O PERSONAGEM PRINCIPAL
Amigo leitor, amiga leitora, vamos falar da Ressurreição de Machado de Assis. Não! Pode parar! Não é nada disso! Machado ainda está, ou seus restos ainda estão, enterradinhos lá no mausóleo da ABL. A Ressurreição a qual me refiro é o seu primeiro romance, escrito em 1872, quando o Bruxo tinha 33 anos.
Comecei lendo-o por Dom Casmurro, escrito 1889, que segundo uma lista que acabo de ver na grande rede, é o seu oitavo romance.
Estou no primeiro capítulo de Ressurreição. E, como sou daqueles que costumam conversar com a obra, pesquisar fatos relacionados, e até imaginar além daquilo que está escrito, como dito por Dom Casmurro em tom de conselho, já dei um "stop" na leitura logo primeiro capítulo para ver com calma uns detalhes que nos ajudarão a compreender o texto. Quais são?
Primeiro, creio que o livro se passe em algum momento do passado, igual a Dom Casmurro, e o narrador esteja relembrando os fatos. Por quê eu acho isso? Por causa da primeira frase do texto: "Naquele dia,- já lá vão dez anos!"
Segundo, o personagem principal é um homem (pelo menos no primeiro capítulo ele é o principal), o doutor Felix. Uma espécime quase de meia idade, 36 anos, sem mulher, ou seja, não é casado, e sem filhos (até agora!). Não me julguem pela falta de informações mais robustas, ainda estou no primeiro capítulo.
O próprio narrador diz o seguinte: " Felix entrava nos seus 36 anos, idade em que muitos já são pais de família, e alguns homens de Estado. Aquele era apenas um rapaz vadio e desambicioso". Era vadio porque recebera uma herança que levantou a sua moral. Não sei a até que ponto ele era rico. Ainda diz que ele tem o necessário para não pensar no dia seguinte. Então, vivia na ociosidade. E não entendam aqui ociosidade por vagabundagem, são coisas diferentes. Como é dito: era "um repouso ativo, composto de toda a espécie de ocupações elegantes e intelectuais que um homem na posição dele podia ter." Vejam ai a diferença entre vadio e parasita.
Para não perder o custume, Machado também colocar uma espécie "parasital" neste romance. Na verdade, o primeiro. O conheceremos mais adiante. Seu nome é Viana. Pronto! Não me contive e já dei nome aos bois!
Só abrindo um parênteses, nunca havia percebido que na literatura havia tantos parasitas. Chega a ser hilário! Vejam só, o agregado José Dias é um exemplo, pelo menos nas palavras de Pádua (em Dom). Aqui (em Ressurreição) temos o Viana. No Cortiço, tinha o velho Botelho, que na arte da "parasitaria" só perdia talvez para o Fiódor Pavlovitch, dos Irmãos Karamázov. O que não faltam são sanguessugas querendo o restinho da farinha para o seu pirão. E, na minha última leitura,
deparo‐me com Laurent do Ronance escrito por Zóla, Teresa Raquin. Fechando o parênteses!
Quase termino o texto no parágrafo anterior, mas ouvi alguém perguntar se ele era bonito. O doutor Félix? Bonito, capa de revista, não era... mas, interpretando as palavras do narrador, o solteirão não era de todo feio. Era "simpático", se não fosse por beleza, talvez fosse por riqueza. Sabemos que determinada quantia de capital é suficiente para deixar qualquer um belíssimo.
O narrador ainda dá mais algumas dicas sobre a personalidade do Félix: "trata-se de um homem complexo, incoerente e caprichoso, em quem se reuniam opostos elementos, qualidades exclusivas e defeitos inconciliáveis." Pela descrição apresentada, ele deve ser um cara que teve problemas sérios com as pessoas do sexo feminino, em sua infância. Bem, pelo menos creio que essa seria a conclusão de Freud. E também acredito que esses defeitos, mais do que suas qualidades, darão o norte neste romance; falo isso pela experiência da leitura de Dom Casmurro, vamos ver se essa minha previsão se confirma.