Maria Mulher – livro de poemas de Marco Kbral. Editora Cousa. 2019.

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Antes de qualquer palavra sobre o livro Maria Mulher de Marcos Kabral, creio ser necessário conversar um pouco sobre a diversidade dos olhares. A poesia não é necessariamente o espelho do poeta. O poeta pode ser homem, mulher ou gay. Desde Vinícius de Moraes o poeta homem tem rarefeito cada vez mais poemas de exaltação à beleza da mulher, isso pode se dever ao feminismo que acusa tais exaltações como um uso indevido da beleza da mulher, uma forma de exploração dessa beleza. A poeta mulher, salvo as lésbicas, cantam a mulher a partir do próprio sentimento da feminilidade e do poder da feminilidade, isso é o que ocorre, por exemplo, no livro Carne viva, de Lívia Corbelari, e no belíssimo livro de poemas eróticos de Aline Prúcoli, sob o título Anatomia – uma obra prima.

Marco Kbral dedica o livro Maria Mulher ao seu companheiro, Marco Kbral é gay.

Estive no lançamento do livro e participei do debate no evento. Palavras como hibridismo, ambivalência, ambiguidade permearam as conversações, e no debate aprendi algo: para o autor o hibridismo está na essência, condição que naturalmente faz o hibridismo deixar de ser hibridismo por sua naturalidade. A ilação feita foi a de que ao deixar de ser hibridismo, o hibridismo deixa de ser ambiguidade, isto é, pode até mesmo produzir um livro de poemas com todas, melhor seria dizer: muitas das mulheres que existem em nós – nós significando aqui: o poeta.

A ambiguidade do poeta não é híbrida, visto ser capaz de estar dos dois lados do espelho: o que é apenas imagem e o que faz da própria voz o sopro que dá vida à imagem na criação do poema, de fato, vários poemas possuem a sua narrativa na primeira pessoa do singular.

Na poesia de Marco Kbral não há a pujança das inconveniências masculinas, o olhar do poeta é contemplativo mas não é ascético, porque a voz feminina é a de exaltação da própria feminilidade, algo também conseguido por vários escritores prosadores( homens, gays e mulheres) dentro e fora de ambivalências ou ambiguidades.

Talvez seja interessante aqui registrar alguma anotação entre ambivalência e ambiguidade. A ambiguidade sempre oculta propósitos inexpressáveis seja porque a sociedade e o etos social a obriga ou pela incapacidade da fala. Por exemplo, o cara casado que deixa a mulher e os filhos em casa; pega seu carro, apanha um travesti na orla de Jardim Camburi e vai a um motel para ser sodomizado. Fazendo algo oculto que lhe dá imenso prazer e medo.

A ambiguidade é sempre complexa e irresolvível.

Segundo Amos Oz, como em seu livro Fanatismo expressou, a ambivalência é o que nos faz capazes de nos colocarmos no lugar do outro, como judeu Oz consegue se pôr no lugar dos palestinos, não há como conseguir paz sem essa ambivalência madura, sem conseguirmos nos colocar no lugar do outro.

Em uma sociedade brasileira, particularmente a capixaba, onde a incidência de crimes de violência contra a mulher é alta, o livro Maria Mulher, do ótimo poeta Marcos Kbral, nos ensina a ter o olhar ambivalente e pacífico-dialógico; e foi isso que sensibilizou o resenhista na emoção da leitura do livro Maria Mulher, que faz pensar, celebra o amor e tem excelentes poemas.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 23/04/2020
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