Capítulo 6 – Manolo, o líder (extraído do romance "O Único")
Em assembléia geral extraordinária, a CUTA teve sua denominação alterada em virtude da filiação do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Metalúrgicas – SITREM, que passara a integrar a Central, depois de se desentender com outra organização de comando a que pertencera.
A CUTA, agora denominada Central Única dos Trabalhadores Autônomos, Avulsos e de Empresas Metalúrgicas, tornara-se CUTAM.
Os sindicalistas da outra Central desdenhavam da nova filiação. Diziam ser uma grande salada. Por isso, sugeriam, debochadamente, que a sigla fosse modificada para CUTAMSAL. O “sal” de salada.
As duas centrais divergiam.
A CUTAM apoiava incondicionalmente o governo. A outra era crítica número um. Ambas faziam mais política partidária do que sindical.
Os interesses, nesse ponto, convergiam.
No Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Metalúrgicas – SITREM, quem estava no comando era Manoel Sorrentino, o Manolo.
Há vinte anos, ele se revezava como presidente ou diretor. Esteve à frente das finanças da instituição por quatro anos. Depois, foi eleito para uma diretoria administrativa.
Sua remuneração como dirigente do Sindicatão – assim chamado em face do grande número de associados – sempre foi compatível com os honorários de executivos de grandes empresas.
Manolo usava até o helicóptero e o avião da entidade, imponentes aeronaves que exibiam reluzentes estrelas nas pontas das asas.
Homem alto, forte, cabelos castanho-claros, olhos negros, Sorrentino não ultrapassara, ainda, os sessenta anos de idade. De escolaridade limitada, patrimônio nulo (nada herdara dos pais, a não ser os genes) e finanças minguadas, sofreu grandes dificuldades materiais na infância, na adolescência e no início da idade adulta.
Sua situação melhorou após ser contratado por uma metalúrgica, depois de um curso de especialização feito em uma entidade mantida pelas indústrias.
Aos vinte e três anos, Manolo já era torneiro mecânico, recebia bom salário, embora corresse o risco de decepar o dedo na ferramenta de corte afiado que moldava o metal.
Acidentes assim eram comuns àqueles que ingeriam bebidas alcoólicas durante o trabalho. Sorrentino bebia somente à noite, em casa.
Um colega seu, de orgulhosa memória, era diferente; bebia demais. Em sua mochila não faltava uma garrafa de “51”, bebida forte feita de cana-de-açúcar. Alguns a chamam de aguardente.
O amigo de Sorrentino preferia chamá-la de cachaça. Esse nome trazia-lhe péssimas recordações, mas, com o tempo, acostumou-se à fonia e ao gosto da “mardita”. Para ele, aguardente ou cachaça era tudo a mesma coisa. “Bom é o efeito!” – dizia aos amigos de farra.
Manolo era de origem espanhola. Torcedor fanático do Real Madrid, não perdia um jogo do clube pela televisão, invariavelmente vestido com a camisa úmero dez, uma reprodução do uniforme usado pelo mais famoso dos seus jogadores.
Ao lado da confortável poltrona, onde se acomodava para assistir às partidas, uma garrafa de bom "vino rojo" estava ao alcance da mão.
Bebia sozinho.
A esposa era abstêmia, porém fumava que só uma caipora. Para acompanhar o vinho, dona Nair preparava um carpaccio que ele reclamava do cheiro de tabaco. O ar da casa vivia impregnado de fumaça. Dona Nair tossia muito ao fazer as refeições, sem se preocupar em usar máscara ou desviar o rosto das panelas.
Tempos depois de iniciar a militância no sindicatão, com as finanças particulares muito bem equilibradas, Manoel Sorrentino visitou o país de seus antepassados.
Ali esteve por quatro vezes em visita a parentes distantes e para conhecer melhor a região de forte influência árabe, com seus edifícios em estilo mourisco, decorrente dos setecentos anos de dominação.
Traços dos invasores germanos e de imigrantes judeus também não podiam ser esquecidos. Seu bisavô nascera em Toledo, cidade edificada à margem do rio Tejo, resgatada dos Mouros em 1085, por Alfonso VI. Ele gabava-se de conhecer a antiga cidade imperial como as palmas das mãos.
Vaidosamente, dizia descender em linhagem distante do grande guerreiro El Cid. Por conhecer muito bem a cidade, enumerava as obras de El Greco uma a uma: O Espólio de Cristo, A Sagrada Família, O Batismo de Cristo, O Enterro do Conde de Orgaz…
El Greco foi o grande pintor estabelecido em Toledo. Manolo não deixava de visitar o ateliê do artista, local de suas criações e recanto de suas inspirações geniais.
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A categoria dos metalúrgicos alcançara milhões de associados. Um número impressionante.
Somados aos do SINCARP, SINCAVI e do SINFLA, o total de sindicalistas sob a orientação da CUTAM já superava a dezena de milhões.
A grande massa operária despertava o interesse dos políticos, ávidos pelos votos de eleitores sob o cabresto curto de dirigentes espertos.
Sem falar nos familiares e amigos, sempre dispostos a seguirem as orientações do “chefão”.
Sorrentino e outros líderes sindicais controlavam o fabuloso contingente eleitoral com firme disposição. Distribuíam cada sufrágio de acordo com os interesses da classe, e os seus em particular.
Dispunham de parlamentares na Câmara Federal, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais, além de governadores de estado, prefeitos, ministros e três milhares de cargos no alto escalão do governo, bastante “inchado” por acomodar tanta gente.
O Sindicatão era respeitável força política.
E bastante temida.
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Amanhã, a históia será sequenciada. Aguarde!