Conflitos da alma – de duas uma – / Nelson Jacintho. Ribeirão Preto: SP: FUNTEC – Editora, 2013.
O romance Conflitos da alma do médico e escritor Nelson Jacintho é um romance sobre a paciência, a compaixão e a razão. Reinaldo, o protagonista do drama, homem de meia-idade, recém-aposentado, antes bancário, vive os dramas do tédio aberto pela aposentadoria no banco, como se a rotina burocrática do bancário ainda fizesse falta, preenchesse o vazio e ocupasse o tempo, agora aberto para divagações. Devaneios de um melancólico, cujo mote é a presença e a volta do primeiro amor, representado por Brigithe, que reaparece saída de um quadro da parede do bar Pinguim, onde é servido o melhor chope de Ribeirão Preto.
O encontro com Brigithe se dá após Reinaldo ter desaparecido de casa e se escondido na pensão de d. Francisca, mãe de Patrícia, jovem atraente que às vezes faz Reinaldo se esquecer um pouco de Brigithe, com quem se encontra apenas de forma delirante, aqui e ali, com desaparecimentos súbitos, mas sempre retornando aos seus delírios. E é interessante a presença desejada de Patrícia porque mostra ao leitor atento o vínculo frágil que Reinaldo consegue manter com a realidade.
Laura, mulher de Reinaldo, mãe de seus filhos, está preocupada, procura pelo marido desaparecido, toma as medidas de registros policiais relativas ao desaparecimento, mas consegue saber onde o marido hospeda apenas após receber cartas anônimas.
Na pensão, Reinaldo divide o quarto com Antônio, homem sensato, que sabe oferecer hipóteses ao colega de quarto, todas elas apresentadas como: de duas uma... Ou isso ou aquilo, aquilo ou outra coisa, sem nunca deixar de ensejar diálogo com o que se lhe apresenta. E, como se poderia imaginar, há a cena de ciúme, na hora em que Laura vai à pensão de d. Francisca, cuja solução é dada pela mediação de d. Francisca e Antônio, e mesmo por Patrícia, filha de d. Francisca, a quem Reinaldo já seduzira um pouco.
De volta para casa, Reinaldo aumenta a paixão por Brigithe, como se ela ainda existisse igual à hora em que foi o seu primeiro amor. Isso perturba Laura, que se aproxima de Antônio. Que, por sua vez, localiza Brigithe, viúva como ele e mãe de três filhos, como o casal Laura e Reinaldo. O agravamento do quadro de Antônio e as manifestações de agressividade o levam à internação no hospital psiquiátrico. No hospital, as conversações entre Laura, Antônio e o psiquiatra levam à decisão e trazer Brigithe ao encontro com Reinaldo e, a partir do encontro, Reinaldo passa a ter menos delírios e visões da proximidade da Brigithe jovenzinha, aquela do seu primeiro amor irrealizado, que o caracteriza como sujeito melancólico e esquizoide.
A maneira como o autor faz transitar o desamparo dos personagens e o quase envolvimento real em planos afetivos hipotéticos, como o da possibilidade de Laura e Antônio que chegaram a se beijar ficarem juntos, tanto quanto Reinaldo poderia ficar com Brigithe, a viúva de igual idade a de Reinaldo que ajudou a fazer desaparecer a Brigithe novinha, compõe uma teia onde a razão supera a paixão porque os personagens são compassivos uns com os outros.
Ler um romance cuja trama se desenvolve lentamente no curso de trezentos e vinte e sete páginas é para o leitor um exercício de paciência, mas exercício que faz o leitor exercer a paciência, quase se tornando também um personagem do romance, como se aprendesse a pensar diante de situações críticas, tendo como professores dessa paciência (razão) alguns personagens, como a esposa Laura, o amigo Antônio, a jovem Priscila, que não cedeu peremptoriamente ao assédio de Reinaldo, mesmo desejando-o, por entendê-lo em crise, d. Francisca, mãe de Priscila, que acreditou na capacidade de arrazoamento da filha, a própria Brigithe que deu a possibilidade de realização do amor antes irrealizado a Reinaldo. Conjunto de ações que fizeram Reinaldo sempre ter que escolher de duas uma opção: a doença e a cura.
Cura que nos faz perceber o romance: Conflitos da alma – de duas uma – de Nelson Jacintho, médico que antecedeu este resenhista na cadeira 16 da Academia Brasileira de Médicos escritores, como uma fábula, na qual a razão, a compaixão e a afetividade são de fato quem são os verdadeiros protagonistas. E como são necessários esses personagens na atualidade.