Capítulos XIII e XIV - Ameaça cumprida e Um deputado esperto (romance "O ULTIMATO")

Ameaça cumprida

Capítulo 13

O senador Eustáquio, ameaçado pelos Justiceiros Implacáveis, revelara-se intransigente. Não queria restituir o dinheiro fraudado, o que custara a morte de outro parlamentar: seu filho mais velho, Jonas.

O rapaz, de vinte e um anos, estava em seu primeiro mandato como deputado federal. Morrera antes de o pai cumprir o ultimato da organização.

O jovem deputado estava marcado igualmente às vítimas anteriores. A orelha não fora cortada. Dessa vez, optaram por decepar-lhe a mão direita.

Alguém teria comentado: “Como age o destino: o nobre deputado não compareceu às sessões da Câmara; preferiu participar de uma pescaria. Segundo dizem, fazia-se acompanhar de garotas adolescentes. A prática de pedofilia é comum entre parlamentares. Parece mais um castigo”.

Doutor Eustáquio acompanhou o féretro do filho. Sentia-se inteiramente responsável pela morte do rapaz. Olhou o ataúde fechado, por ser desaconselhado abri-lo, face ao estado mutilado do corpo. Então, lembrou-se das promessas dos Justiceiros Implacáveis.

Ele temia novas execuções.

Inclusive a própria.

Também receava outra ameaça: prometeram-lhe matar a esposa. “Talvez até fosse uma boa oportunidade de livrar-se dela”, pensou sua excelência, pois a mulher atrapalhava seu romance com a secretária.

Logo desistiu da ideia.

Depois de realizar seus ativos financeiros, o senador depositou na conta da ONG todo o dinheiro resgatado das aplicações no mercado de capitais, uma soma bastante vultosa. Ele preferia esse tipo de investimento aos negócios imobiliários. Não dispunha de outros imóveis, senão as residências de Brasília e da cidade natal. A casa de Brasília fora comprada com verba do “Auxílio Habitação”, concedido pelo Senado Federal. Uma boa poupança que ele soubera reservar para essa finalidade.

Passados alguns dias, o senador foi encontrado morto. Era a décima quinta vítima da série. O inconfundível símbolo estava impresso no tórax, para orgulho dos executores.

A tétrica marca voltara a ser exibida em mais um peito ilustre.

O corpo foi encontrado no quarto de hóspedes, onde ultimamente dormia sua excelência, teoricamente separado da esposa. As janelas e as portas não foram forçadas. Estavam trancadas quando a polícia chegou ao local. O ambiente não apresentava nenhum sinal de desordem.

Segundo os legistas, o senador padeceu de morte súbita, provocada por problemas cardíacos.

A polícia civil, por outro lado, supunha que o crime fora praticado pela esposa da vítima. Ela o matara por ciúmes do seu romance com a secretária.

Embora não houvesse provas concretas da autoria criminosa, pelo menos um suspeito passaria a ser alvo de futuras investigações.

A esposa do senador alegou inocência.

Quem, então, teria feito a marca no peito da vítima?

– A mulher, para confundir a polícia e desviar as investigações – declarou um dos detetives.

Ela negava terminantemente a autoria.

Quem a teria feito? – perguntava a polícia, atordoada.

Quem? – questionavam as demais autoridades.

A mulher do morto era a principal suspeita.

A conta bancária da ONG Recursos Salvados estava mais recheada do que costumeiramente.

Naquele dia, o saldo ultrapassara os quinze milhões de reais.

Um dinheiro bem-vindo.

E com gosto de vitória.

***

Capítulo 14

Um deputado esperto

O deputado Manoel Siqueira, do Partido Socialista Verde e Amarelo, o PSVA, orgulhava-se de manter fidelidade partidária. Há três anos não mudava de agremiação, a despeito dos tentadores convites. As propostas financeiras recebidas até então não superaram às do atual partido.

Sua excelência também se julgava inteligente e esperto. Inteligente, porque mesmo sem diploma universitário exercia alto cargo na Comissão de Educação e Cultura da Câmara; esperto, pelo fato de ter fundado a Igreja do Culto à Guitarra, cujos fiéis asseguraram-lhe as eleições que o tornaram deputado. Exercia o segundo mandato na Câmara Federal, depois de ter conhecido os meandros da Assembleia Legislativa de seu estado, por oito longos anos.

Os colegas gostavam de chamar Manoel pelo carinhoso apelido de “Siqueirinha”. O epônimo, porém, não condizia com seu porte volumoso. Apesar do metro e cinquenta e oito centímetros de altura, pesava oitenta e dois quilos. A volumosa barriga e a careca brilhante complementavam-lhe a figura esdrúxula; O aspecto feioso do deputado provocava risos nos mais irreverentes de seus pares.

Em certo período de sua vida pública, Siqueirinha foi diretor de importante empresa estatal. Chegou à presidência de uma das maiores entidades do ramo petroquímico. A nomeação facilitou-lhe a vida e abriu-lhe caminho para uma boa poupança financeira.

Era um homem rico.

Muito rico.

Rico e poderoso.

Os Justiceiros Implacáveis procuraram o deputado Manoel Siqueira para uma “conversa”. Na oportunidade, pediram-lhe que devolvesse ao povo os cerca de seis milhões de reais que acreditavam excederem do seu patrimônio pessoal, adquirido com a economia dos vencimentos parlamentares.

O contato com sua excelência foi realizado em uma manhã de domingo, quando retornava de uma palestra na igreja.

Naquele dia, o sermão proferido por ele teve como título “A Importância dos Acordes da Guitarra”.

O pregador insistira para que os seguidores da seita dispensassem ao instrumento o mais elevado respeito, e o utilizassem como símbolo de dedicação imorredoura.

Por todo o tempo o deputado foi patrulhado por anônimos agentes dos Justiceiros Implacáveis.

Siqueirinha finalizou o sermão dizendo:

– A guitarra é um instrumento divino. Até a Bíblia cristã, embora não seja a nossa regra de conduta e prática, recomenda louvores ao seu Deus com instrumentos de corda; a nossa guitarra. Devemos cultuá-la como o único instrumento capaz de arrebanhar multidões mundo afora. Vejam, irmãos, como os jovens enlouquecem ao som da guitarra. O entusiasmo de moças e rapazes por esse “divino instrumento” tem contagiado adolescentes e crianças; eles preferem a guitarra aos livros! Assim como fizeram os pais no passado. Somente a guitarra salva o homem da melancolia e da depressão – concluiu, acompanhado de vigorosa salva de palmas.

Siqueirinha encontrava-se sentado na mesma cadeira que “acomodara” o senador Eustáquio e quase duas dezenas de outros parlamentares, funcionários públicos e políticos corruptos “convidados” a ouvir a preleção dos agentes justiceiros.

As mãos estavam manietadas e presas às costas; os olhos vendados por fita adesiva de alta qualidade; um capuz preto encobria a cabeça reluzente; a barriga do nobre deputado esparramava-se sobre os joelhos maltratados pela artrose.

– Deputado Siqueirinha…

- …

Os dois agentes explicaram o motivo de sua “visita” àquele lugar. Aplicaram-lhe os mais “convincentes” argumentos. Informaram-lhe do que poderia acontecer caso não atendesse às exigências do grupo.

Terminada a “conversa”, os Justiceiros liberaram Siqueirinha, para que ele iniciasse o processo de devolução do dinheiro roubado do povo. O deputado, todavia, saiu convencido de que sua esperteza o livraria de devolver os milhões de reais mantidos em suas contas bancárias, em aplicações de alta rentabilidade e em imóveis de elevado valor. Ele não permitiria que esse grupinho de m… confiscasse seus bens, adquiridos graças a favores obtidos politicamente.

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Amanhã, novos capítulos