Dantas
Dantas era um ébrio inofensivo. Vivia da caridade pública, perambulando pelas ruas de Carolina Maranhão, dialogando com seus fantasmas. Usava uma única camisa de listas pretas e outras muito mais pretas ainda e se não fora um escudo com uma estrela, ninguém saberia que um dia aqueles trampos teriam sido uma camisa do Botafogo do Rio de Janeiro.
Um dia, aproximei-me dele com a desculpa de pedir uma informação e fiquei surpreso. O álcool não lhe corroera de todo o raciocínio. No seu desvario usava, ora por outra, palavras de pouco uso, o que demonstrava claramente sua familiaridade com a Língua. Depois fiquei sabendo que já fora um jornalista de grande credibilidade, que atuara nos principais periódicos de São Luís e Goiás. Certamente tivera família e vivia agora abandonado por todos.
Dantas
Ia tangido de esquina após esquina,
Por temporal singrar sem rota certa,
Exímio jornalista e até poeta,
Fizera então do álcool vitamina.
Possivelmente, amara a Messalina,
Que fora deusa ou musa predileta,
Levou-o a desviar da vida asceta,
Por outra que o bom senso recrimina.
Não sendo, embora, regras conhecidas,
Muitos de nós têm dores recolhidas,
Por algum desencontro do passado.
A sina nos levando pro sepulcro,
Com tudo o que rodou fora do fulcro
E ainda nos mantém angustiado.