CONVERSANDO COM OS TEXTO DE MACHADO DE ASSIS: O QUE FAZER COM UMA TRAIÇÃO?

E a tragédia samba novamente sob a batuta de Machadão, ou melhor sob sua pena. No conto A Cartomante, temos a constituição do famoso tripé machadiano: uma mulher e dois homens, ou tripé mundial, já que Émile Zola (é um homem, viu.) em 1867, nos apresenta Tereza Raquin (lê-se Racân, mas só se você quiser bancar o entendido, por que é Raquin e todo mundo entende) onde temos a mulher e dois homens. É muito provável que Machado tenha lido algo de Zola, já que aprendeu francês ainda jovem.

Julgo que o conto A Cartomante, ou melhor, suponho (julgo é muito prepotente e tem cara de quem tem uma pilha de diplomas emoldurado na parede até do banheiro, eu sou apenas um leitor, um diletante) esteja mais próximo de Dom Casmurro (1899) do que o triângulo que vimos em seu outro conto: O Manchete (1878), que tem comentário aqui na minha escrivaninha.

Em A Cartomante, os personagens masculinos, Camilo e Vilela, são amigos desde a infância, assim como Bentinho e Escobar . No caso do conto O Manchete, Inácio e Barbosa se conhecem por causa da música; explicando melhor, Inácio estava tocando a sua rabeca quando Amaral (só tem interesse na música) e Barbosa (interessado na mulher) o escuta e pronto, os dois adentram na casa do pobre Inácio e tempo depois o "pé de pano" ataca e leva a esposa do dono da casa embora, encantada com as músicas tocadas no manchete (que é o avó do cavaquinho).

No conto A Cartomante a história é mais ou menos a seguinte: Camilo e Rita são amantes. Na verdade, enquanto você lê parece que eles são uns simples namorados, quiça, casados. Só mais algumas linhas para frente é que a gente percebe que a relação deles é extraconjugal, ou seja, um caso. Pois bem, a conversa inicia com os amantes conversando na casa de uma amiga. Rita revela que foi consultar uma cartomante. Ela queria saber o que seu amante estava fazendo já que há meses que ele não ia mais visitá-la. Camilo faz uma chacota com a consulta e lhe diz que se ela quiser saber de alguma cosia sobre ele que o consulte diretamente, pois é melhor que qualquer cartomante. Mas, por que ele se afastou da amante? Ele revela que recebeu um bilhete que dizia já ser público o caso deles. E agora? Por precaução Camilo resolveu se afastar. Mas o mal está feito. Vilela não é mais o mesmo. Calado. Pensativo. Desconfiado. Será que ele levou à sério a possibilidade de seu melhor amigo está comendo no seu prato?

Fazendo um comparativo entre os três personagens de Machado, o Inácio (O Manchete), Bento Santiago (Dom Casmurro) e Vilela (A Cartomante), o terceiro é de mais alta periculosidade, o segundo é um potencial assassino e o primeiro é um pobre pacifista (um músico, né? Não vemos muita beligerância nessa classe, principalmente entre os clássicos. A galera do rock e do axé é outra coisa) que chora a perda da sua amada até à loucura.

Bento planeja a morte de várias formas. Quis o destino que ele não se tornasse assassino, aqui no Nordeste temos a frase: Escapou fedendo. Por pouco ele era um filicida e uxoricida. Mas, só bastou esperar. A morte o livrou da possível esposa traidora e do possível filho bastardo.

O Vilela fez diferente, partiu para as vias de fatos e meteu bala nos amantes. Ele foi brabão. Resolveu à moda antiga. Como se falava (e ainda se fala em muito lugar) lavou a honra. Bem, guardadas as devidas proporções de tempo e costumes, era assim que se resolvia a maior parte dos problemas (parece-me que inclusive era meio permitido pelas leis da época a morte dos amantes pelo ofendido). Infelizmente, ainda hoje, significativa parte das brigas conjugais com um terceiro no meio se resolve dessa forma, e quase sempre são homens, claro, quem comete os assassinatos. As mulheres estão preferindo um docinho recheado de veneno, só que se vacilar o cutelo come e o cara acaba numa malinha de viagem, já aconteceu com alguns. Mas qual é o problema da separação amigável? Parece até que essa possibilidade não existe. O Vilela podia ter deixado quieto esse negócio e apenas agradecido o livramento de ter que conviver com uma pessoa traidora. Mas não. A bala cantou.

Certo estava o Inácio, que pena que ficou doido.

George Itaporanga
Enviado por George Itaporanga em 12/06/2024
Código do texto: T8084458
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