5 sonetos

Sobre vigílias desnecessárias à noite

Nem todas travessias devem ser noturnas,

as chuvas caem em todas as horas do dia,

às vezes se engana a meteorologia,

ninguém mais tem galochas pra fazer tour nas

ruas; dê à noite bons sonhos e acalantos,

a luz dos bons só é dos olhos para fora,

enquanto vem de dentro os melhores cantos

sonho não cabe em gozo no adiantar da hora;

se o humor de quem dormita sem saber repouso

não dá ao travesseiro merecido pouso,

o que ouso dizer é que terás fadiga,

e o corpo não tem cara de que a isso bendiga,

deixe passar a ira que não tem bom uso,

não seja pra si mesmo quem comete abuso.

------------------------------

Sobrevivência e esperança sem dor igual à dor anterior

Alargar a ferida para uma tomada

de consciência plena da sua causa toda

talvez permita à dor ser domesticada,

mas na dor que alucina a cabeça roda

e as margens da ferida nessa roda dentada

aumentam, só aumentam a cada mordida;

e a injúria vem à boca mal falada

e que não diz a palavra amor, bem maior da vida;

e a dor moto-contínuo leva à solidão,

se retroalimenta em mais esse elemento,

até que insuportável seja o tormento

e se acabe c’ a vida usando a própria mão;

às vezes ineficaz porque sob tormento,

quando a dor passa a ser coisa de mal momento.

-------------------------

Sobre saber fazer dançar alguma sabedoria da filosofia hidropônica-etílica dos que mantém a crença de que cachaça é agua porque nos fazem flutuar ou afundar ou não se tem os melhores prazeres da vida com os pés no chão exceto quando a gente dança como um convite ao baile.

O desabar num blue em sons de eternidade

faz da tristeza imensa um salão de dança,

onde o desencantado sem sobriedade

faz o palhaço ser o riso da esperança,

aquele riso úmido quando se enxuga

os olhos e o epicanto insiste em lacrimar

só pra dar à tristeza abrigo numa ruga,

e todo mar caber no que não quer rimar

mas rima, no profundo gesto de alegrar

a alegação da busca de uma simpatia

de em salão vazio haver amor imenso,

que se me movimento dou beleza ao tenso

terçar pernas no tango com quem dançaria

outro dançar qualquer, que já saiba dançar.

O duelo entre o vagabundo que queria andar à toa e o real.

A ingenuidade da euforia não

vai mais ser a estéril força em contramão,

como se a inocência fosse a linha reta,

a amoralidade a coisa incorreta,

com que o erro não julga para não errar

o que fez de si mesmo ainda inacabado,

e o acabar-se em pranto por não errar

bem vagabundo ao léu encadeado

a essa violência que impede o andar à toa

sem que haja algum medo pra imprudência

ser única coragem e o caco em cacófato

gago e engasgado com gato em telhado

ver casa invadida tornar-se o sarcófago

do gato ou morador, doa a quem doa!

-----------------

Sobre optar por frestas ou feridas contentes

De frestas só entendo as que são feridas,

porque olhos abertos são duas frestas,

de pálpebras abertas em medo aguerridas

a cancelarem sonos, a obstruir arestas

que fossem aparadas sem abrir mais frestas

tão comprometedoras da estanqueidade

dos cascos dos navios, dos fundos das cestas

onde o amarelo-ouro do ovo, vaidade

escorre se quebrado no espelho dos olhos,

a impingir cegueiras à totalidade

da paisagem aberta, sem medo ou vacuidade;

de feridas entendo enchendo-as de escolhos,

por preferir feridas na sexualidade

do que apenas frestas que só trazem maldade.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 28/04/2018
Código do texto: T6321522
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.