DE VERDADES E MENTIRAS
(Cadeia de sonetos)
Consta de uma lenda antiga
Que a Verdade e a Mentira
Saíram a caminhar
E se encontraram, por acaso
À margem de um lindo lago
Aonde iam, a se banhar.
Vinha a Mentira na frente
E, de suas roupas despida
Pra água se foi, contente
A nadar, toda exibida
E como a outra demorasse
A uma água tão gostosa
Instou-a a que logo entrasse
– que estava deliciosa!
E ainda adiantou: – Confira!
A Verdade, acostumada
Às inverdades da Mentira
Quis provar, desconfiada...
Agachada, as mãos em concha
Leva a Verdade a água ao rosto
E comprovou que a troncha
Só quis mesmo vê-la a gosto.
Então, despiu-se a Verdade
E sem pensar em falsidade
Pôs-se a desfrutar do dia
Do prazer imensurável
Que a água – tão agradável!
Do lago lhe oferecia.
Ao vê-la refestelada
Em tal deleite embebida
A Mentira saiu da água
E numa ação descabida
Com as roupas da Verdade
Se vestiu e foi-se embora.
A Verdade ainda gritava:
– Que é isso, minha senhora?
Com a zanga que a Verdade
Trata a desonestidade
E característica lhe é
A moça saiu do lago
– tão quentinho, era um afago!
Com ganas de ir-lhe ao pé!
– Mas, peraí, essas tralhas...
São da Mentira! Se as visto
A gente a ela me iguala.
Será um horror jamais visto!
E a Verdade, assim, nua
Pois nada tinha a esconder
Pôs-se a andar pela rua
Querendo da outra saber
Mas já escapara a Mentira
Com as suas roupas fugira
Pra verdade parecer.
E a Verdade não desistia:
Desnudada, prosseguia
– pra sua honra proteger –
E buscava impedir o dano
Que, travestida de Verdade,
A Mentira, com esse engano,
Causaria à humanidade
E ao ver a Verdade nua
Toda a gente desviava
O olhar, pois... desvirtua
A nudez que ela mostrava.
E ao passo que a Mentira
Distintamente vestida
Dano – e engano – faz crescer
Toda a gente, acabrunhada
Que a Verdade, assim, do nada
Lhe pudesse aparecer
Nua, limpa, descoberta
Segura de si, sem medo
E revelasse, em hora incerta
Verdades sob segredo
A sete chaves guardadas
Há tanto tempo escondidas
Que podem destruir verdades
Há tanto constituídas
Prefere olhar pra Mentira
De Verdade travestida
Mas que melhor lhe convém
A ver a Verdade, nua
Expor a verdade crua
Que sua mentira detém!
Lucas Carneiro
25 jul. 2019
3h07