5 sonetos
Sobre vigílias desnecessárias à noite
Nem todas travessias devem ser noturnas,
as chuvas caem em todas as horas do dia,
às vezes se engana a meteorologia,
ninguém mais tem galochas pra fazer tour nas
ruas; dê à noite bons sonhos e acalantos,
a luz dos bons só é dos olhos para fora,
enquanto vem de dentro os melhores cantos
sonho não cabe em gozo no adiantar da hora;
se o humor de quem dormita sem saber repouso
não dá ao travesseiro merecido pouso,
o que ouso dizer é que terás fadiga,
e o corpo não tem cara de que a isso bendiga,
deixe passar a ira que não tem bom uso,
não seja pra si mesmo quem comete abuso.
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Sobrevivência e esperança sem dor igual à dor anterior
Alargar a ferida para uma tomada
de consciência plena da sua causa toda
talvez permita à dor ser domesticada,
mas na dor que alucina a cabeça roda
e as margens da ferida nessa roda dentada
aumentam, só aumentam a cada mordida;
e a injúria vem à boca mal falada
e que não diz a palavra amor, bem maior da vida;
e a dor moto-contínuo leva à solidão,
se retroalimenta em mais esse elemento,
até que insuportável seja o tormento
e se acabe c’ a vida usando a própria mão;
às vezes ineficaz porque sob tormento,
quando a dor passa a ser coisa de mal momento.
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Sobre saber fazer dançar alguma sabedoria da filosofia hidropônica-etílica dos que mantém a crença de que cachaça é agua porque nos fazem flutuar ou afundar ou não se tem os melhores prazeres da vida com os pés no chão exceto quando a gente dança como um convite ao baile.
O desabar num blue em sons de eternidade
faz da tristeza imensa um salão de dança,
onde o desencantado sem sobriedade
faz o palhaço ser o riso da esperança,
aquele riso úmido quando se enxuga
os olhos e o epicanto insiste em lacrimar
só pra dar à tristeza abrigo numa ruga,
e todo mar caber no que não quer rimar
mas rima, no profundo gesto de alegrar
a alegação da busca de uma simpatia
de em salão vazio haver amor imenso,
que se me movimento dou beleza ao tenso
terçar pernas no tango com quem dançaria
outro dançar qualquer, que já saiba dançar.
O duelo entre o vagabundo que queria andar à toa e o real.
A ingenuidade da euforia não
vai mais ser a estéril força em contramão,
como se a inocência fosse a linha reta,
a amoralidade a coisa incorreta,
com que o erro não julga para não errar
o que fez de si mesmo ainda inacabado,
e o acabar-se em pranto por não errar
bem vagabundo ao léu encadeado
a essa violência que impede o andar à toa
sem que haja algum medo pra imprudência
ser única coragem e o caco em cacófato
gago e engasgado com gato em telhado
ver casa invadida tornar-se o sarcófago
do gato ou morador, doa a quem doa!
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Sobre optar por frestas ou feridas contentes
De frestas só entendo as que são feridas,
porque olhos abertos são duas frestas,
de pálpebras abertas em medo aguerridas
a cancelarem sonos, a obstruir arestas
que fossem aparadas sem abrir mais frestas
tão comprometedoras da estanqueidade
dos cascos dos navios, dos fundos das cestas
onde o amarelo-ouro do ovo, vaidade
escorre se quebrado no espelho dos olhos,
a impingir cegueiras à totalidade
da paisagem aberta, sem medo ou vacuidade;
de feridas entendo enchendo-as de escolhos,
por preferir feridas na sexualidade
do que apenas frestas que só trazem maldade.