Cem anos de solidão - (1967) - Gabriel García Márquez
Para escrever Cem Anos de Solidão, obra que projetou internacionalmente o chamado “realismo mágico” latino americano, Gabriel García Márquez, 75, foi buscar inspiração em sua cidade natal, Aracataca, no norte da Colômbia.
Nesse livro que mistura ciganos, fantasmas, índios, piratas, guerrilhas revolucionárias e lugares misteriosos, o colombiano conseguiu fazer um corte profundo na jugular dos EUA, ao denunciar de uma forma alegórica suas políticas de exploração dos recursos naturais e das propriedades intelectuais do “resto” do Planeta.
Como pano de fundo para essas denúncias, o autor criou Macondo, uma aldeia de vinte casas de barro e taquara que não tinha nenhuma comunicação com o mundo. Mas depois que um americano de passagem pelo lugar foi convidado por um habitante da vila para comer bananas, o pequeno vilarejo acabou se transformando em um “galinheiro eletrificado, povoado de forasteiros e milhares de casas com telhado de zinco”.
Em um universo de lendas e personagens míticos, o escritor que faz uma junção de jornalismo e reportagem como fontes principais para sua literatura, conseguiu elaborar uma espécie de livro-reportagem de ficção. “Não há uma única linha do que escrevo que não tenha como ponto de partida a realidade”, a partir dessa famosa afirmação de Márquez, podemos comparar a trajetória de Macondo, com qualquer cidade da América Latina, com seus políticos corruptos, sua violência e sua miséria.
E é em torno dos Buendía, uma família condenada por uma força inexplicável a viver cem anos de solidão, que se concentra o foco central da narrativa. O autor é capaz de prender o leitor para sempre, logo nas primeiras páginas. Mas no caso de Cem Anos de Solidão, a hipnose acontece já no primeiro parágrafo. “Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo”.
García cursou dois anos de direito em Bogotá (1947 1948), época em que publicou seu primeiro conto, mas trocou o direito pelo jornalismo. De acordo com Rafael Vogt Maia, o "realismo mágico" de Márquez, além de ter origens na maneira eloqüente com que sua avó lhe contava histórias, está ligado também a sua carreira de jornalista. Em 1955, viajou para a Europa como correspondente do El Espectador. No final dos anos 50, de volta às Américas, trabalhou em Caracas (Venezuela) e em Nova York, onde dirigiu a agência de notícias Prensa Latina.
É autor de alguns dos maiores romances do século XX. Em 1960, na cidade do México, começou a escrever roteiros para cinema e publica seu primeiro livro de ficção, Ninguém Escreve ao Coronel. Costuma declarar que “a profissão de repórter lhe rendeu recursos descritivos e uma inclinação para lidar com os fatos como se o jornalismo mantivesse um sentido comum ao registro literário”.
Em 1999, retorna ao jornalismo, quando passa a dirigir a revista Cambio. Em 2001, publica Viver Para Contá-la, primeiro volume de sua autobiografia. Entre suas obras se destacam: Crônica de uma Morte Anunciada (1981), O Amor nos Tempos do Cólera (1985), O General em Seu Labirinto (1989) e Notícias de um Seqüestro (1996).
Harold Bloom, crítico de literatura e escritor, analisa que “a quantidade de vida, em cada página de Cem Anos de Solidão, ultrapassa a nossa capacidade de absorção. Mas tudo é história no livro, tudo o de concebível e inconcebível acontecendo ao mesmo tempo, da criação ao apocalipse, do nascimento à morte”. Bloom salienta ainda, que uma das principais qualidades do livro, é que ele “não exige proezas de interpretação, é um romance que faz por merecer sua popularidade, não apresentando dificuldade alguma de contato”.
As experiências da infância na Colômbia, onde o autor conviveu com a avó supersticiosa, o avô ex- militar, as tias e suas crenças em fantasmas, serviram de espelho para o autor criar o “fantástico” clã dos Buendía, que geração após geração, lutou para enfrentar “uma realidade difícil, truculenta e a beira da destruição”. A mesma situação enfrentada por milhões de famílias em toda a América Latina, vitimas da nojenta subserviência dos governantes latinos ao capital estrangeiro e de anos de uma política de “exploração do homem pelo homem”.