02- RESSURREIÇÃO DE MACHADO DE ASSIS, DE 1872
Leia também: Texto 1-Ressurreição, de Machado de Assis. https://www.recantodasletras.com.br/resenhasdelivros/7712977
Amigos (as) leitores (as) sejam bem-vindos(as) aqui a minha escrivaninha, sintam-se à vontade, puxe(m) uma cadeira, e vamos conversar um pouco sobre o primeiro capítulo do romance Ressurreição, de Machado de Assis, publicado em 1872 (ou seja, há 152 anos).
Faça-me o favor e leia comigo a abertura do primeiro capítulo que se chama: “NO DIA DO ANO-BOM”:
"Naquele dia - já lá vão dez anos! - o Dr. Félix levantou-se tarde, abriu a janela e cumprimentou o sol. O dia estava esplêndido; uma fresca bafagem do mar vinha quebrar um pouco os ardores do estio; algumas raras nuvenzinhas brancas, finas e transparentes, se destacavam no azul do céu. Chilreavam na chácara vizinha à casa do doutor algumas aves afeitas à vida semiurbana, semissilvestre que lhes pode oferecer uma chácara nas Laranjeiras. Parecia que toda a natureza colaborava na inauguração do ano. Aqueles para quem a idade já desfez o viço dos primeiros tempos não se terão esquecido do fervor com que esse dia é saudado na meninice e na adolescência. Tudo nos parece melhor e mais belo - fruto da nossa ilusão - e, alegres com vermos o ano que desponta, não reparamos que ele é também um passo para a morte."
Guardem esse parágrafo que depois voltamos a ele.
Antes de mais nada, vamos prestar atenção ao título do capítulo: No dia do Ano Bom. Os mais experientes ( não quis chamar ninguém de velho) talvez saibam o que significa essa expressão Ano Bom, os mais jovens, como eu, talvez aprendam agora. Ano Bom faz alusão ao primeiro dia do ano, ou seja 01 de Janeiro. Imagino que ninguém mais fale assim. Então esse já é o nosso primeiro aprendizado com esse romance. De cara, logo.
No meu texto anterior, cujo link está na abertura deste, eu já fiz uma apresentação geral de quem é o Félix, mas como faz tempo que o escrevi, vou dá uma palinha.
Comparado com seu criador ( o Machadão), parece-me que o Dr. Félix tem uma vida mansa, ou passou a ter. Você chegou a essa conclusão também? Mais adiante veremos o seguinte trecho: "Félix conhecera o trabalho no tempo em que precisava dele para viver; mas desde que alcançou os meios de não pensar no dia seguinte, entregou-se corpo e alma à serenidade do repouso." Assim, vemos que ele até teve que trabalhar um pouco, mas só um pouco mesmo, até aparecer a tal herança e pronto, a palavra trabalho saiu de vez do seu vocabulário e passou a viver, como fala o narrador, "um repouso ativo". E o que é um repouso ativo? Eu entendo isso como alguém que não tinha nada de importante para fazer, mas mesmo assim sempre estava fazendo algo que julgava ser importante, pelo menos para seu espírito. Espero que você tenha identificado que estamos falando do Félix, já que o Machado sempre foi dado ao trabalho desde pequeno.
Um detalhe importante que não podemos deixar batido é que o jovem personagem (mas não tão jovem assim) tem 36 anos, não é casado e também não tem filho. Interessante que esse não ter filho perpassa a obra de Machado: Brás Cubas não teve filho, inclusive é dele a icônica frase "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria." O Dom Casmurro tem um filho mas é o mesmo que não ter, e agora temos outro personagem sem descendente, o Félix. Ouvi uns especialistas falando que esse fenômeno pode se dar porque o próprio Machado não teve filhos. Seria apenas ele deixando a sua marca na obra.
Fazendo uma contextualização do Félix com o seu tempo, o narrador nos diz o seguinte: "Félix entrava então nos seus trinta e seis anos, idade em que muitos já são pais de famílias e alguns homem de Estado. Aquele era apenas um rapaz vadio e desambicioso." Bem, aos 28 anos Machado era o Diretor Assistente do Diário Oficial, nesse ponto, Félix não tem essa características biográficas do seu autor, Machado sempre foi um trabalhador como já falamos, pelo menos sempre esteve empregado. Agora, puxando a sardinha para a minha brasa, é justamente nesse ponto, eu vejo uma certa semelhança entre o Félix e eu. Certa vez eu gazeei uma aula no curso de administração e a professora me viu e veio me questionar o porquê de ter faltado. Eu só disse que estava vendo o vento levando o tempo. Eu era um Félix, só faltava-me o glamour.
Para concluir essas observações inicias, acredito, que você leitor, ao se deparar com o parágrafo de abertura do romance tenha prestado atenção em alguns detalhes. Você viu que o narrador nos descreve a cena como se estivéssemos num filme de princesa da Disney? Os pássaros chilreavam, a nuvem e o céu azul... Ele se levantando tarde e abrindo a janela e cumprimentando o sol. Sei não, mas uma das coisas que mais tenho medo é de pessoas que cumprimentam o sol. ("Preconceituoso idiota!!!" Pronto, encontramos o primeiro cumprimentador de sol.)
Vou continuar a leitura e assim que tive novidades eu chamo você para conversamos mais um pouco.
Apêndice I
"Certo é que uma nuvem ligeira pareceu toldar-lhe a fronte." Esse é um trecho que se encontra no segundo parágrafo ainda do primeiro capítulo Ele me chamou a atenção em virtude de se parecer bastante com um trecho de Hamlet, vejamos:
"Por que essas nuvens sombrias ainda em teu semblante?" Isso quem fala é o rei, tio de Hamlet.
Apêndice II
"Naquele dia - já lá vão dez anos! - o Dr. Félix levantou-se tarde, abriu a janela e cumprimentou o sol." Ao ler esse trecho você consegue identificar uma cacofonia? Lembrando que cacofonia é quando um palava ou frase soa desagradavelmente ao pronunciarmos. Consegui encontrar? JÁ LA VÃO. JA-LA-VÃO. Ver como soa esquisito. Que ninguém me acuse de procurar defeito na obra do mestre, foi só uma observação. Ficarei atento caso encontre mais alguma coisa do tipo.
Apêndice III
"Félix conhecera o trabalho no tempo em que precisava dele para viver; mas desde que alcançou os meios de não pensar no dia seguinte, entregou-se corpo e alma à serenidade do repouso. "
Quem pode julgar o Félix pos isso? Um dia já fora pobre, mas uma herança caiu-lhe no colo e a partir de então vive sem fazer muito esforço, como diz o texto, "entregou-se corpo e alma à serenidade do repouso." Conheço alguns profissionais que fazem um excelente trabalho, ganham o dinheiro necessário para pagar as contas e fazer a feira e passam o restante do tempo sentado nas calçadas, passeando ou fazendo mil outras coisas, mas só pensarão em trabalhar novamente quando a sua reserva financeira estiver prestes do fim. É a sua forma de viverem. Também são chegados à serenidade do repouso. Lembrando que eram os filósofos quem se dava esse descanso, na antiguidade.