O GRITO

Escrevo o verso derradeiro e sinto
que todo o tempo é costurado em tramas
que não se tecem, mas se rompem entre
vozes de espectros frágeis, não nascidos.

Não haveria desespero assim,
que consumisse toda a luz de um dia,
se meu soneto se bastasse em si,
ou se a poesia fosse pura inércia.

Sei que palavras morrem, ventos passam,
certezas traçam mapas discutíveis
por entre a névoa cada vez mais densa.

Sei que, se dominado, meu espírito
perder esta ancestral capacidade
de gritar, nunca mais serei ouvido.


(Soneto da safra de 2019. Direitos reservados.)