Capítulos IX e X - Caçada exaustiva e Inquietação política (romance "O ULTIMATO")
Capítulo 9
Caçada exaustiva
A caçada empreendida pela organização aos corruptos continuava inexorável e obstinada. A cada mês aparecia uma autoridade morta de forma estranha.
As autópsias realizadas nos cadáveres pouco revelavam; eram inconclusas ou atribuídas a fatores naturais.
Os policiais continuavam incapazes de decifrar o mistério. Nem mesmo os federais chamados a auxiliar nas investigações conseguiam fazê-lo.
Os mortos já passavam de uma dezena e todos foram marcados no peito com as iniciais “JI”, emolduradas em quadrilátero grafado com certo requinte.
O último corpo não fora exceção.
A todos faltava a orelha direita.
O cachorro as comera, quando lhas deram.
Doze vítimas, até então.
Vítimas do quê?
De vingança?
Por que as autópsias não revelavam agressões externas, exceto quanto às marcas estampadas nos tóraces dos mortos?
Os questionamentos continuavam sem resposta.
Os jornais especulavam.
A única informação precisa era a de que as vítimas venderam seus bens patrimoniais e depositaram as respectivas importâncias em conta da organização não governamental “Recursos Salvados”.
“Teriam as vítimas vendido seus bens patrimoniais e transferido o dinheiro a essa ONG, constituída no exterior, por pura liberalidade? Por que agiram assim? “O que os levara a atitude tão generosa?”– perguntava a imprensa de todo o país, sem respostas, contudo.
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O dinheiro enviado pela ONG ao Brasil era rigorosa e criteriosamente aplicado em obras sociais. Escolas públicas recebiam recursos em forma de móveis, equipamentos de informática, material escolar… Instituições vinculadas a categorias específicas como creches, asilos para idosos e doentes mentais foram generosamente aquinhoadas.
Equipamentos hospitalares de última geração vinham do exterior para serem instalados em centros de saúde públicos ou de entidades caritativas.
Nos hospitais do governo, as filas já demonstravam significativa redução, e nos corredores não se viam mais doentes deitados em macas ou em camas improvisadas, aguardando atendimento.
A organização sentia-se satisfeita com os resultados. Por isso, apertava mais e mais o cerco aos corruptos.
Ao cumprirem a promessa de executar integrantes desonestos do Parlamento, envolvidos com a corrupção, imprimia velocidade ao retorno dos recursos.
Os corruptos viajavam a paraísos fiscais a fim de sacarem o que depositaram em bancos igualmente desonestos.
Os Justiceiros Implacáveis consideravam essas instituições coniventes com a corrupção. Sem saber como alcançá-las, e por não poder aplicar-lhes o merecido castigo, intensificava a perseguição e a punição ao corrupto como forma de compensação.
Isso aliviava o sentimento de frustração.
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Capítulo 10
Inquietação política
No dia 15 de setembro, deputados e senadores reuniram-se em sessão conjunta. Na agenda, as mortes de parlamentares e de importantes funcionários do governo federal, investidos em altas funções na administração direta ou em empresas estatais cujos orçamentos rivalizavam com os de grandes municípios.
Os mortos foram cruelmente marcados com as iniciais JI, feitas a faca. Os legistas, contudo, diagnosticaram a causa mortis como proveniente de eventos naturais.
Senadores e deputados, amedrontados, exigiam explicações.
A sessão era presidida pelo senador Sebastião Carvalho, do PHU, e secretariada pelo deputado Severino Bernardo, do PH2.
O Partido Humanista Único havia conquistado a presidência do Senado e o Partido do Homem Honesto, o PH2, como era conhecido, elegera o presidente da Câmara.
As duas agremiações davam sustentação ao governo, embora constantemente fossem ameaçadas de terem seus correligionários destituídos de cargos importantes.
O PH2 vangloriava-se do partido, composto, segundo dizia, de pessoas honradas.
Os homens de bem duvidavam.
Como linha doutrinária, o PH2 adotava a tendência política de direita. Seu pessoal era conservador e por isso defendia princípios religiosos e causas contrárias ao modernismo. Não admitia a união de pessoas do mesmo sexo; eram contra as pesquisas com células-tronco. Em futuras votações na Câmara haviam determinado o “fechamento da questão” sobre esses assuntos.
O Partido Humanista Único, considerado oportunista pelos adversários, associava-se a qualquer governo que assumisse o comando do país.
A imprensa o taxava de fisiologista.
A ganância por cargos no primeiro e no segundo escalões não alcançava precedentes. As ameaças feitas pelo PHU, de desligar-se da base parlamentar de apoio ao governo, garantiam-lhe a aceitação das exigências.
Dificilmente acontecia um rompimento.
Quase uma dezena de outros partidos fazia parte da base parlamentar de apoio ao governo. Essa facção obedecia ao comando do presidente da Câmara, que orientava seus deputados com ameaças ao executivo.
A imprensa a chamava de “Baixa Classe”, em virtude dos poucos poderes que representava isoladamente. Unidos, porém, constituíam considerável força política.
Que o dissesse o governo, derrotado em diversas ocasiões,
principalmente na última escolha para a presidência de uma das Casas Legislativas.
O senador Patrício Saraiva, um dos congressistas mais influentes do país, discursou nos seguintes termos:
– O Senado Federal e a Câmara dos Deputados estão enlutados. Sem contar dirigentes de estatais, mortos no mesmo período, perdemos doze ilustres integrantes das duas Casas Legislativas. As mortes, se ocorridas de forma natural, já nos teriam causado grande tristeza. A maneira cruel como marcaram os corpos dos saudosos colegas aumenta o nosso sentimento de revolta.
- …
– Clamamos por justiça! Digo isto porque, particularmente, não acredito que essas pessoas faleceram de causas naturais. A tétrica marca que imprimiram em seus “honrados peitos” parece-me resultado de uma vingança insana. Castigar física e cruelmente membros dessas duas Casas é inadmissível. Inaceitável. Faltou aos parlamentares assassinados a segurança pessoal há muito reclamada. Aprovamos projeto de lei do nobre deputado Jorge Paschoal, instituindo o direito de dois seguranças pessoais a cada deputado e senador.
- …
– Pela ordem, senador Patrício Saraiva! – reivindicou a palavra um deputado do Rio de Janeiro.
– Pois não, Excelência.
– O presidente da Câmara prometeu que teríamos, a exemplo dos senadores, um automóvel para cada um dos quinhentos e treze deputados. Até agora a promessa não foi cumprida. Também não recebemos o benefício da lei mencionada por Vossa Excelência, relativamente aos seguranças pessoais a que temos direito. Aproveito o ensejo deste aparte, para sugerir ao Excelentíssimo presidente da Câmara que, ao nos entregar o veículo prometido, que seja um modelo de luxo como os concedidos aos ilustres ministros do Judiciário. E que sejam blindados. Isso aumenta a nossa segurança – concluiu o parlamentar.
O plenário estava totalmente lotado.
Poucas ausências foram constatadas.
Os presentes aplaudiram o aparteante entusiasmadamente. Ato contínuo, o senador Patrício Saraiva continuou o seu discurso.
– Senhoras senadoras, senhores senadores, nobres deputados! O povo nos outorgou o direito de representá-lo. Essa representação somente se confirmará se fizermos cumprir a vontade de quem nos elegeu. Tenho certeza de que cada eleitor deseja ver seus representantes na mais completa segurança, livres de atentados, roubos e assaltos, para que possam servir-lhe de voz neste plenário…
Os aplausos foram mais intensos ao final dessas palavras.
O senador Saraiva pediu que os presidentes do Senado e da Câmara solicitassem ajuda do governo americano, pois somente o FBI poderia solucionar as misteriosas mortes ocorridas recentemente no meio político.
“Os trabalhos das polícias civil e federal revelaram-se um fracasso” – disse o senador, decepcionado. Lamentou, finalmente, que os familiares de alguns dos mortos tenham autorizado a cremação de seus corpos. A iniciativa dessas famílias, por tradição, desejo dos falecidos ou por questões religiosas, inviabilizava a exumação dos corpos para novos exames.
O senador tinha opinião idêntica à do delegado, doutor Bat Masterson.
Não cria nos laudos dos legistas.
Por incompetência ou por conivência.
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Leia o próximo episódio, amanhã.