Capítulo VIII - A inquirição (romance "O ULTIMATO")

Capítulo 8

A inquirição

O Astra parou debaixo de frondosa árvore, em frente à casa que recepcionava os corruptos capturados e conduzidos às “sessões de convencimento”.

O motorista desceu, fechou a porta do automóvel e aguardou o companheiro retirar o sequestrado manietado e encapuzado.

Lá dentro, dois homens altos e musculosos aguardavam os visitantes.

O Gol azul-claro estacionou a trinta metros de distância. O condutor, rapaz de vinte e oito anos, cabelos loiros e ondulados, desembarcou satisfeito da missão cumprida. Aguardou alguns minutos até os passageiros do Astra entrarem na casa.

Fez o mesmo em seguida.

O prédio diante do qual estacionaram o carro localizava-se em uma chácara a trinta quilômetros do centro da cidade. Pertencera a um membro da organização, falecido há alguns meses. O extinto não deixou herdeiros para reclamar a herança. Em vida, autorizara o grupo a ocupá-la indefinidamente. A utilização do imóvel era a mais discreta possível.

O agente 254 presidia o interrogatório.

Usava máscara por segurança.

Todos os sequestradores e encarregados de aplicar castigo aos corruptos também não se identificavam. Apareciam com os rostos modificados por disfarces ou maquiagem, bem diferentes de suas reais fisionomias. Disfarçadamente, alteravam a altura e o peso do corpo. Para não serem reconhecidas, as vozes eram modificadas com a ajuda de fonoaudiólogos. Um ou outro mancava como disfarce. Nunca faziam contatos por telefone.

A abordagem era direta.

O prisioneiro sentou-se com os braços atados atrás do encosto da cadeira. A cabeça estava coberta por um capuz negro. A máscara impedia-o de ver o ambiente.

Em breve momento, o sequestrado passou sua vida em revista; talvez aqueles fossem seus últimos instantes. Em silêncio, perguntava-se:

"Morrendo, levaria recordações da família: da mulher e do único filho, já adulto; e da amante, jovem bonita de vinte e seis anos, por quem estava perdidamente apaixonado?"

A moça era um refrigério para sua vida sexual bastante desgastada, milagrosamente revigorada pelos excelentes medicamentos ingeridos com regularidade, entre eles, o Viagra.

Continuou pensando:

"Acaso morresse, deixaria saudades? A mulher, o filho, a amante, os amigos… lembrariam de sua existência? Sentiriam sua falta? E ele, morto, teria saudades quando estivesse tão distante de todos? Para onde iria?”

Ao fazer a última indagação, o prisioneiro sentiu forte calor.

Apavorado, temeu ser aquele o sintoma da resposta à pergunta que se fizera.

Naquele momento, ouviu a voz de um dos sequestradores.

O homem falava com firmeza.

– Doutor Eustáquio! O senhor veio de família humilde, originária do sertão nordestino. Aos dezoito anos transferiu-se para a capital; estudou e concluiu o segundo grau. Seu primeiro emprego foi como Office boy, no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco. Aprendeu ali as artimanhas políticas, filiou-se ao Partido Operário e recebeu apoio da esquerda católica.

– Elegeu-se vereador e deputado federal. Derrotado eleitoralmente, foi nomeado presidente de grande empresa estatal. Agora é senador da República, em primeiro mandato. Em doze anos, tornou-se rico. Calcula-se que tenha uma fortuna de dez a quinze milhões de reais. Não enriqueceu economizando proventos parlamentares e salários como presidente da Petróleo Brasileiro, conhecida contratante de obras de alto valor…

– Espera aí, filho da p…! Você fala com um senador. Exijo respeito e imediata libertação.

– Senador, o senhor não merece o mínimo respeito. É um ladrão! E dos piores. Rouba dinheiro público; apropria-se de verbas destinadas ao povo necessitado, carente, sem habitação, desempregado e faminto. Deveria espelhar-se em alguns de seus honrados pares. São poucos, eu sei; mas já seria um exemplo. O que tem feito é uma vergonha – disse o agente, que nessa hora imitou certo jornalista de uma emissora de televisão local.

– Você me respeite, moleque!

O agente 254 sentiu ímpeto de esganá-lo.

Conteve-se, sem se irritar.

– Não lhe faltaria com respeito, se o senhor não desse motivo. Foi eleito para cumprir mandato outorgado pelo eleitor de boa fé; deveria legislar e aprovar leis modernizadoras e moralizadoras da administração pública; jamais roubar, como o fez e continuaria a fazê-lo, sem a nossa intervenção.

– Solte-me, bandido! – gritou o nervoso senador, com a arrogância própria das autoridades.

O outro agente que acompanhava o colega no interrogatório aplicou à Sua Excelência um corretivo conhecido por “telefone”. Com as duas enormes mãos, bateu-lhe fortemente nos ouvidos. O zunido tornou o parlamentar temporariamente surdo. O agente aguardou que se restabelecesse. Então, continuou:

– Será solto depois de ouvir atentamente as instruções. Exigimos a devolução de toda a riqueza adquirida por vias criminosas. Venderá o patrimônio obtido com recursos da corrupção e depositará o produto da operação em conta indicada no cartão que receberá ao sair. Dentro de trinta dias queremos notícia desses depósitos. Nós o procuraremos. Sabemos como localizá-lo.

– A polícia irá encontrá-lo primeiro. Sou senador da República. Tenho poder – esbravejou, quase rompendo as amarras que o mantinha preso à cadeira.

O agente 255 interferiu novamente. Os tímpanos da excelência quase estouraram dessa vez.

Quando sua audição melhorou, disseram-lhe:

– Lembre-se, trinta dias! Findo os quais, sem recebermos o dinheiro, um colega seu morrerá. Sem aviso prévio. Será um corrupto como o senhor. Depois desse, a cada quinze dias executaremos outro parlamentar da mesma estirpe da sua. Morrerão um a um até que Vossa Excelência cumpra as instruções recebidas. Pense: é melhor devolver o dinheiro.

Fez-se novo silêncio, quebrado quando um dos agentes retornou ao assunto:

– Aqui estão as informações necessárias à efetivação dos depósitos.

Mantenha sigilo desse nosso “encontro” – finalizou o inquisidor, levantando o senador pelo braço direito. Qualquer indiscrição de sua parte será punida com severidade, mesmo que a vítima não seja o senhor.

– Podem levá-lo!

O carro partiu sem estardalhaço.

O senador foi deixado em um terreno baldio, sob ameaça de dois revólveres.

– Vá em frente. Não olhe para trás quando remover o capuz. Seu carro está logo ali adiante, com a chave no contato. Brevemente nos encontraremos.

O Gol azul-claro arrancou com três pessoas a bordo.

Quando desceu do veículo, o senador ainda estava sonolento. Haviam-lhe aplicado um sonífero que o fez dormir por todo o percurso de volta. Sem esperar o efeito da droga passar, acionou a chave que se encontrava na ignição e partiu fazendo zig-zag.

Adiante, encontrou o rumo de casa.

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