Como escrever bem? Diga-me quem souber!

Amigo leitor, amiga leitora,  travo uma batalha que, a julgar por minha inconstância de espírito, talvez a abandone em poucos dias, tal qual a imaginação de Kalgânov, "sua imaginação era fogo de palha, de repente em chamas, de repente cinzas"; mas até lá, uso tudo o que estiver a minha disposição, até os dentes. Sobre o que estou falando? Refiro-me à arte de escrever.

 

Se escrever é uma arte, então pode ser aprendida, assim com a música, o desenho, a pintura, a dança e por aí vai. Se dá para aprender, logo, vem a pergunta: existe alguém que ensine ou terei que aprender por minha conta e risco?

 

Se eu aprendo por meus esforços, sou um autodidata. É isso o que eles fazem: aprendem sozinhos, nos livros ou com quase nada de instrução de terceiros. Mas, se não me enquadro neste grupo, então sou aluno, discípulo de alguém, fazendo suas oficinas, encontros, palestras, workshops, tudo para aprender a escrever.

 

Eu me incluo, a depender do momento, nos dois grupos. Busco escrever aquilo que brota na minha cabeça, seguindo estilo algum, pelo menos não intencionalmente; e também, procuro desenvolver a habilidade de acompanhar os grandes mestres, sejam clássicos ou contemporâneos, por meio de leituras, sites, vídeos, tudo o que estiver disponível, e olhe que a internet tem bastantes coisas. Justamente, diante de tantos materiais e informações que tratam da literatura e da arte de escrever que me nasce a dúvida apresentada no título.

 

Como escritor (se eu escrevo logo o sou, se bom ou ruim, esse não é o mérito) me identifico com Machado de Assis. Sua escrita rápida, curta, muitas vezes irônica. Mas, um amigo me disse que não suporta períodos curtos. Falta-lhe ar quando se depara com essas pequenas construções. Nada contra meu amigo. Ele que vá procurar escritores com períodos do tamanho de um parágrafo. Mas, ontem, lendo um livro de Schopenhauer, ele diz exatamente o contrário do meu amigo. O escritor deve apresentar um texto limpo, sem excessos, nada de orações subordinadas no texto ou distanciamento do sujeito com as demais estruturas fazendo com que o leitor tenha que realizar malabarismo para entender o que está escrito. Dou ouvidos a um leitor ou a um "especialista"?

 

No Youtube tem um professor chamado Rodrigo Gurgel que fala de literatura e, justamente, em um vídeo chamado "Como você não deve escrever", ele apresenta algumas dicas suas e de outros escritores; já inicia assim: "cortem os adjetivos." Na verdade, ele não foi a primeira pessoa que ouvi falar sobre isto. Uma professora de redação já me havia dito. E levei essa dica para vida. Não faço usos excessivos desta classe gramatical. Mas, eu achava que era apenas para texto acadêmicos, que têm aquele distanciamento das opiniões subjetivas, coisa e tal. Mas, parecer também ser uma "regra" na literatura. E o uso em excesso pode caracterizar um vício do escritor, igual ao "né" no final das frases que muitas pessoas usam, "né?"

 

 

Então, cuidado com os adjetivos. Mas, se aquilo que eu tenho para falar, ou a minha intenção for realmente de fazer usos de adjetivos? Se ficarmos assim presos, engessados nesta forma de bolo crítica, para que danado serviu aquela semana de arte moderna que acabou de fazer 100 anos? "Ah, George, é a estética..." Mas, não foi justamente contra essa tal de estética que bradaram os modernistas? Ou foi isso ou eu entendi errado.

 

Outra dica que o professor Gurgel fala em seu vídeo é sobre o cuidado com a escrita retórica. O que é isso? Ele rapidamente ("olha esse advérbio aí, George, é melhor tirá-lo!" Agora que ele fica!!!) esclarece o esitlo ao qual tece críticas não é a arte do "bem falar e se expressar", mas sim, àquela de encher linguiça com vento. Realmente, ninguém merece se deparar com um texto, lê-lo e não entender nada! Ou, quando o escritor usa dezenas de palavras para falar aquilo que só uma bastaria. Mas, e se fosse essa a intenção do escritor? E agora? Vou dizer que ele está errado e que passe uma borracha em seu texto porque eu não gostei? Ou até pior, que eu na qualidade de crítico vou destrui-lo porque não é assim que se escreve! Isso já é uma ditadura!!!

 

Gurgel dá um exemplo de escrita prolixa encontrado em José de Alencar: "O meu pensamento, impregnado de desejos lascivos, se depurava de repente, como o ar se depura com as brisas do mar que lavam as exalações da terra." E o professor Gurgel completa fazendo uma crítica: "Bom, o trecho é tão ruim que chega a ser pleonásticos." Aqui, eu vou dá credibilidade o professor. Entendi foi nada. Mas, vou condenar o texto? Se eu não gostei há quem tenha gostado e, admirado tenha dito: "Isto que é um escritor de verdade!"

 

Confessor que não lembro de nada que li de José de Alencar. Iracema, Ubirajara, Senhora... Foram lidos por mim sem compromisso algum. Então, não entrarei no mérito de Alencar. Mas, de Machado, já li e de uma forma diferente, mais detalhada. E, vejam só o que nós encontramos na abertura do romance Ressurreição:

 

"Naquele dia- já lá vão dez anos!-, o dr. Félix levantou-se tarde, abriu a janela e cumprimentou o sol. O dia estava esplêndido; uma fresca bafagem do mar vinha quebrar um pouco os ardores do estio; algumas raras nuvenzinhas brancas, finas e transparentes se destacavam no céu azul. Chilreavam na chácara vizinha à casa do doutor algumas aves afeitas à vida semiurbana, semissilvestre que lhes pode oferecer uma chácara nas laranjeiras."

 

Vamos criticar? Comecemos pelos períodos! Longuíssimos! Outras crítica? A cacofonia do "já lá vão". É um novo país da Ásia? Jalavão! E quando ele diz: "O dia estava esplêndido; uma fresca bafagem do mar vinha quebrar um pouco os ardores do estio..." parece até  o José de Alencar, citado por Gurgel. E nesta outra parte: "Chilreavam na chácara vizinha à casa do doutor algumas aves afeitas à vida semiurbana, semissilvestre que lhes pode oferecer uma chácara nas laranjeiras." Por que ele não diz logo que a chácara era repleta de pardais? É a poesia das palavras, Gurgel! Não é porque eu não entendi o Alencar com as suas ondas e as "exalações da terra" que o trecho é ruim, na minha opinião. Como já disse, há quem tenha gostado, e só porque  que eu não gosto, não quer dizer que ele não preste, mas sim, que é diferente.

 

Ainda na primeira página do romance temos esta outra construção: "Teria esta última ideia entrado no espírito de Félix, ao contemplar a magnificência do céu e os esplendores da luz?" Alguém pode ter falado: E esse dois adjetivos engordando a frase? Tire-os para ver como ficara ela ficara parecida com as vacas magras do sonho de José! Façamos o teste: Teria esta última ideia entrado no espírito de Félix, ao contemplar o céu e  sua luz? Certo, fiz o corte na "carne" sem por uma maquiagem para melhorá-lo, mas a intenção é mostrar que os adjetivo estão com a inteção de descrever um momento, uma situação específica. E, gostem os críticos ou não, embeleza o texto.

 

O leitor mais "atento" dirá: "Mas, George, esse romance é mesmo cheio de falhas; foi o primeiro escrito por Machado, é até natural que isso aconteça." Senti-me desafiado. Depois  pegarei meu Dom Casmurro e vou catar alguma coisa, se achar,  colocarei o trecho aqui em uma futura revisão.

 

Outro exemplo dado por Gurgel é do romance o Estrangeiro: "que ela oficiava o rito noturno do amor cigano", Isto para se referir a uma prostituta. O professor diz que ele falou demais para dizer o obvio. Pessoalmente, gostei. Não da crítica, mas do trecho. Só que, em outro vídeo, que não me recordo qual foi, mas que eu fiz questão de anotar uma frase que dizia: "Uma choupana onde o espírito busca proteção..." E Gurgel elogiava essa construção. Mas, o que o autor queria dizer com isso não é o mesmo caso criticado na construção referente à prostituta? Não vi diferença. Se for usar a mesma régua, sobrou redundância.

 

Quase a concluir, lembrei de outra coisa. Como devemos usar o vocabulário em nossos textos? O professor Gurgel tem um vídeo indicando gramáticas para melhorar a nossa escrita. Perfeito. E também indica um livro de Aurélio Buarquer de Hollanda que contém palavras e expressões não tão comuns, por assim dizer, ao hábito cotidiano. E, lá vem a dúvida: Eu devo escrever usando quais palavras? Uso as do dia a dia ou busco mesclar as palavras comuns com algumas mais sofisticadas? Só que tem um problema! As palavras "exóticas" não deixariam o texto com um ar de pedante? Então, se sim, porque carga d'guas, Aurélio fez esse livro e para quem?

 

Confesso que gosto de usar em meus texto algumas palavrinhas que aprendo durante as minhas leituras. Por exemplo, tenho um mini conto que se chama Oblongo. Esta palavra eu vi, pela primeira vez, no livro de Adolfo Bioy Casares, "A invenção de Morel", e fiz uso dela assim que tive a oportunidade. Mas, o que significa oblongo? Pronto. Na minha opinião, esta devia ser a dúvida do leitor. Não sabe a palavra, pesquise-a, mas, segue-se o caminho mais fácil que é o de passar adiante, e ficar sem saber, já que em nada o significado de oblongo influenciará em sua vida. Na verdade, a única palavra que ouvi alguém lamentar-se por não saber o significado foi "jusante", era uma prova de concurso e a pessoa perdeu a questão. Mas, o que eu faço? Uso as 500 palavras mais comuns da língua em meu texto ou faço como Guimarães Rosas que usou 9.000 palavras, assim como Machado. E agora?

 

Não encerra o assunto com este texto. Na busca constante de como escrever melhor vou indo até meu espírito achar outra coisa que valha a pena, mas a conclusão por hora é que ou não sei nada sobre a arte da escrita ou como leitor só gosto do que não presta. Está bem, vou dá uma aliviada nesta minha autocrítica, revogando a segunda, mas mantenho a primeira.

 

LEIA TAMBÉM

O TEXTO, O COMENTÁRIO E SUA FUNÇÃO SOCIAL

https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/7705203

George Itaporanga
Enviado por George Itaporanga em 03/02/2023
Reeditado em 19/04/2023
Código do texto: T7710365
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.