Quase Memória - Carlos Heitor Cony
Resolvi fazer uma resenha um pouco diferente, sair um pouco do padrão chato das resenhas em geral (não todas), e contar a história do livro. Não a que se passa dentro dele, mas a história dele próprio.
Antes de Quase Memória, a outra única criação de Cony que eu tinha lido era um conto chamado "O Crime e o Burguês". Li e reli, indiquei e "reindiquei" inúmeras vezes em um período de aproximadamente cinco anos. O conto, recheado de inteligência e um finíssimo bom humor, sempre foi um dos meus favoritos. Por culpa desse conto, senti uma irresistível (e inadiável) vontade de comprar o livro, assim que o vi girando em uma daquelas prateleiras itinerantes cilíndricas que as bancas possuem. Afinal, eu também devia, havia tempos, uma leitura nacional em minha memória literária. E é claro, não me arrependi.
Em um primeiro momento o livro, tímido em minha cabeceira, batalhava o seu espaço entre outros livros de peso: A Casa dos Budas Ditosos (João Ubaldo Ribeiro), Os Sofrimentos do Jovem Werther (Goethe) e O Livro do Riso e do Esquecimento (Milan Kundera). Como de costume, como todas as vezes que eu compro livros, leio pelo menos um pequeno pedaço da introdução. Ali, de certa forma, o livro já me fisgou. Tímido mas direto nas idéias, me afeiço-ei ao seu estilo. Mas era só o primeiro capítulo.
As páginas foram se passando, como se passam os anos de uma vida, e o livro foi, ali na mesma cabeceira, conquistando sua importância, e se prostando acima dos outros livros como quem sobe ao primeiro lugar do pódio. O personagem central desse livro, e seu coração, é o próprio pai do autor, Ernesto Cony Filho. Seus projetos loucos, suas manias, sua coragem e seu amor, tanto pelos próximos quanto pelas pequenas coisas da vida, nos sugam para dentro do livro, para perto dos fatos, como se observássemos tudo de perto, escondido atrás da cortina da casa de Cony. Torcemos juntos, aprovamos, desaprovamos, mas o principal, aprendemos com as lições desse pai, que deixa de ser o pai de dois filhos, para ser o pai de inúmeros (todos que o lêem.)
Carlos Heitor Cony é os olhos e o pulmão do livro. Nos diverte e cativa com suas lembranças e seu modo de ver o pai, contando, entre fatos históricos, as grandes aventuras de sua vida em simbiose com a do pai. Seu fôlego, incansável.
O livro foi chegando ao fim e, junto, a história do pai. Enquanto eu lia aquele livro o pai permanecia vivo também em meu dia-a-dia. O medo de terminar o livro era o mesmo de terminar a minha aventura ao lado daquela família tão peculiar. Isso me fez ler mais devagar, saborear mais lentamente aquelas lições de vida. Mas era inevitável. O fim do livro chegaria, como chega um fim para todos nós. Assumi o risco de gostar muito do livro, e tive de tomar coragem para terminá-lo.
Relutante nas últimas páginas, acabei por chegar à derradeira. Acabado o livro, fiz o mesmo movimento que faço quando acabo ótimos livros, e me acompanha o movimento de fechá-lo: dei um largo sorriso satisfeito.
O pai, Ernesto Cony Filho, torna-nos orfãos de sua inigualável companhia, e a Quase-Memória de Cony torna-se, para todos nós, Memórias-Completas inesquecíveis de um amor inesquecível entre pai e filho.