DOM CASMURRO: AS FOTOGRAFIAS

"Gurgel, voltando-se para a parede da sala, onde pendia um retrato de moça, perguntou-me se Capitu era parecida com o retrato..." "Antes mesmo de examinar se efetivamente Capitu era parecida com o retrato, fui respondendo que sim. Então ele disse que era o retrato da mulher dele, e que as feições eram semelhantes..."na vida há dessas semelhanças esquisitas", disse o pai.

 

Quando li este trecho pela primeira vez, na minha releitura, ele pouco significou para mim. Não imaginava que seria um parte chave para a interpretação do romance. Até anotei um questionamento nas bordas do próprio livro: "será que Capitu pode ter sido adotada ou trocada na maternidade com Sancha? Claro que essas minhas divagações  não tinham embasamento no texto, mas pensar e confabular não custa nada.

 

Caso você ainda não tenha lido o romance ou ainda não avançou suficientemente no texto, Infelizmente há duas opções: ou desiste de ler aqui este meu pobre texto, ou vai ficar sabendo de umas coisas que só saberia bem mais adiante, aquilo que chamam de spoiler. Vamos lá! 

 

Uma vez, eu conversava com um amigo e ele dizia que o primeiro exame de DNA do mundo era feito de maneira ocular. "Como assim?" Via-se a criança e todos repetiam: "é a cara do pai". Às vezes, não tinha nada a ver, mas a expressão alimentava um duplo reconforto: acalmar o espírito do pai sobre uma possível infidelidade da esposa e acalmar o coração da Mãe diante de sua possível infidelidade. Mesmo sendo lugar comum dizer que as crianças quando nascem  têm cara de joelho, até os médicos e parteiras disparavam: "é a cara do pai". E por certo não estavam errado; é bem possível que fosse a cara do pai... Mas, que pai?!

 

Por que eu puxei esse assunto? Simples. À medida que Ezequiel cresce, na mente de Bento Santiago martela a frase: "é a cara do pai", mas o pai não sou eu! Pelo menos é a conclusão que ele chega.

 

No Capítulo 99, cujo título é "O filho é a cara do pai", dona Glória ao ver o seu Bento, comenta com irmão Cosme: "É a cara do pai, né?" E a resposta de Cosme? "É o pai!" Apesar de Bento não ter muitas lembranças de seu pai, ele podia levantar os olhos e confirmar se realmente pareciam-se. Havia um quadro, uma pintura, de dona Glória e seu marido, pendurado na parede. Era só dá uma conferida e ver as semelhanças.

Nesta altura do livro, Bentinho nem sequer havia casado com Capitu; casaram-se em 1865. Fazendo uns cálculos de bodega, se em 1857 Bentinho tinha 15 anos, então se casou com 23 anos, sendo Capitu era mais velha um ano.

 

No Capítulo 104, Casmurro narra  a sua lamentação a Escobar contando-o da sua tristeza pelo fato de ainda não ser pai. "Ao fim de dois anos de casado, salvo o desgosto grande de não ter um filho, tudo corria bem". A ansiedade era tanta que "Capitu pedia-o em suas orações..." E Bento também, desta vez não eram como as promessas de antes que fazia e o pagamento era logo esquecido. Desde vez "pagava  antecipadamente , como os aluguéis da casa".

 

Escobar já tinha uma filha, a Capitolina, uma homenagem da esposa à amiga de infância de Sancha, Capitu. A resposta de Escobar à lamentação de Bento foi: "Homem, Deus os dará quando quiser, e se não der nenhum é que quer para si..."

 

Os leitores que já suspeitando da possível traição diria: "mas que cabra mais descarado, colocando Deus no meio de suas safadezas". "Virar se for necessário", complementou Escobar. E veio. E era a cara do pai. Mas, quem era o pai? A pergunta que ressoa.

 

No capítulo CXXXIX acontece algo que merece atenção. O título do texto é "A fotografia". Claro, estamos falando da foto de Escobar; lembremo-nos que o amigo já estava morto. Aqui, o narrador, por pouco, se reconhece como um refém da sua imaginação.

 

No capítulo anterior, em um momento de discursão, Capitu dissera: "Pois, até os defuntos! Nem os mortos escapam aos seus ciúmes." Acho que essa provocação fez o Bento refletir: "Será que estou sendo injusto com a minha amada esposa e com o meu querido filho?" Mas, rapidamente esse pensamento foge-lhe. Para entendermos melhor, transcrevo uma parte do capítulo CXXXIX:

"Palavra que estive a pique de crer que era vítima de uma grande ilusão, uma fantasmagoria de alucinado; mas a entrada repentina de Ezequiel, gritando: -"Mamãe! Mamãe! É hora da missa!"- resistiu-me à consciência da realidade. Capitu e eu, involuntariamente, olhamos para a fotografia de Escobar, e depois um para o outro. Desta vez a confusão dela fez-se confissão pura. Este era aquele; havia por força alguma fotografia de Escobar pequeno que seria o nosso pequeno Ezequiel. De boca, porém, não confessou nada; repetiu as últimas palavras, puxou do filho e saíram para a missa."

 

Que intensidade! Por um minuto, Casmurro pensa que  pode ter cometido um erro de julgamento levado pelo ciúme. Se Ezequiel não tivesse entrado naquele exato momento, talvez tivessemos outro fim! Mas, estava ali o Ezequiel e os pais; desta vez juntos, fazem o tal "exame de DNA ocular" com a fotografia do Escobar. E o resultado foi instantâneo. Um olhar de confissão; pelo menos foi essa a leitura que Bento faz ao ver os olhos da esposa.

 

O que me deixa mais aliviado nessa história é que este momento acontece depois do epsódio da xícara envenenada. Com a certeza que Bento possui, neste momento,  talvez não hesitasse em oferece o café ao menino. E o rumo da história seria outro.

 

 

George Barbalho
Enviado por George Barbalho em 31/01/2023
Reeditado em 11/02/2023
Código do texto: T7708138
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