Mentalidades
Em decorrência do surgimento de um campo determinado “História das Mentalidades”, uma abordagem que extravasava uma perspectiva historicizante, conforme o próprio movimento dos Annales procurou despir-se de tal enclausuramento, a História seria transformada. Não se pode esquecer que o campo das mentalidades, permeado de “armadilhas”, conforme expôs Jacques Le Goff, por uma extrema abrangência, desvencilhando-se de certos estigmas, que seriam uma consequência da história vulgarmente positivista, seria de grande relevância aos estudos sociais.
É possível abrir o “leque” para a análise psíquica, explorando inter-conexões cognitivas ao longo do tempo, atendo-se à rupturas apresentadas em uma contextualização, produto de uma conjuntura que a construía, tendo como meta a captação de esferas sociais, campos como política, economia, além de abordagens antropológicas, sociológicas, psicológicas, tornando o objeto homem um apêndice em determinada “macro-história”, na busca ávida por desvendá-lo.
Existem também as particularidades que as Mentalidades não descartam, criando assim a denominada “micro-história”, com minuciosos recortes e temporalizações quase biograficamente delimitadas, com estudos de grande valia dentro de tal polêmica área, como os trabalhos de Carlo Ginzburg, por exemplo. Por isso, pensar a História das Mentalidades e sua metodologia tão contraditória, que ainda é marginalizada em nossa contemporaneidade, nos remete a uma genealogia epistemológica desta enigmática linha de estudos.
Historiograficamente, em um primeiro momento, ocorre uma quebra, ou ruptura epistemológica, conforme pensamento de Gaston Bachelard, a proposta história se modifica, torna-se volátil por consequência da influência da escola francesa, o revolucionário movimento dos Annales, não mais se submetendo à antiga “história dos vencedores”, promovia um rompimento com a absolutização político-histórica, tornando o objeto de estudo mais próximo ao humano, evocando aspectos socias e econômicos, antes relegados a um papel coadjuvante, trazendo ao sujeito-histórico um maior reconhecimento da realidade em relação a si, fomentando uma analogia mais próxima.
Dois nomes podem se destacar nos Annales, tanto pela composição embrionária deste movimento, quanto pelo papel de suma importância na História das Mentalidades, March Bloch e Lucien Febvre, compondo a chamada “Primeira Geração dos Annales”, deixando um legado sólido, a herança para a “Segunda Geração dos Annales”, também chamada “Era Braudel”.
Fernand Braudel dá prosseguimento à análise, atrelando o método estruturalista, tão difundido na época por sua relevância metológica, podendo mencionar um expoente significativo na aplicabilidade do método estrutural, Claude-Lévi Strauss, em seus estudos antropológicos. Braudel rejeita alguns aspectos da Primeria Geração, aprofundando-se em uma concepção macro-analítica, servindo-se da Geografia para estudar a realidade física e sua relação espaço-temporal, oscilando suas posturas teóricas, abraçando em dado momento a corrente marxista que havia outrora renegado, por observar proximidade do materialismo com sua proposta teórica.
Surge então a “Terceira Geração dos Annales”, onde objetiva-se a fragmentação de análises absolutas, abrangendo o campo epistemológico através de uma “hermenêutica pluralista”, não mais dando margem a algo homogêneo, adentrando campos ainda misteriosos, como foi o caso do estudo das mulheres, o resgate de seu papel na História, feito de forma magistral por nomes de alto gabarito, como Michele Perrot.
Por esta nova postura da Terceira Geração, abriu-se espaço ao denominado pós-estruturalismo, observando-se as micro-relações, com importantes análises neste campo, podendo mencionar o filósofo Michel Foucault, além da Psico-História de Jean Delumeau, as ricas obras de Georges Duby.
Diante de tal conjuntura, a História das Mentalidades se contextualiza, a partir de necessidades, antes de ser batizada com um epíteto, possuindo indícios em momentos longínquos, revigorada por uma perspectiva de aprofundação psíquica, a própria idéia literária torna-se de suma importância, demonstrando a amplitude de se trabalhar com a episteme, além da necessidade em uma metologia que se adequa-se a novas tendências.
Assim, a História das Mentalidades torna-se um campo analítico em si, por suas próprias reflexões e discussões, sendo ou não denominada como tal, por algum tipo de preconceito em relação a sua proposta metológica ou sobre sua nomenclatura, é inquestionável sua importância e utilização no contexto histórico, o que remete ao fato de ser primordialmente relevante.
Referências bibliográficas:
BURKE, Peter. A Era Braudel. In: A Escola dos Annales 1929-1898: A Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: UNESP, 1997. p. 45-78.
_______, Peter. A Terceira Geração. In: A Escola dos Annales 1929-1898: A Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: UNESP, 1997. p. 79-107.
DOSSÉ, François. Os Historiadores do Mental. In: História em Migalhas: Nova História dos Annales. São Paulo: Editora Unicamp, 1992. p. 84-98.
VAINFAS, Ronaldo. História das Mentalidades e História Cultural. In: CARDOSO G. F. & VAINFAS R. Domínio das História: Enasios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. p. 127-137.