Será que Machado leu Dostoiévski?
Amigo leitor, amiga leitora, acabei de acrescentar nas minhas leitura um clássico da literatura russa: "Os irmãos Karamázov" de Fiódor Dostoiévski. Decidi juntá-lo ao meu movimento antropofágico. Acabei ler o primeiro e o terceiro romances de Machado (Ressurreição e Helena) e terminei O Cortiço de Aluísio de Azevedo. "George, o que tu pretendes com estas leituras?" Sem entrar no viés filosófico, quero entender mais sobre o mundo das letras. Como as histórias são criadas. As estruturas dos livros. Por exemplo, li Dom Casmurro; e lá em 2006, li Memórias Póstumas de Brás Cubas. Com esses dois livros eu me identifico bastante. São narrativas curtas, concisas, que me prendem na história e que me deixo fluir; leio-os em um ou dois dias; claro que numa leitura superficial feita como quem está em um sanitário de feira pública, sem porta e obrigado a usar a própria meia.
Um dos motivos que me faz gostar de Machado é a estética da estrutura do texto. Mas, ao ler Helena e Ressurreição, já tomo um baque; os capítulo são grandes, (Helena é o seu terceiro romance). O segundo é "A Mão e a Luva" que também é composto por longos capítulos. No livro O Cortiço, os capítulo também são longos e uma estratégia usada por mim para lê-los melhor é: eu mesmo faço subdivisões no texto.
Mas, quero falar é dos Irmãos Karamázov, não sobre o seu conteúdo em si, mas a respeito do questionamento que trago no título deste texto e que o repito: "Será que Machado leu Dostoiévski? e acrescento a tempo: "e vice, versa." A primeira coisa que faço é ver a data das publicações das obras de ambos os escritores.
Machado publica seu primeiro romance em 1872, justamente o livro Ressurreição. Já o primeiro livro de Dostoieviski, Gente Pobre, é de 1845; e os Irmaõs Karamázov é de 1879. Memórias Póstumas é de 1881 e o seu último romance é de 1908. Aqui há um intervalo concomitante das obras de ambos os escritores. Será que por acaso um tenha lido o outro?
Talvez, mais um talvez sem qualquer base que possa me nortear uma resposta; sou eu quem acho, e só. Caso Machado tenha lido algo de Dostoieviski, suponho que ele não tenha aprendido russo, possa ter lido algo traduzido para o francês.
Saio pela rede a pescar e encontro que o primeiro romance de Machado traduzido foi o Memória Póstumas de Brás Cubas, em 1902 para o espanhol. Assim, lá se vai a chance do russo, antes de ter esdrito as suas obras, ter lido o Bruxo.
Mas, por que eu levantei esse questionamento? Simples. É inevitável ler Os irmãos Karamázov sem se lembrar de cenas apresentadas por Machado de Assis. Claro que um pode não ter conhecido nada da obra do outro. Estamos falando do século XIX. Não há um instrumento onde se faça consulta instantânea de uma obra e capaz inclusive de traduzi-la, como temos hoje a nossa disposição.
Mas, George, quais são os elementos que você acha em Os irmãos Karamázov que te lembra a obra de Machado? Já começa no prefácio! No segundo parágrafo ele apresentando o seu personagem principal. O descreve assim:
"O nosso herói é um homem estranho, diferente e até mesmo original." De quem dá para lembrar? Do Félix de Ressurreição! No capítulo primeiro da obra do Bruxo temos a seguinte apresentação: Não se trata aqui de um caráter inteiriço, nem de um espírito lógico e igual a si mesmo, trata-se de um homem complexo, incoerente e caprichoso.."
Podemos dizer que Felix, tal qual Alexei, é um homem estranho, diferente e até mesmo original.
Vos apresento outra semelhança; em ambos livros os personagens principais são apresentados pelos narradores como heróis. Em Irmãos Karamázov o narrador diz o seguinte:
"Ao iniciar a biografia de meu herói, Alexei Fiódorovitch Karamázov, sinto certa incerteza. Na verdade, embora eu o chame de meu herói, sei que ele não é um grande homem..."
E o que nosso Bruxo fala na apresentação de Félix?
"Do seu caráter e espírito melhor se conhecerá lendo estas páginas e acompanhando o herói por entre peripécias da singelíssima ação que empreendo narrar."
O porquê de Alexei ser considerado herói pelo narrador ainda não sei. Apenas pede-se ao leitor que vá lendo para talvez descobrir a razão. Já em Ressurreição, não vejo motivo para Felix ser chamado de herói, esta mais para vilão: um homem que suprimiu o próprio coração para evitar se decepcionar com o amor; contrariando seus protocolos, se apaixona mas, o ciúme não permite viver o amor. Esse é o resumo da trama. E não vi heroísmo nisso.
Outra característica que junta o russo e o brasileiro é que as suas narrativas são contadas a partir do passado. O primeiro, há 13 anos (pelo menos a parte inicial do livro) e o segundo há 10. São escritores agorafóbicos. Pelo menos Machado tem três romances narrando histórias passadas: Ressurreição, Dom Casmurro e Brás Cubas.
E vejam que estas semelhanças eu as encontrei apenas no prefácio dos Irmãos Karamázov. O que eu não encontrarei quando for adentrando no romance? Isso não quer dizer que um plagiou o outro. Mas, que talvez os grandes tenham quase que pensamentos e idéias semelhantes.
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