BERENICE: ERA PARA SER UMA ANÁLISE DO CONTO DE EDGAR ALLAN POE, MAS SÓ DIVAGUEI

TEXTO 1

Amigos leitores, estou lendo alguns livros de contos e romances de terror. Um deles é o escritor Edgar Alan Poe, já ouviu falar dele? Não?! Então pesquise no Google, na biblioteca, veja livros em PDF, mas você precisa conhecê-lo, se quer enveredar pelo nicho dos contos e romances de terror. Os textos de Poe são encontrados em forma de livros ou de contos individuais, resumindo, são de fácil acesso. O que eu li? O conto Berenice. Um texto de seis páginas. Pequeno, não? Mas, que levei umas 2 hora para ler. "George, por que tanto tempo? Cinco páginas são 10 minutos ou 2 na leitura dinâmica!!!"Não que a leitura é pesada ou de difícil entendimento, não é isso. É só o meu estilo quando quero entender bem uma coisa. Meio que aficionado. Não consigo pensar em outra coisa. Quando eu não fico parado numa frase, meditando e fazendo mil conjecturas mentais. Uma palavrinha pode me causar isso. Só paro a leitura quando minha sorridente esposa vem me chamar para o jantar.

Feita essa introdução, vamos ao assunto que realmente eu quero abordar: o texto Berenice de Edgar Allan Poe. Para isso, farei uso de anotações que fiz no momento da minha leitura (uma das características da leitura aprofundada é sempre ler com um lápis à mão para possíveis anotações) e de algo que for encontrando na grande rede.

EM FIM O TEXTO...

A primeira informação que nos interessa é que Berenice foi escrito em 1835, conforme a Wikipédia. Então é um texto antigo. Só a título de comparação, Machado nasceu em 1839 (Machado foi quem traduziu o Corvo para português). Berenice foi escrito quando Poe tinha vinte e seis anos.

De cara, como um prólogo ou aqueles textinhos introdutórios que servem para fazer a apresentação do texto principal, Poe coloca o seguinte trecho em latim (que apresento já traduzido): "Meus companheiros me asseguravam que visitado o túmulo de minha amiga conseguiria, em parte, alívio para as minhas tristezas." O dono deste trecho é Ebn Zaiat. Achei estranho que não consegui nenhuma informação sobre ele. Mas, o que importa é o conteúdo da frase. Esta sim, para o leitor atento, tem muito a dizer sobre o texto.

Caso estivéssemos numa sala de aula, eu me prenderia nessa frase e perguntaria o que dois ou três alunos compreenderam dela. Num universo de trinta, ao menos um diria: "Professor, eu acredito que ele é uma pessoa doente. A sua esposa morre, e a cura da sua enfermidade se dará quando ele visitar o túmulo da esposa." Certamente eu me levantaria e bateria três palmas e diria, apontando o dedo indicador para o (a) jovem aprendiz e diria: " Acertou, miserávi". Esse trecho será crucial para o entendimento do conto.

OS PERSONAGENS

Quem são os personagens? Primeiro temos o Egeu, que é o narrador da história e segundo, e não menos importante, temos a Berenice, a personagem sobre quem se fala. Qual o grau de importância deles no texto? São peças fundamentais da engrenagem criada por Poe. Vamos começar falando do Egeu.

Egeu é um jovem homem (pelo menos enquanto os fatos se dão; a não ser que ele esteja narrando um fato do passado, sendo assim um idoso) que mora numa mansão bastante antiga. Ele pertence a uma família tradicional, pelo que se dá a entender no texto; mas devido a falta de informação dada na história, aparentemente ele mora sozinhos. Sua já mãe morrera ( um adendo interessante é que Poe fica órfão aos 3 anos), o que não consegui abstrair do texto é se ela morre no parto ou se quando ele ainda criança. Para não dizer que ele mora totalmente só, há uma prima que cresceu com ele, chamada Berenice. Eu não queria ter falado dela agora, mas se tivesse deixado para depois a apresentação talvez ficasse um pouco vago.

Pois bem, o Egeu passa a boa parte da sua vida na biblioteca. O lugar onde ele nasceu e sua mãe morrera, é onde ele praticamente vive, entre os livros. Segundo as palavras do próprio Egeu, era como se fosse um claustro. Mas, por quê? O menino desde pequeno apresentava comportamento melancólico, além da saúde debilitada, assim, encontrava na biblioteca um local para ficar longe do mundo. Em contrário, a Berenice era um espirito livre "ágil, graciosa e exuberante de energia."

Eu interpreto que a biblioteca seria para o Egeu um local de segurança para as suas instabilidades. Era uma extensão tanto do útero quanto da sepultura da sua mãe. Sem contar que, para uma pessoa com pouca saúde, numa época em que os livros eram tomados como instrumento de entretenimento, às vezes o único, como no caso de Egeu; ter a sua disposição uma biblioteca era o mesmo que ter um Youtube hoje em dia. Então, o jovem passava seus dias trancafiado na biblioteca com seus livros.

Aqui já apresento uma característica marcante do jovem Egeu. Ele tem a capacidade de se concentrar em algo por bastante tempo de forma obsessiva. É o que se chama (eu que estou chamando) hoje de ideia fixa. Isso é uma benção e uma maldição ao mesmo tempo. Pois, na medida em que ele pode se fixar em algo que o interesse, ele também pode se fixar por algo que seja totalmente irrelevante e assim, ficar quase que obcecado pelo objeto de sua atenção. Os primeiros parágrafos são construídos para apresentar essa característica do rapaz. Esse é um dos pontos chaves do conto. Pois, sem essa fixação patológica o conto não existiria.

Talvez, e agora isso é uma suposição minha, Egeu vive trancafiado na biblioteca justamente por saber da sua condição de monomania, a ideia fixa que falamos a cima.

E cadê Berenice na história? Ele está vivendo bem, até que um dia ela cai em uma grave doença. A ponto de Egeu falar que ele sofreu uma metamorfose, ou seja, ela já não era ela: "Uma doença...uma doença - uma fatal doença - soprou como um símum sobre seu corpo." Eu faço uma comparação dela com o que também aconteceu com Jó. De uma hora para outra as mazelas se apoderaram dele forma que restou-lhe apenas lamentar a sua desgraça coçando-se com um caco de telha.

Sobre esse símum, pesquisei e descobri que é um vento muito quente que sopra do centro da África para o norte. Bem, deve ser um vento que causa bastante desconforto. Quem tiver mais curiosidade pode pesquisar na Wikipédia. Sua temperatura pode ultrapassar os 54 graus Celsius e levanta uma fortíssima tempestade de areia, como aquelas dos filmes.

Então, se o que Berenice sofreu foi algo parecido com o vento símum, foi bastante grave. Era passou a sofre de epilepsia e catalepsia. A epilepsia é uma alteração no cérebro capaz de causar convulsões que podem ser bastante violentas para o paciente. E a catalepsia é uma doença na qual os músculos do indivíduo se enrijecem a ponto da pessoa parecer que morreu. E imagine a angustia do Egeu em ver a sua noiva ( isso mesmo, eles iriam se casar) naquela triste situação. E, como é quase natural com as pessoas que sofrem de uma moléstia tão terrível, a jovem morreu. Mas, não morreu sentada numa cadeira com a cabeça tombando no seu peito. Antes de morrer, ela correu até a biblioteca, e talvez, num pedido de ajuda mal compreendido.

DO MEIO PARA O FIM

Egeu ver a sua noiva, mas não a reconhece. Na verdade, ele sabe quem é, mas já não é Berenice. O corpo, o cabelo, os olhos, nada mais são como antes. No entanto, algo chama a atenção de Egeu, os dentes. A monomania de Egeu se voltou para os dentes de Berenice.

Lendo o texto, você entenderá que essa fixação de Egeu por algo o domina a ponto dele não mais fazer nada apenas sendo consumido por aqui que lhe chamou a atenção. E, novamente, o foco da sua atenção são os dentes de Berenice. Saindo da visão de Egeu, em pouco tempo Berenice tem um novo ataque e morre. Egeu perdeu a sua prima e noiva.

Realizado o velório e o sepultamento, a ideia fixa nos dentes da sua amada, talvez a única coisa que dela restou como era antes da doença a ter atacado, não se dissipa. Nem mesmo a morte afasta da sua mente os dentes de sua amada.

A auge do conto está para acontecer agora! Ouve-se um grito de desespero! Violaram a sepultura. Um milagre aconteceu: a defunta está viva. Mas algo horrível também aconteceu. São nas últimas linhas que o texto alcança o seu clímax.

Agora, preste atenção em uma coisa: 90 por cento do texto é apenas de ambientação. Imagine só. Você ler um texto que, em tese, deveria ser de terror ou suspense, e as 5 primeiras páginas são de apresentação e contextualização. Algum leitor poderia esbravejar: mas cadê o terror? Outros poderiam dizer: Demorou demais para apresentar o desfecho e quando o faz, gasta meras 13 linhas... É meus amigos, na opinião de alguns, Poe não serviria para escrever terror.

TEXTO 2

O conto Berenice foi o meu primeiro contato com a obra de Edgar Allan Poe, então dizer que ele é sensacional e magnifico com escritor seria praticar o ditado Maria vai com as outras aplicado a mim. Não que ele não seja sensacional e magnifico, mas eu não posso fazer esse julgamento com base em um único conto lido por mim. Estou ainda a descobrir a sua magnificência (novamente, não que eu duvide dela).

Para entender um pouco mais sobre esse conto, lancei a minha rede no mar digital e colhi alguns frutos. Entre eles, o texto acadêmico O FANTÁSTICO EM “BERENICE” DE EDGAR ALLAN POE de Aguinaldo Adolfo do CARMO, na época de publicação, um estudante de mestrado em Letras.

Aguinaldo escreve que ""Berenice" é um dos contos de Poe que representa muito bem a literatura de suspense e terror". Quem leu o meu primeiro texto, deve se lembrar que eu falei da relação 90x1. Para você que não sabe o que é isso, eu explico. 90 por cento do texto é formado pela ambientação e criação do suspense e os 10 por cento restante, é o clímax o suspense com uma pitada de terror. Claro que é de assustar você ver e saber que a sua prima e também noiva que havia sido enterrada a poucas horas teve o seu caixão violado. E mais surpreendente, ela não está morta. A o pior foi o que fizeram com ela: arrancaram-lhe os dentes. E, como sempre, depois da queda ainda vem o coice, o culpado pela violação da ex-defunta foi o próprio Egeu, o primo-noivo. Isso assusta. Mas, não tanto quanto a cabeça falante do conto de Dumas. Então, eu fico mais com o suspense sendo predominante em Berenice.

Se o leitor de Berenice for uma pessoa atenta ele vai perceber que o texto cresce de forma gradativa até chegar na surpresa final: Egeu violou o túmulo da prima, arrancou-lhe os dentes, colocou-os me uma caixinha e ficou sentado em sua biblioteca como ficou outras milhões de vezes. Mas, para chegar até esse momento, Poe nos mostra que o Egeu é órfão, que ele nasceu na biblioteca e que a mãe ali morrerá; a biblioteca é seu claustro, ele sofre de um mal chamado monomania e acredito eu que, ele ciente dessa sua moléstia mental (digamos, molesta psicológica) ele não sai da biblioteca, justamente por ter medo, interpreto assim, pois ele tem a capacidade, negativa para ele já que o incomoda, de voltar sua atenção para qualquer coisa que seja, mesmo as mais banais, e para evitar isso, creio eu, ele não sai da biblioteca. Mas, o que acontece? Berenice surge à sua frente. E, no meio a magreza extrema, os olhos que parecem não ter pupila, os cabelos que nem de longe lembrem o que já foi um dia, Egeu presta atenção a um detalhe: os dentes de Berenice. Eu discorri sobre essa gradação porquê o Aguinaldo fala que " A história de Egeu é triste e melancólica, ele cria um ambiente propício para que possa acontecer o efeito fantástico." Nesse ambiente Poe gasta 5 páginas. E na sexta páginas, ele dedica 13 linhas para a conclusão. Para se entender o conto não é suficiente ler o final e pensar que sabe o que aconteceu.

Aguinaldo chama a atenção para algo que havia me passado batido: "O conto é todo centrado em contrastes; a vida e a morte, o real e o irreal, saúde e doença, o belo e o feio, a alegria e a angústia, entre outros". A vida e a morte nos vemos quando Egeu se refere ao seu nascimento e a morte de sua mãe. O real e o irreal pode ser quando o narrador defende a ideia de sobre a existência prévia ou não da alma humana ou quando ele ver o dedo da moça se mexendo e o seu sorrir enquanto ela está sendo velada; o belo e o feio e a alegria e a angústia podem ser observadas por meio da metamorfose sofrida por Berenice por causa de sua terrível doença.

Avançando no trabalho de Aguinaldo do Carmo entro um argumento que corrobora com a observação de 90x10 do conto Berenice: "Além da descrição do ambiente, temos os vocábulos utilizados na narração que ajuda a preparar o leitor para a hesitação do fantástico." Ou seja, Poe gasta 90 do texto descrevendo o ambiente na preparação do leitor para o grande final.

Para finalizar este texto busco novamente no trabalho de Aguinaldo essa base: "Considerando-se a divisão proposta

por Todorov a respeito do gênero fantástico, poderíamos dizer que o conto “Berenice” pode ser associado ao “fantástico-estranho”, uma vez que os “acontecimentos que parecem sobrenaturais as longo de toda a história, no fim recebem uma explicação racional”." Ainda não sei quem é o Todorov, mas concordo com a sua posição em relação ao conto Berenice. Aquilo que pareceria sobrenatural encontra uma explicação natural.

Fonte pesquisada:

REVISTA MEMENTO V.5, n.1, jan.-jun. 2014 Revista do mestrado em Letras Linguagem, Discurso e Cultura – UNINCOR

ISSN 2317-6911-O FANTÁSTICO EM “BERENICE” DE EDGAR ALLAN POE-Aguinaldo Adolfo do CARMO1

George Barbalho
Enviado por George Barbalho em 25/01/2024
Código do texto: T7984463
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