“Glauber Rocha - Esse vulcão” – Joca Gomes
Poucos Brasileiros tiveram uma projeção internacional tão polêmica e foram tão combativos e revolucionários quanto o cineasta Glauber Rocha. Nascido em 1939, na cidade de Vitória da Conquista no sertão da Bahia, desde pequeno, o garoto viveu em um ambiente povoado por jagunços, cangaceiros, cegos repentistas e pobres camponeses, personagens de sua vida real que tiveram a fome, a miséria e a angústia nordestina como pano de fundo.
Aos doze anos de idade, o menino curioso e de imaginação febril, já era um leitor voraz das obras de Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Euclides da Cunha e principalmente, Castro Alves. Ele costumava afirmar que esses autores além de terem dado ao negro seu lugar de força no romance brasileiro, conseguiram levantar a tragédia do nordeste “com realismo, romantismo, lirismo e, sobretudo com um caráter documental”.
Esses cinco escritores, junto com os cineastas Felini, Rosselini, Bertolucci, Buñel, Visconti e Eisenstein foram fundamentais para a formação teórica do Cinema Novo, que teve Glauber como sua principal liderança e mentor intelectual. Fundado no início da década de sessenta, esse foi um movimento formado por jovens mal saídos da casa dos vinte anos, que se reunia nos bares do Catete, de Copacabana e do centro do Rio de Janeiro (no bar Amarelinho Glauber conheceu Cacá Diegues), para discutir uma revolução no panorama cinematográfico brasileiro. A principal estratégia do grupo era fazer filmes baratos, antiindustriais, bárbaros, radicais e polêmicos.
“Um cinema sem fronteiras de língua e problemas comuns, que levasse todas as experiências no sentido de educar o expectador e analisar a realidade do país”, escreveu Rocha. Eram filmes perturbadores e de armas nas mãos contra a fome e a ignorância, denunciando a miséria social, a corrupção política e os privilégios das elites parasitárias. João Carlos ressalta que poucos movimentos culturais coletivos no Brasil podem igualar-se ao Cinema Novo, não só pela relevância de seu acervo, como pela amplitude e abrangência do projeto que sustentou. Nelson Pereira dos Santos e Arnaldo Jabor também faziam parte desse grupo.
Mas até hoje os adversários do Cinema Novo o denunciam como um movimento contraditório. O autor diz que a principal causa disso, é que ele (Cinema Novo) quis assumir uma atitude de independência, traduzido na realização de filmes de denúncia social, ao mesmo tempo em que buscava obter financiamentos e verbas para produções negociando com a ditadura militar (64- 84), através do Ministério da Educação e da Embrafilme.
Em uma palestra feita em Nova York, no ano de 1971, que recebeu o nome de “Estética da Fome”, Glauber disse que “de Aruanda a Vidas Secas, o Cinema Novo narrou, descreveu, poetizou, discursou, analisou e excitou os temas da fome: personagens comendo terra, personagens roubando para comer, personagens sujos, feios, descarnados, morando em casas sujas e escuras: foi esta galeria de famintos que identificou o Cinema Novo, com o miserabilismo tão condenado pelo governo, pelos produtores e pelo público; este último não suportando as imagens da própria miséria”.
Apesar de gênio rebelde e criador compulsivo, Glauber também foi um homem com as falhas e as particularidades da condição humana. Até hoje é uma incógnita o que realmente o levou ter apoiado os governos ditatoriais de Ernesto Geisel (74-79) e de João Batista Figueiredo (79-84), mesmo depois de ter passado quase seis anos exilado fora do país (71–77).
Sua existência foi marcada pelo império das idéias, e pensava com veemência tal, que o fulgor de suas idéias tinham a mesma intensidade das grandes crepitações. Era um artista corajoso, adversário ferrenho da mentira e da hipocrisia. Teve brigas históricas com diversas personalidades brasileiras, entre elas Ziraldo, Paulo Francis, Jaguar e Gabeira, a quem chamou de “babaca, mau-caráter e puxa-saco do Pasquim e do Caetano Veloso”. Daí seu apelido de vulcão.
João Carlos acredita que a própria vida de Glauber daria um movimentado filme “repleto de heróis, vilões, mocinhas, rasgos líricos e épicos, atitudes inebriantes e funduras inquietadoras, movida, como foi, por solicitações extremas e conflituosas”. Antes dos trinta anos já havia criado obras primas da categoria de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969). Filmes que foram premiados nos maiores festivais de cinema do mundo, como Cannes e Berlim.
A obra de Glauber teve para o cinema, o mesmo impacto revolucionário que os quadros de Picasso tiveram para as artes plásticas. É só comparar a genialidade e a agressividade de Deus e o Diabo com Guernica (quadro pintado em 1942, onde o pintor espanhol retrata os horrores da guerra). O toque filosófico e surreal de suas películas, o “mensageiro do delírio” (como era chamado por seu companheiro de prisão em 1964, Carlos Heitor Cony), foi buscar quando ainda era adolescente, nas leituras de Nietzsche, Alan Poe, Dickson, Bacon, Platão, Sócrates, Aristóteles, Hemingway, Hesse e Brecht. Sem falar na admiração que tinha por Dalí, Van Gogh, Di Cavalcanti e Portinari.
Inconformado com as desigualdades sociais, Glauber foi um defensor dos trabalhadores, cuja situação de penúria o amargurava, derivando-se também daí a obsessão pelos problemas da terra, que tanto caracterizavam seus filmes. A viagem que fez junto com João Carlos em 1958, pelo sertão nordestino, passando por Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Bahia, foi essencial para sua filmografia. Os dois amigos sentiram na pele o atraso, as carências e os dramas dos nordestinos castigados pela seca e pelo descaso dos governantes. Glauber pôde estudar pela primeira vez in loco a realidade do Brasil amargo.
Nessa viagem, ele foi buscar elementos característicos da região e nela efetuar pesquisas de campo. È por isso que sua obra está encharcada de elementos brasileiros autênticos, mesmo quando trabalha com os dados da imaginação.
Antes de fazer seu primeiro filme curta-metragem Pátio (1959), Glauber que havia abandonado a faculdade de direito, recebeu do jornalista comunista Ariovaldo Matos, a missão de selecionar alguns amigos que tivessem vocação para o jornalismo para trabalhar no recém fundado Jornal da Bahia. Rocha então chamou ninguém menos do que seu futuro biógrafo João Carlos, o escritor João Ubaldo Ribeiro, o artista plástico Calazans Neto e Tom Zé. Juntos, os amigos fizeram uma verdadeira revolução no jornalismo baiano, inovando desde o uso do lead até na ousadia do projeto gráfico.
Parte II
João Carlos defende que Glauber poderia ter ganho muito dinheiro com filmes compreensíveis, lógicos, certinhos ou lineares. Para ele, no entanto, o essencial era lançar sobre o espectador um jorro de imagens inesperadas, instigá-lo, levando-o a refletir por si próprio diante do insólito. Para justificar sua permanente predisposição para o novo, ele não queria o expectador indefeso ou passivo, estático em sua cadeira como um receptor intimidado, traduzindo uma “atitude mental de macaco treinado”. Glauber improvisava em tudo, como um obstinado. Ele dizia que achava melhor “um susto de beleza a uma calma aparência”.
Um de seus lemas preferidos era “arte para o povo, a favor do povo, sim, mas preservando o papel da linguagem acima de tudo”. Freqüentemente ele gostava de citar o poeta russo Vladimir Maiakóvski (1893-1930), “sem forma revolucionária não existe arte revolucionária”. Indo morar definitivamente no Rio de Janeiro em 1962, gostava de ficar em casa estudando. Freqüentou os bares da moda no Rio pela necessidade de ampliar seus conhecimentos e de fazer contatos com outros intelectuais, consolidando sua vocação autodidata. Aprendeu a falar e escrever com desenvoltura, francês, italiano e espanhol, inglês nunca. Dormia cedo e acordava em plena noite, costumando escrever seus longos textos entre as três e as nove da manhã.
Na abertura da conferência da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizado no hotel Glória, no Rio, em 1965, na chegada do presidente Castelo Branco, Glauber, Carlos Heitor Cony, Flávio Rangel, Antônio Callado, Márcio Moreira Alves, Joaquim Pedro de Andrade, Mário Carneiro e Jaime Rodrigues levantaram uma faixa com dizeres contra a ditadura, sendo imediatamente presos. Cony que dividiu a cela com o cineasta relata que “Glauber já havia levantado a produção de Terra em Transe e estava escrevendo as cenas. Ele escrevia lá na prisão, em papel de embrulho”.
Seu ritmo desarticulado de vida, não lhe permitia constituir família em bases estáveis. Se em um primeiro momento a sua inteligência e energia funcionavam como elementos de sedução, com o correr dos anos os deslocamentos permanentes e a imersão nos seus projetos iam-no afastando progressivamente das amadas. “Eu gosto de mulher e toda minha atividade é violentamente interrompida por esses romances desequilibrados que surgem”, escreveu Glauber em uma carta para um amigo.
“Amava como os demais jovens, mas amava com mais requinte”, relata João Carlos. Às amadas gostava de recitar-lhes poemas e escrever cartas. Desde cedo, Glauber mostrava uma certa inclinação ao romantismo. Em uma carta ao seu tio Wilson em 1953, aos quatorze anos dizia:
Quero amar como no século passado: romance ardente e perigoso.
Casou-se uma vez em 1959, com Helena Ignês, com teve Paloma de Mello e Silva Rocha. Esse romance abalou os costumes da provinciana Bahia da década de cinqüenta. Conscientes e libertos, eles assumiram uma atitude de desafio. Dormiam, viajavam juntos, e faziam amor na praia de Itapuã, nas areias do Abaeté, no forte São Marcelo, em Itaparica e no Rio Vermelho.
Depois conheceu Rosa Maria Penna, em uma palestra na PUC do Rio, em 1962, do qual Glauber era um dos palestrantes falando sobre o cineasta espanhol Luis Buñel. Foi uma de suas relações mais duradouras. Ligava-os não apenas o gosto pelo cinema, mas a afinidade de leituras, o mesmo interesse pela literatura e pelas artes em geral. Desejosos de conhecer o novo, se enriqueceram cultural e existencialmente. Através dele, Rosa conheceu Visconti, Godard, Rossellini, Renoir e Buñel. Unia-os ainda o mesmo amor pelos museus da Europa, onde se demoravam pelas tardes.
Também namorou Regina Rosemburgo, Maria Sopeña e Paula Gaetán, com quem passou seus últimos anos e com quem teve dois filhos, Erick Aruak e Ava Pátria Índia Iracema. Glauber teve um filho (Daniel Jardim) com Marta Jardim, e outro com Maria Aparecida, chamado Pedro Paulo. No total foram cinco filhos. Houve uma fase em que Glauber se dividiu entre voltar para Salvador e ser um professor universitário, ou continuar em um ritmo aventureiro, impelido pelo seu sonho de cinema.
Parte III
Para Glauber, o cinema não era apenas uma fuga à realidade, mas uma forma de questioná-la e tentar modificá-la pela análise e pela denúncia. Em um artigo chamado “Tricontinental 67”, ele fala de seus filmes como um “cinema político, um cinema contra (...), e um cinema de guerrilha que em suas origens é brutal, impreciso, romântico e suicida, mas que se fará épico e didático”.
Seu primeiro longa-metragem foi "Barravento" (1961), O jornalista Alberto Morávia, diz que "trata-se de uma obra na qual o autor soube sentir a magia afro-brasileira como algo de vivo, profundo, justificado e poético; assim é que, ao passo que a ideologia progressista é o nervo da trama e sua razão de ser, tudo o que há de belo no filme vem da magia sentida como uma realidade fascinante e humana, se bem que historicamente condenada".
Filmado em Salvador, "Barravento" mostrou "as grandes praias batidas pelo oceano e contornado pelas palmeiras", Glauber sentiu esse ambiente natural com a mesma vivacidade e a mesma autenticidade com que os homens que ali vivem. È uma obra nacional-brasileira, inspirada em Einsestein e na ópera de Modest Mussorgsky.
A primeira exibição de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", aconteceu em março de 1964 no cinema Ópera, em Botafogo, no Rio. Esse filme é a literatura de cordel, mais o conhecimento do nordeste que tinha acumulado na viagem de 1958 e das leituras de José Lins do Rego. Contou, em seguida, que estava inspirado por Villa-Lobos, particularmente pela Bachiana n° 9. Forte também, foi a influência de Brecht sobre Glauber, que ele reconhecia poderosa, confessado ter ido a Berlim especialmente para vê-lo interpretado pelo Berlenier Ensemble.
Sua participação em "Sarney 66", um documentário que fez sobre a vitória de José Sarney nas eleições ao governo do Maranhão em 1966, foi um passo para a compreensão dos bastidores da política brasileira, que o repugnaram até o fim da vida. Esse foi um importante subsídio para a produção de "Terra em Transe" (1967).
Glauber consolidou sua imagem com o lançamento de "Terra em Transe", e seu nome começou a ganhar projeção internacional. O filme mostra a fictícia Eldorado, uma metáfora do Brasil, com seus líderes políticos, e sua tradição de corrupção. Um país injusto, dominado pelo latifúndio e pelos interesses das classes privilegiadas.
Em 1967, Luis Carlos Barreto e Glauber foram tentar a liberação de "Terra em Transe" com o coronel da censura. Ao chegar no local, o coronel disse que ia processar Glauber por tê-lo chamado de nazista. O militar tirou do bolso um recorte, e quando viu a declaração havia sido feita pela atriz campo-grandense Glauce Rocha.
"Terra em Transe" é o desenvolvimento natural de "Deus e o Diabo", diria, explicando que, afinal, “as pessoas chegam ao mar”. Foi influenciado pelo livro "Contos de Maldoror", do poeta franco uruguaio Leautréamon, por ter sido marcado pelo “realismo do vômito” provocado pelo livro, enfim a mesma reação de náusea e angústia diante de situações que precisavam ser mudadas, se necessário pela violência, que é o processo revolucionário de transformações efetivas, o único que “permanecerá”, pois a “violência é o caminho da revolução”.
Sobre "Terra em Transe", Glauber explica “que a política brasileira é verdadeiramente um carnaval. A civilização brasileira é decadente, Nós somos realmente pobres, estéreis e preguiçosos, de grande incapacidade artesanal e de uma energia irracional que acaba, então, sempre no vazio. Tentei fazer com que o filme seja a expressão desse carnaval e do meu nojo violento diante da situação”.
"Terra em Transe", segundo João Carlos, efetivamente confere às manifestações dos políticos brasileiros em seu contato com o povo sofrido, humilhado e enganado, uma encenação carnavalesca, não raro semelhante aos desfiles das escolas de samba ou às grandes concentrações do carnaval baiano.
Glauber filmara Terra, movido por um grande sentimento de repulsão. “Todos os planos são feios, porque se tratam de pessoas prejudiciais, de uma paisagem podre, de um falso barroco. O roteiro me impedia de chegar a espécie de fascinação plástica que se encontra em Deus e o Diabo. Usei a câmera na mão, de modo flexível, para sentir a pele dos personagens. Procurei um tom documental, fui, por exemplo, consultar arquivos de jornais para ver fotografias de políticos. As cenas derivam de um “surrealismo concreto” (expressão de Pablo Neruda).
Depois de "Terra em Transe", ganha relevo a figura de um jovem cineasta revolucionário, que diz de frente aos europeus coisas incômodas sobre o colonialismo, lançando-lhes aos olhos as imagens.
No Congo em 1970, ele filma “o Leão de Sete Cabeças”, uma história do colonialismo euro-americano na África. Glauber dizia que O Leão era uma epopéia africana, preocupada em pensar do ponto de vista do homem do Terceiro Mundo, por oposição aos filmes comerciais que tratam de sáfaris. “É uma teoria sobre a possibilidade de um cinema político”, dizia.
Ainda em 1970, o cineasta filma na Espanha “Cabezas Cortadas”, segundo Glauber, “é um filme sobre as ditaduras, é o funeral das ditaduras. Trato de um personagem que seria o encontro apocalíptico de Pèron com Franco, nas ruínas da civilização latino-americana”. As imagens foram captadas nas pedras de Cadaqués, onde Buñel filmou “L’age d’Or”. Esses filmes tiveram pouca aceitação crítica, impopulares, mas representando seu compromisso ideológico de se fazer um cineasta não apenas do Brasil, mas do terceiro mundo.
Em 1971 Glauber deixa definitivamente o país, no exílio ele vive uma fase criativa e faz importantes contatos, sua permanência foi tomada por “História do Brasil”. Segundo Glauber, “uma monumental obra literária, 750 páginas; um trabalho científico. Não existe uma versão integrada de todos os aspectos da história do Brasil, tudo que encontrei foram versões setorizadas, nos livros de Euclides da Cunha, Sérgio Buarque, Celso Furtado e Darcy Ribeiro. Esse livro acabou virando um filme feito em Cuba e na Itália em 1974, e que contou com a ajuda do líder estudantil Marcos Medeiros, um dos cabeças da famosa passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro em 1968.
João Carlos Teixeira Gomes dizia que Glauber não fazia apenas filmes de cineasta, mas também de sociólogo e antropólogo, tríplice condição que se harmonizava na sua visão do Brasil. “Ele não queria Ter nas mãos um fuzil ou uma metralhadora, mas sim uma câmera de filmar”. O autor volta a ressaltar que se Glauber fizesse algumas concessões, sem dúvida poderia ter ficado rico. “Mas, entre tantas alternativas importantes, admitiu apenas levar adiante a sua experiência de cinema libertário, preparando-se para denunciar o colonialismo e a opressão política, mais uma vez, com o projeto obsessivo de “A Idade da Terra”, um filme que tinha uma “visão alegórica de um Brasil que busca sua identidade própria em meio ao complexo jogo político e à diversidade racial que compõem o país”.
Entre 1971 e 1976, Glauber viajou muito para filmar, participar de festivais, congressos e retrospectivas. “Ficou solto no mundo, vivendo em terras estrangeiras, sem pouso e teto fixo. Viramundo dominado pela neurose, pela angústia e pelo sonho do cinema revolucionário”. Sua volta ao Brasil foi articulada por Jorge Amado em 1976. Depois da morte brutal de sua irmã Anecyr em 1977, que caiu no buraco do elevador do prédio onde morava e de seu pai Adamastor em 1980 e, no mesmo ano, o fracasso de “A Idade da Terra”, no festival de Veneza, “fizeram Glauber desabar, sofrendo traumas violentos, que progressivamente conduziram ao esgarçamento de sua personalidade”.
Em Veneza venceu “Atlantic City” do francês Louis Malle, no júri estavam Visconti e Umberto Eco. “Glauber enfrentou sozinho e heroicamente, a azeitada máquina do cinema internacional, ponta de lança do imperialismo cultural”.Segundo Glauber, o perigo do cinema estadunidense por ele qualificado como “cultura de dominação”, era servir como um meio de fuga para um paraíso de infelizes, de frustrados, de impotentes, de vítimas de um sistema que os oprime e ao mesmo tempo lhes oferece um paliativo na sala escura, onde o fracassado anestesia a sua vida.
Depois da volta do exílio, ele revelou um certo descontrole emocional que as vezes beirava a paranóia. “Sentia-se vítima de um complô geral, uma conspiração sinistra que não tinha fim e do qual participavam inclusive antigos amigos”. Numa carta escrita em 1978 para Jorge Amado, Glauber dizia: “não durmo, tenho sonhos loucos. Grito como vulcões. Pressinto a morte como Castro Alves. Falo muito, ninguém me suporta”. Glauber costumava dizer aos amigos que como Castro Alves morreu aos 24 anos, ele iria morrer ao contrário, com 42. Seu pressentimento se confirmou, e Glauber morreu em 22 de agosto de 1981, vítima de uma pericardite viral. Seu corpo foi velado no Parque Lage, cenário de um de seus grandes sucessos, Terra em Transe.
João ressalta que “Glauber tinha uma disponibilidade anárquica pela afirmação voraz da sua individualidade, pelo fervor com que defendia suas idéias, pela capacidade às vezes sobre-humana de confrontação e ataque quando provocado. Jamais foi um intelectual de gabinete”.
Mas depois de toda essa discussão, como podemos mudar a realidade? Essa resposta, Glauber tinha na ponta da língua. “Levando a sociedade a refletir sobre a fome, através de uma tática coerente: a realização de filmes de combate, diretos, objetivos, duros, mostrando nas telas o que as pessoas em geral não gostam de ver. È preciso lutar pela existência de um cinema nacional capaz de fazer as massas vomitar a imagem de John Wayne.”