O amigo de Bento Santiago

 

Amigo leitor, amiga leitura, espremendo meus olhos para que eles possam captarem melhor a mensagem contida no Dom Casmurro, deparei-me com uma amizade que o narrador conservava desde o tempo de juventude. Alguém mais afoito já pode gritar (se fosse na sala de aula, um aluno do fundão levantava a mão e  diria: "Já sei, professor! É o Escobar!) Na verdade, apesar do possível acerto, não é sobre a amizade entre os seminaristas, que quero falar neste momento, mas sim, outra, com o menino leproso.

 

Lembram-se do Manduca? Não? Mas deviam! É um menino, mais ou menos da mesma idade de Bentinho, que sofre, ou sofria, uma vez que já está morto, de uma doença que até recentemente era repleta de tabus,  vulgarmente conhecida por lepra: a Hanseníase.

 

A amizade entre os rapazes é apresentada ao leitor na ocasião da morte de Manduca, que veio a ocorrer após a entrada de Bentinho no seminário.

 

Para refrescar a minha memória, pego o meu Dom e saio o folheando; não me recordo o número do capítulo, mas tenho uma estratégia. Nas minhas leituras dividi o livro em três partes. A primeira, do começo da história até a entrada  no seminário; a segunda, é todo o período vivido com os padres e a terceira, é a  saída e vida após a experiência religiosa.

 

Pronto, achei! É o capítulo 85, mas que se inicia no capítulo anterior, quando o pai do defunto, esse inclusive é o título do capítulo: DEFUNTO....

 

Eu dizia, que o pai do morto avista Bentinho na rua vindo da casa de Sancha, que estava doente e Capitu a servia como enfermeira. Ao vê-lo, o homem o chama para comunicar a morte do filho. O pai supunha que Bentinho era  um grande amigo de Manduca.

 

O seminarista  tenta  escapar da situação, só que o pai de Manduca é insistente. "Mas, as pessoas nem podem sair para ver a namorada que metem logo um defunto na cara da gente", creio que esta tenha sido a indignação de Bentinho, "Mas o senhor não é um quase Padre?" Esse diálogo é meu, viu! Não está no livro. Pois bem, a contra-gosto o amante ( no sentido de se amarem e não de traições, se bem que Bento trai a igreja,  mas isso ja é outro assunto) de Capitu entra na casa do seu "grande amigo" que morreram há poucas horas. A alegria que trazia em seu coração é expulsa pela visão do rapaz deitado na cama morto pela terrível doença.

 

Mas, eram amigos desde quando? Essa é a mesma questão levantada por prima Justina. "Ôh mulherzinha para se meter na vida dos outros!", (esse pensamento também é meu). Bentinho recorda que uns anos antes, na verdade dois anos, para ser mais especifico, eles trocaram cartas na harmoniosa disputa de argumentos, na tentativa de um convencer o outro sobre uma guerra que estava acontecendo na Europa. Mas, não foram muitas cartas; logo Bentinho enfadou-se da discussão deixando Manduca escrever sozinho, e por fim desistindo do embate. Parece que, as suas relações eram resumidas somente a isso. Mas, o seminarista teve uma idéia!

 

Como no encontro das caravanas de Jesus com a da viúva de Naim, da Morte nasce uma esperança, claro que para Bentinho, já que o Manduca, foi estudar a geologia dos campos sagrados. Ele vê a possibilidade de ficar para o enterro do "grande amigo", "amigo amicíssimo" e passar mais uns dias em casa, por consequência, próximo de Capitu. Um belo pretexto, como vemos no capítulo 88.

 

No argumento para ficar, invoca sua amizade com um defunto. É aqui que entra prima Justina dizendo que nunca tinha visto intimidade entre os dois. Resultado:  nada de Enterro. Vai direto para o seminário. Contrariado, ver seus planos de ficar mais um pouco perto de Capitu, irem por água abaixo.

 

Alguém pode aqui dizer: "mas que garoto sem noção" ou, "que menino egoista, fazendo uso da morte para tirar proveito." Mas, amigos, isso são coisas de quem está apaixonado. Imagine um adolescente que odeia ir à escola e que do dia para noite, os pais percebem uma brusca mudança: o menino, ou a menina, passa a amar o colégio, a se dedicar mais, e até a tomar banho de água fria numa segunda feira pela manhã e além do mais, chuvosa. O amor nos faz leva a ações inexplicáveis. É isso que está acontecendo com o Bentinho neste caso. 

 

 

O Manduca já está morto, acredita-se que não vá se incomodar com as verdadeiras intenções de Bento. E na verdade, seria uma troca justa. Bentinho vinha com a imagem de Capitu na sua mente. Dormiria com ela nos seus pensamentos. Sonharia com a sua amada, mas agora, quando fecha os olhos, só ver o leproso deitado na cama, e até pode ter um pesadelo! O defunto poderia ganhar vida e o questionar porquê ele nunca mais escrevera uma carta. E que morrera não por causa da doença, mas da tristeza de não poder contar com a sua amizade. Que sonho medonho!

 

Então, Bentinho perdeu algo, momentaneamente, (a imagem de Capitu em sua mente: "Ver um defundo ao voltar de uma namorada... Há coisas que não se ajustam nem cobinam") por causa do Manduca. Nada mais justo que Manduca, mesmo morto, lhe dar algo em troca: uns instantes a mais ao lado de sua amada. Mas, foi um tiro que saiu pela culatra, como já falei. Pelo menos tentou. Suponho que Bentinho pensou assim: "Maldito seja Manduca, por me roubar os belos sonhos que teria hoje à noite!". Mas, como "a coisa mais importante era Capitu" nem o corpo carcomido de Manduca impediu de Bento sonhar com a sua amada.

 

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George Itaporanga
Enviado por George Itaporanga em 30/01/2023
Reeditado em 29/03/2023
Código do texto: T7707125
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