cumpre algumas normas em relação ao ritmo e as rimas, sob pena de perder o encantamento. Em uma leitura apressada, acontece de não se encontrar o encanto. Há, então, de se ler novamente. Uma vez achada, a melodia aprisionará o leitor com seu magnetismo, tornando-o tão dependente quanto um amante de seu objeto de desejo.
Dentro da poesia existem diversas formas. E dentro destas formas, há as que apresentam maior ou menor grau de dificuldade de composição. Uma das mais difíceis é o soneto. Ao largo de seus seis séculos de existência, grandes poetas têm cedido a essa mágica combinação de versos. Não à toa, Boileau escreveu: "un soneto perfecto vale él solo lo que un poema largo".
O termo soneto deriva do italiano sonètto, que significa pequena canção ou, literalmente, pequeno som. E uma das mais complexas composições líricas de forma fixa. Com 14 versos formados de dois quartetos e dois tercetos, é conhecido por soneto italiano, também chamado "petrarquiano" ou "petrarquino", fixado por Petrarca. Pode ser encontrado também com três quartetos e um dístico, o soneto inglês (sonnet), também chamado "shakespeariano", fixado por Shakespeare
No soneto clássico empregavam-se versos de dez sílabas. Depois do decassílabo, os versos mais encontradiços eram os alexandrinos, com doze silabas, assim chamados, por terem sido usados no "Roman D'Alexandre" escrito por Alexandre de Bernay, poeta Francês e L'Ambert le Tort. Escassos são os de metro curto, quando o poema recebia a designação de sonetilho.
A rima vê-se abraçada nos quartetos (abba/abba) e cruzada nos tercetos (cdc/dcd). Este molde é comumente designado como "camoniano", fixado por Camões. Mas se note que nunca houve regras fixas para a colocação das rimas dos quartetos e tercetos.
No tocante ao desenho temático, dá-se a introdução do poema no primeiro quarteto. O segundo guarda o desenvolvimento, que alcança também o primeiro terceto. O encerramento da composição situa-se no quarto terceto, que deve trazer a chamada.
Esse último verso pode ser comparado a um fecho de abóbada: assim como a pedra angular sustenta toda a estrutura das cargas externas de um edifício, o último verso no soneto condensa a essência do pensamento geral da composição: «si le venin du scorpion est dans sa queue, le mérite du sonnet est dans son dernier vers» — escreveu Théophile Gautier.
Para alguns historiadores da literatura, o soneto já existia há mais de quinze séculos antes de Cristo e fora invenção dos hindus, povo de raça hindo-ariana, que falava o sânscrito e habitava o noroeste das Índias. Outros autores afirmam que sua aparição se deu no século XIII e a sua criação é dada ao trovador Girard de Bourneuil, morto em 1278.
Uma corrente mais moderna encontra vestígios da origem do soneto, ainda no século XIII, na corte imperial de Frederico III. Ali residia o poeta siciliano, Jacopo (Giacomo) Notaro que compunha canções com letras estruturadas em oitavas e tercetos.
Desinteligências históricas, à parte, parece então resultar que cabe à Sicília o título de pátria do Soneto e a Notaro o de seu precursor.
As linhas e disposições rítmicas iniciais permaneceram fixas até o século XIII, quando Fra Guittone d'Arezzo (1230-1294) criou o soneto guitoniano, padronizado, cujo modelo no seu modo de dizer essencialmente musical foi empregado tanto por Petrarca, quanto por Dante Aligheri.
O autor de “A Divina Comédia” imortalizou em “Vita Nuova”, seu primeiro trabalho de importância literária, inúmeros sonetos que nomeava de "dolce stil nuovo", ou "doce novo estilo", celebrando a impossibilidade do amor que nutria por, provavelmente, Beatrice Portinari.
Petrarca, no seu “Cancioneiro”, reuniu nada menos que 317 sonetos, todos dedicados inteiramente a sua Laura. William Shakespeare e Luis de Camões cultivaram o soneto em suas composições, dando-lhe retoques de maestria. Camões escrevia o soneto italiano, tendo o amor como tema principal. No livro intitulado “Sonetos”, deixaram 286 composições – os mais belos sonetos que um poeta português já produziu. Bocage e Antero de Quental foram outros admiráveis sonetistas clássicos lusitanos. Shakespeare compunha poemas com três quartetos e um dístico recheados de metáforas, moldando o soneto inglês. Dele sobressaem-se 154 exemplares, sendo 126 dedicados a um jovem. Donne, compôs sonetos em cuja temática há predominância de fundo erótico e religioso. Os sonetos alexandrinos foram utilizados por Bauderlaire nas “Flores do Mal”. Ganho a atenção dos ícones do ambiente literário de Portugal, Itália, França e Inglaterra, o soneto espraiou-se na poesia lírica universal. Aleksandr Puskin na obra “Eugene Onegin” inscreveu alguns sonetos que Tchaikovsky, posteriormente aproveitaria para compor uma de suas óperas.
Após ter sobrevivido ao Barroco e ao Humanismo, o soneto foi desprezado pelos iluministas, voltando, contudo, a ser cultivado no século XIX pelos românticos, parnasianos e simbolistas.
No Brasil, os sonetistas, embora não tão exuberantes ou produtivos quanto os estrangeiros, entregaram-se à tarefa de incluir os sonetos em sua obra. Gregório de Matos Guerra foi nosso primeiro sonetista. Cláudio Manoel da Costa, ao lado de Tomás Antônio Gonzaga, autor da obra imortal “Marília de Dirceu”, também souberam aplicar os preceitos da técnica poética nos sonetos. No Romantismo, compuseram sonetos Gonçalves Dias, Álvares Azevedo, Fagundes Varela, Augusto dos Anjos, Castro Alves entre outros. Olavo Bilac criou sonetos grandiosos construídos sob os rigores da métrica parnasiana. Cruz e Souza e Alphonfos de Guimares apresentavam obras cheias de misticismos em sonetos com retoques simbolistas.
No pré-Modernismo e no Modernismo, romancistas e poetas célebres como Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira,Vinícius de Morais entre tantos, exerceram com esmero o oficio do verso organizado em sonetos.
È importante destacar que se entre nós a produção do soneto como dito não fora tão significativa, autores houve que embora cultuassem outros gêneros da literatura avançaram sobre essa técnica de versificação para nos legar pequena, mas grandiosa produção de soneto. Alguns exemplos se avistam em Raimundo Correia, com “As Pombas” e “Mal Secreto”; Júlio Salusse com “Os Cisnes”; Alceu Wamosy com “Duas Almas”; Machado de Assis com “A Carolina”; Raul de Leoni que deixou apenas dois sonetos, considerados obras prima: “História Antiga” e “Perfeição”.
Hoje, em pleno século XXI, em que pese a poesia abrigar formas, às vezes, abstrata, outras surrealista, o soneto segue perfeitamente vivo e pujante na cultura de muitos países. No Brasil, essa herança literária, tornada vício para muitas gerações de literatos dedicados à arte de escrever versos, ainda se mantém como a expressão maior da poesia lírica. Nesse contexto destacaram-se Moacir de Almeida, Jorge de Lima, Júlio Salusse, Alceu Wamosy, Raul Machado, Gilka Machado, Martins Fontes, Gustava Teixeira, Augusto Frederico Schmidt, Nilo Aparecida Pinto, Mauro Mota, Paulo Bonfim, Ledo Ivo, Vinicius de Morais entre muitos outros anônimos e desconhecidos poetas.
Os sonetos modernos se realizam sem rimas e com outras métricas, mas, mesmo com a perda da rigidez da medida, do número e, até mesmo, da gramática, não se aboliu a obrigatoriedade de se utilizar o mínimo de quatro e o máximo de cinco rimas, em todo o poema.
Na verdade, os puristas condenam esse “modernismo” e afirmam estarem os novos generalizando o conceito de soneto e que, ao distribuírem suas redações em dois blocos de quatro linhas e em dois blocos de três linhas, tentam fazer sonetos, sem jamais o conseguir, pois dizia Pedro Ivo: «Não se faz um soneto, ele acontece e irrompe da alquimia do que somos, subindo às altas torres do não-ser.»
Erigutemberg Meneses
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