Resenha do texto Repensando a história literária, de Ria Lemaire
LEMAIRE, Ria. Repensando a história literária. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (org.). Tendências e impasses. O feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 58-71.
Em seu texto, Ria Lemaire (1994) afirma que a tradição literária ocidental é legitimada por um poder político e cultural masculino, em uma tendência genealógica, isto é, as obras canonizadas são aquelas que se guiam por um sistema construído, o qual é único e ininterrupto e que tem como base o interesse político e cultural difusor de sucessões discursivas masculinas, como por exemplo, a temática, o autor, o herói, a personagem.
Essa genealogia literária pode ser entendida como a sucessão temática de uma não linearidade nas obras literárias de autoras, como por exemplo, a não sequência de Clarice Lispector à linhagem de Rachel de Queiroz. Não obstante, a linhagem de autores parece ter sua equidade e equivalência não modificada.
Dessa maneira, cria-se um conceito monolítico de permanência da escrita, bem como o estudo do mesmo na crítica literária, não permitindo alinharem-se à tradição literária, as obras marginalizadas (por razão de ideias, de etnias, de sexos, de nacionalidades) em decorrência da sua não unidade ao poder masculino de escrita.
A autora, ainda, considera que a escrita como uma “tecnologia” difusora de poder no mantenimento das visões de mundo e de culturas de uma elite intelectual, assim como a invenção da imprensa e dos meios de comunicação atuais (e aqui se cita a rádio, a televisão e a internet), funcionam na ampliação da distância entre o povo e a elite, entre o sexo masculino detentor de um tipo de saber tradicional e o sexo feminino instrumentalizado com um tipo de saber à margem.
No que concerne aos tipos de saber específicos do masculino e do feminino, Lemaire (1994) esclarece que a narrativa épica é por excelência o conjunto de saber masculino pela performance heroica no tratamento dado aos homens, enquanto que a narrativa lírica aponta a expressão sentimental do saber feminino.
Lemaire propõe a necessidade de uma história literária (historicidade e historicização) a partir do exame relacional entre tradição oral e tradição escrita, em uma transição lenta daquela para essa, sendo a tradição oral na sociedade ocidental muito proficiente em gêneros literários femininos, como por exemplo, as cantigas de ninar, e propõe uma verificação sobre o que aconteceu na história cultural do Ocidente que provocou o desaparecimento das ricas tradições orais femininas.
Não importa, em suma, para a autora a reconstrução das tradições femininas relegadas, ou eliminadas, mas sim, faz-se necessário refletir e pensar a história literária como um produto dependente de sistemas sociais e culturais que se marcam pelas relações de gênero diversificando os discursos do masculino e do feminino a partir de estruturas de poder da sociedade.