As Diversas Faces do Liberalismo no Império
Em meio a duas esferas distintas, de certa forma dicotômicas – reformadores e conservadores – compondo a “novidade” chamada Liberalismo, temida pelos segundos e utilizada como estandarte pelos primeiros, servindo de interesse a ambos.
Para comerçamos uma tentativa de compreensão acerca do tema, devemos a priori observar como tais ideias eram absorvidas dentro da contextualização, compondo a conjuntura de um Brasil Imperial. Tratamos do Brasil sob a regência de um monarca lusitano e uma elite que desejava emancipação política de Portugal, ou seja “renovação”, por compreenderem-se enquanto membros de uma aristocracia portuguesa e desejosos em manter a ordem vigente, assim como ambos possuíam interesse em não alterar o quadro socioeconômico, pelas vantagens proporcionadas por tais relações.
Em relação a forma como tais conceitos tornaram-se conhecidos, deve-se mencionar a formação coimbrã, onde tanto a elite brasileira – de indivíduos nascidos no território brasileiro – quanto a elite portuguesa, tiveram formação na conceituada Universidade de Coimbra, absorvendo ideias que espalhavam-se pela Europa, não podendo deixar de mencionar a Revolução Vintina do Porto em 1820, onde exaltava-se o ideal de liberdade e fim do antigo regime.
Para sistematizar a análise, propõe-se uma tríade conceitual, a princípio apresenta-se o conceito de Liberdade, que aparece na tentativa de atender duas formas de Liberalismo que emergiram no Brasil, a de reformadores e conservadores, onde o liberalismo reformador apresenta-se voltado ao indivíduo, sob os auspícios da soberania do mesmo em relação a esfera pública, não pressupondo a deposição do monarca lusitano, mas a busca por uma harmonia entre público e privado.
A definição de liberdade é abrangente, chegando à livre ação, onde o indivíduo exerce o que deseja e como deseja, embora a praticada no período imperial seja considerada “moderada”, conforme regência da lei, mantenedora da ordem, sob o agrado de uma ótica conservadora, não desagradável também aos reformadores, além de atender a influência perceptível das ideias de Montesquieu, deturpadas, assim como de outros autores de influência na época, como Edmund Burke, Condilac, Benjamin Constant, etc., utilizando-se a argumentação de tais teóricos conforme a conveniência de cada grupo político.
O segundo conceito, Liberal, atende duas vertentes liberais - embora sua amplitude não seja mensurável apenas em tal dualidade -, primeiramente entre os conservadores, seguindo uma linha de continuidade política, favorável as vantagens de um poder duradouro e uma permanência com intuito de manter a ordem, distanciado-se do ideal reformador, considerado pelo conservadorismo como anarquista, além de serem associados a teóricos considerados perturbadores da ordem, Rousseau e Voltaire eram exemplos de autores repudiados no ciclo conservador.
No sentido reformador, o conceito Liberal é voltado a não subjugação do cidadão a um monarca, considerando a capacidade do indivíduo em tomar decisões, assim como, eleger seus representantes de forma consciente, gozando de sua liberdade pública, favorecendo a liberdade de imprensa a posteriori, embora a imprensa tenha sido divulgadora da ideologia de ambos os grupos.
O terceiro conceito da tríade, denominado Liberalismo, também serve a dicotomia política, trazendo no bojo a Revolução Francesa e diversas outras transformações que tornaram-no almejado e repudiado.
O Liberalismo conservador propunha o povo sujeito ao poder do monarca, sendo livre ao submeter-se a tal autoridade moderadora, considerando a priori uma primazia dinástica, o que remete-nos a lógica hobbesiana de abdicação em nome do poder soberano, partindo da premissa de que o bom deve permanecer.
O Liberalismo reformador aparece outorgando ao povo o poder, relegando o monarca a vontade popular, criando autonomia à esfera pública enquanto detentora do poder político.
Observa-se em ambas as vertentes a figura do monarca, criando diferenciação em esferas de classes em que umas são subordinadas, outras subordinam e uma terceira parcela torna-se excluída. Temos um Liberalismo que busca revolucionar sem fazer uma revolução de fato, procurando transformar através daquilo que conserva, emancipando-se sem o rompimento drástico, onde mesmo o monarca adota os novos ideais e demonstra-se até certo ponto, contrário a sua própria origem.
Conforme exposição da autora Lúcia Maria Bastos P. Neves:“Os pincipais valores da cultura política do mundo luso-brasileiro eram então definidos. O principal esforço direcionava-se no sentido de introduzir reformas – mais do que patrocinar revoluções. Aceitava-se, portanto, uma monarquia constitucional, em que uma elite de talentos era capaz de orientar a opinião pública; uma liberdade ligada à ordem; e um igualdade regulamentada pela lei.”(NEVES, 2001:90)
Conclui-se, que o Liberalismo até esboçava uma conotação de “modernidade”, mas não se permitia estrapolar a força do conservadorismo tradicionalista, que mantinha a estabilidade de uma sociedade em ascensão.
Referência Bibliográfica:
NEVES, Lúcia Maria Bastos P. Liberalismo Político no Brasil. In: O Liberalismo no Brasil Imperial. Lúcia P. Guimarães (org.). Rio de Janeiro: Revan, 2001.