Bento, o Poeta do trem e eu (nós)

No capítulo primeiro de uma das principais obras, senão a principal, do Brasil e quiçá do mundo; mais polêmica  e enigmática também, Bento Santiago narra como se tornara o Dom Casmurro. A gente sabe da história. Já até escrevi sobre; o apelido lhe foi dado por um conhecido que se sentou ao seu lado no trem da Central.

 

Pesquisei uma vez e, se não me engano, essa é a mesma estação do filme com a Fernanda Montenegro. Capaz até dela ser uma criancinha sentada com a mãe ao lado do futuro Casmurro e quem sabe, a mãe também o recrimina dando razão ao poeta: "Quem dorme durante uma recitação?"

 

O rapaz fala com o velho Bento sobre assuntos aleatórios que iam ( que conjunção estranha. Pode ser também infarto agudo do miocárdio ou infância e adolescência missionária) da lua aos ministros. O jovem de chapéu durante a conversa acaba recitando alguns versos e neste momento, Bento pesca uns cochilos (quem nunca?) que foram o bastante para chatear o jovem declamador; amuado pela falta de consideração do ouvinte, guarda no bolso os versos e encerra o assunto.

 

Magoou-se de verdade! Não esqueceu-se do fato, a ponto de no dia seguinte, ao reencontrar-se com o velho Bento chama-lhe nome feio, que julgo serem palavrões e prega-lhe o apelido de Casmurro. O Dom veio depois para dar um ar de fidalgo.

 

Interessante como as divagações paralelas mudam a direção de um texto. Aqui, escrevendo à mão numa  das folha em branco do meu Braulio Tavares, estava a refletir sobre o seguinte: às vezes eu sou o jovem empolgado do trem, outras vezes, o Casmurro. Aí lembrei-me de um capítulo onde Bentinho, no seminário, não consegue terminar um soneto. Todos estes representam de certo modo a vida de um escritor, falo isto porque me vejo e me reconheço neles.

 

Quem nunca se empolgou com texto que acabara de escrever?! É natural que exista esta euforia. Chama-se potência criadora. Não vá procurar na internet o significado dessa expressão que, acredite, acabei de criar e tal qual o jovem do trem já estou divulgando a minha criação (agora fiquei na dúvida, se eu ouvi essa expressão em alguma palestra de Clóvis de Barros Filho, mas até que ele a reclame, eu a tenho por minha). Só que tem um problema, às vezes o meu entusiasmo diante da minha obra nem sempre é correspondido.

 

O que eu, enquanto escritor/criador de conteúdo literário, mais  quero é que  o maior número de pessoas tenham acesso ao que eu produzo e que me retornem um feedback positivo repleto de elogios para massagear o meu ego. Era isto que o rapaz do trem estava procurando ao se sentar junto do velho Bento Santiago.

 

Só que existe uma certa regra de três inversamente proporcional, tirados os "noves foras", que quase sempre condiz com a realidade: quanto mais escrevo e mais me dedico menos reconhecimento eu alcanço. Falo isto sob uma perspectiva geral, de forma alguma é uma lamentação. Deixa eu explicar melhor.

 

Este embate entre o jovem poeta do trem e o velho Bento Santiago é o mesmo conflito que acontece a cada instante aqui no Recanto das Letras ou qualquer outro site, blog, jornal onde tem alguém escrevendo. Quando eu escrevo,  estou fazendo para mim e para o outro, mesmo que por falsa modéstia eu diga que estou apenas postando para guardar ou armazenar o texto para não perder. Se isto fosse de verdade eu criaria um blog secreto e lá postaria meus pensamentos, escritos, textos ou quer que eu produzo. Mas, o que queremos, ou pelo menos eu, é uma audiência assim como o jovem do trem que pelo menos nos dê um pouco de atenção. E quando ela não vem? É natural ficarmos tristes e questionarmos os nossos dotes de escribas. Só não aconselho sair por ai xingando os leitores. Nem todo são tão passivos iguais ao velho Bento, uns ainda tem pena e colocam "Massa" nos comentários.

 

Agora vou me pôr no lugar do velho Bento Santiago e correr o risco de ser chamado de Casmurro.

 

Seja aqui no Recanto das Letras, seja em blogs ou sites, nas redes sociais ou nas livrarias, a produção textual está a todo vapor. Não bem a todo... Mas, estão produzindo algo em algum lugar. Mesmo o Brasil tendo mais de 200 milhões de habitantes (e sabendo que boa parte dessa população não sabe sequer assinar o nome e outra parte não consegue compreender e interpretar o próprio nome quando assina; acredito que posso excluí-los, não na forma pejorativa da discriminação, do grupo de leitores e escritores do Brasil. "Ahhh, mas tem grande poetas analfabetos!" Sim, concordo, mas quantos os são perante a quantidade de analfabetos no Brasil?) e sabendo que existem mais leitores do que escritores, pois é natural que haja menos pessoas que se dediquem a arte da escrita, ainda somos um pais em eterno desenvolvimento literário.

 

Machado,  em um ensaio critico, diz que vivemos a nossa infância literária; nesse processo, diga-se de passagem, efervecente, nos deparamos com algumas produções, que por falta de identificação, eu faço igual ao Bento Santiago: cochilo, como diante de uma palestra,  conferência ou uma aulas ruins, que não têm atrativo para o espectador. E já me visto com a mesma carapuça, pois quem com sono recebe um texto alhei com sono será recebido.

 

Em alguns dos meus textos, eu paro, sento, olho e admiro! E penso: como eu tive sorte de escrever isto! Reconheço que experimento esta sensação com poucos. Outros tantos, de qualidade mediana e até duvidosa, mas que estão sendo necessários para o meu processo criativo e amadurecendo; é essencial!

 

Quem me acompanha, seja aqui no Recanto, nas redes sociais, nos blogs ou sites nos quais posto alguns de meus textos, percebem que eu tenho uma determinada preferência por dois estilos: a crônica e os minis contos. Já quem estiver atrás de uma poesia, poema ou texto poético de minha autoria, infelizmente no meu acervo não irá encontrar. São estilos aos quais não me dedico. Até me esforço, mas requer tentativa e mais tentativa e mais outras dezenas de tentativas para encaixar o verso dentro da rima e a rima dentro do ritmo e o ritmo dentro do sentido. Essa é a mesma dificuldade que Bentinho sente quando está fazendo o seu soneto, como vemos no capítulo 55, "Um soneto".

 

O capítulo 55 é uma aula de processo criativo. Quem nunca se pegou diante de uma folha em branco e com uma excelente ideia na cabeça mais que, mesmo com o passar dos minutos, horas, dias, a folha permanece em branco? Digo folha, mas pode ser a tela do computador, do celular ou outro suporte qualquer onde alguém possa lançar palavras.  A gente fica igual a Chicó que espreme, espreme e espreme o cérebro procurando uma ideia e não vem nada! Parece que fomos abandonados. Um órfão da inspiração!

 

Como já falei, essa experiência na poesia eu não tenho, justamente por não me aventurar neste estilo; mas experimento na crônica e nos contos, Nossa senhora! Sento-me! Levanto-me. Paro. Continuo. Ouço uma música. Leio um livro. E volto ao texto. Algumas vezes, presencio o parto das ideia, limpo e rápido. Outras, apenas deixo o esboço esquematizado, as ideias centrais em gestação e saio. Fujo para outra atividade. Depois retomo, sejam horas ou até mesmo dias.

 

Escrever é isto. Construção! E, como Casmurro fala: "Começar bem e acabar bem não era pouco." Assim é a rotina de quem escreve.

 

 

 

 

 

 

 

George Itaporanga
Enviado por George Itaporanga em 02/02/2023
Reeditado em 10/02/2023
Código do texto: T7709669
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