Trópico de Câncer (1930) - Henry Miller
“Isto não é um livro. Isto é injúria, calúnia, difamação de caráter. Isto não é um livro, no sentido comum da palavra. Não, isto é um prolongado insulto, uma cusparada na cara da arte, um ponta-pé na traseiro de Deus, do homem, do destino, do tempo, do amor, da beleza... e do que mais quiserem”. Essas são as palavras que o escritor norte-americano Henry Miller usa para classificar seu primeiro romance, entitulado “Trópico De Câncer”.
Nesta obra autobiográfica, narrada em primeira pessoa, Miller conta as experiências sexuais e existenciais de um escritor em Paris, que era considerada a “Meca dos artistas” nos anos 20 e 30. Nesse período vivendo como boêmio, o escritor sofreu privações econômicas, conviveu com outros escritores e intelectuais, se embebedava nos cafés parisienses, dormia com várias prostitutas e teve até que pedir esmolas para sobreviver. “Conheci tudo, a humilhação, a degradação, a pobreza e a fome”, escreveu.
Acusado de pornográfico, o livro foi financiado pela escritora Anaïs Nin, uma das pessoas com quem compartilhava a cama e a paixão pela literatura. Apesar de ter recebido elogios de escritores famosos como T. S. Elliot, Aldous Huxley, Ezra Pound e George Orwell, a obra causou polêmica entre os mais conservadores pela descrição naturalista das relações sexuais, sendo lançado nos EUA apenas na década de 1960, quase trinta anos depois de ser publicado na França.
José Maria Cançado, escritor e professor da UFMG, explica que uma das inquietações de Miller, “era saber o que aconteceria se abandonássemos o padrão ouro do amor. Trópico de Câncer é o romance desse abandono, da quebra da aura romanesca do amor”. O também escritor Moacyr Sciliar, acredita que esse “não é propriamente um romance, mas sim uma narrativa composta de uma seqüência de cenas fortemente autobiográficas, nas quais a pobreza abjeta, a sujeira, a doença venérea e a paixão têm papel destacado. È uma obra-prima do erotismo.”
Filho de emigrantes alemães, Henry Miller nasceu em 1891 no bairro do Brooklyn na cidade de Nova York. Abandonou muito cedo os estudos e teve vários empregos, motorista de táxi, lixeiro, coveiro, bibliotecário e vendedor de livros. Em 1924 decidiu abandonar tudo e se dedicar à literatura. Com a ajuda de June Edith Masnfield, sua segunda esposa ( Miller se casou cinco vezes), foi para Paris tentar a nova carreira. A Segunda Guerra mundial o levou de volta aos EUA, em 1939, logo depois da publicação de “Trópico de Capricórnio”.
A convite do escritor Lawrance Durrel, passou seis meses na Grécia, e escreveu “O Colosso de Maurossi”. Ao retornar para os Estados Unidos, viajou todo o país, originando em “O Pesadelo Refrigerado”, que denuncia os EUA como “um deserto espiritual e cultural”. Radicou-se em Big Sur, Califórnia, onde foram jogadas suas cinzas, quando morreu em 1980, em Los Angeles. Após uma série de processos judiciais, sua trilogia autobiográfica, Sexus (1949), Plexus (1952) e Nexus (1959) foi liberada em 1964.
Miller só alcançaria a celebridade, ao ser descoberto pelos jovens rebeldes dos anos 60, com quem comungava as idéias de liberdade individual, sexual e a aversão à hipocrisia burguesa.