Uma História Material
Quando Karl Marx e Friedrich Engels formularam uma crítica acerca da ideologia alemã, associada a uma contraposição em relação a teoria de Feuerbach, não desvencilharam a História, demonstrando um materialismo que perpassava o desenvolvimento histórico.
A princípio, expuseram uma História atrelada à materialidade, tendo em vista a necessidade de uma produção que permite ao “homem” subsistir, denominada “produção da vida material”, tomada como fato histórico, tendo-a como cerne de qualquer concepção histórica, o que os autores apontam como déficit da concepção histórica alemã que não dispunha de tal base telúrica.
Em segundo plano, observaram que satisfeita a necessidade básica de subsistência material, bem como o ato de satisfação e os intrumentos adquiridos em decorrência deste processo, o próximo passo advém de novas necessidades insurgentes, que seriam denominadas “ato histórico”, num continuum de transformação materializante, servindo de apanágio a uma meta de caráter físico, porque não dizer meta física.
Como terceiro aspecto desta materialidade histórica, Marx e Engels mencionam a necessidade de uma produção orgânica, feita sob os auspícios de uma prática reprodutora humana, como necessidade básica de uma atividade social, criando uma perspectiva pautada na denominada “família” que invejaria Sigmund Freud por uma praxis libidinosa, que não é fator inovador, levando em consideração o chamado “Antigo Testamento” cristão, que já proferia a máxima “crescei-vos e multiplicai-vos”.
A partir dos três aspectos mencionados acima, os autores criaram uma tríade de compreensão basilar da história humana, com uma dicotomia jusnaturalista que abrange a relação natural (produção material) e a relação social (produção orgânica), correlacionando modo de produção e estado social, gerando uma cooperação entendida como “força produtiva” determinante ao estado social em uma etapa final de compreensão.
Nesta transformação material o homem desenvolve uma consciência advinda da relação mantida com a materialidade, manifesta na linguagem, que os autores chamam de “consciência real”, por um empirismo expositor do estado consciente humano, criando um intercâmbio sócio-cultural. Sendo mácula de um ideal descartiano, corroborando o processo materializante de composição do homem em relação ao meio, a linguagem resulta em um comprometimento social de relações entre entes em paridade no que se refere ao desenvolvimento biossocial, além de uma transmissão da própria materialidade linguística que traz à baila uma perspectiva saussureana.
Existe, segundo Marx e Engels, influência sobre o homem de uma consciência da natureza puramente animal, denominada “religião da natureza”, - remetendo a uma herança rousseauniana - que a posteriori, fomentaria no sujeito uma limitação relacional ao estado natural que regularia o desenvolvimento de ordem social, atendendo uma necessidade de consciência gregária vinculada às disposições naturais de uma materialidade existente.
No tocante a divisão do trabalho, observa-se uma dicotomia entre trabalho material e intelectual, criando um conflito entre forças produtivas e relações sociais, resultando em um modelo tripartite composto de força produtiva, estado social e consciência, sendo que este terceiro fator consciente estaria usurpando para si uma legitimação manifesta como status supra, fomentando a desigualdade.
Apresentando a desigualdade como consequência de uma sobreposição conscienciosa do homo intellectus, ao mesmo tempo emergindo uma crítica mordaz a escola hegeliana, indo aos recônditos primevos das sociedades paternalistas com exploração escrava, concebendo posteriormente uma atividade (divisão do trabalho) que tem como resultado um produto (propriedade privada).
Dois modelos sociais são criados, o primeiro de interesse comum, ordem de produção coletiva, com possível mobilidade funcional em decorrência da necessidade social, ao contrário, o segundo modelo possui carcaterísticas de ordem particular, com esferas exclusivas e determinadas pela divisão do trabalho, condicionando o sujeito a uma função que garantirá sua subsistência privada.
Para Marx e Engels, o conflito entre público e privado resultou na necessidade coletiva do “Estado”, que seria uma unidade à parte em relação aos interesses em atrito, ao mesmo tempo atendendo a demanda de uma regulamentação social, englobando os laços existentes em cada agrupamento, o que promoveria uma disputa entre classes formadas a partir da divisão do trabalho, que aspiravam usurpar o poder regulador e estabelecer uma dominação mesmo em detrimento de uma tradicional forma social outrora consolidada.
Em meio a uma sujeição coletiva de interesses privados, existiria a necessidade de utilização do poder coletivo simulado (Estado), concebendo um estado natural de cooperação que remonta aos contratualistas, com perspectiva de desenvolvimento da força produtiva em escala mundial, o que promoveria um depauperamento que corroboraria a quebra de tal estrutura divisória, com uma necessidade coletiva que remontaria a ideais primevos de coletividade, despertando o homem do estado alienante em que se encontrava, despindo-o do apanágio ficcional de regulamentação que parte de uma sistematização racionalizante.
Talvez influenciados por uma tendência romanesca característica do Século XIX, Marx e Engels elaboraram sua utopia comunista que remonta aos filósofos gregos e acompanham os ideais de um desenvolvimento civilizatório, perpassando por Thomas More, agregando valores jusnaturalistas, contratutalistas, até chegar em sistemas coetâneos ao autores alemães, como positivismo e naturalismo.
Por fim, compreendida como conjunto das relações materiais dos indivíduos em estágio determinado de desenvolvimento das forças produtivas, teremos a preeminência da “sociedade civil”, - conceito diretamente ligado a concepção dialética exposta por Hegel na obra “Elementos da Filosofia do Direito”, sendo macro-comunidade (estado) e micro-comunidade (família) - responsável direta pelo intercâmbio social, delimitando as relações humanas em seu cerne.
Referência Bibliográfica:
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Introdução: Jacob Gorender tradução: Luis Cláudio de Castro e Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1998. (Clássicos) p. 21-34