Capítulo 2 – A euforia continua (extraído do romance "O único")
O desemprego grassava no país e fazia crescer o número de trabalhadores autônomos. Uma soma impressionante, constituída de camelôs, a nova classe emergente da sociedade menos afortunada.
As pessoas não dispunham de recursos financeiros para se estabelecerem, e por isso seguiam o caminho da informalidade.
Engenheiros, advogados, jornalistas, um sem-número de outras categorias profissionais aderiram, compulsoriamente, ao negócio próprio como ambulantes. Compartilhavam as ruas com desocupados, apressados cidadãos e até perigosos marginais que por ali transitavam esquecidos pela polícia.
Essas categorias também estavam presentes ao comício promovido pelo SINTRAV, por serem associadas ao sindicato que agrega trabalhadores autônomos e avulsos.
Os integrantes dos movimentos políticos de esquerda têm por hábito discursar por longas horas. Falam, falam e falam, impregnando os ouvidos de seus companheiros com denúncias contra os maus tratos dispensados pelos governantes à população miserável.
Todos os oradores de facções políticas ”vermelhas” seguem a linha de seu líder maior, Fidel Castro. Agora, é prática imitar Hugo Chavez, político venezuelano que costuma “emprenhar” os sensíveis órgãos de audição dos seus discípulos, com acusações nem sempre verdadeiras.
O líder sindical continuava discursando.
– Companheiras e companheiros! Neste momento de campanha, para renovação dos mandatos da atual diretoria, os terroristas de plantão, a mídia entre eles, tentam denegrir a imagem de entidade séria de nossa instituição. Motivados pela inveja ou interesses contrariados, querem enxovalhar nomes honrados e minar os alicerces do SINTRAV, construídos sob a égide da ética, da moral e da honestidade.
– …
– Costumamos dizer que não compactuamos com a corrupção; não roubamos nem deixamos roubar. Repetimos: não roubamos nem deixamos roubar! Os ladrões são outros. Não nós. Esta administração é séria, pautada no interesse social…
Aplausos e mais aplausos.
Bandeiras esvoaçavam.
Gritos ecoavam.
Com o passar do tempo, o silêncio voltou.
O orador retomou o discurso:
– Conclamamos a companheirada a empunhar a bandeira de luta do SINTRAV, em sua trajetória vitoriosa. A solidariedade é uma de nossas marcas. Portanto, devemos nos unir, pois somente a “união faz a força”…
A multidão aproveitou o mote.
– Sindicalista, unido, jamais será vencido!
– Sindicalista, unido, jamais será vencido!
O orador fez pausa para beber uma dose de cachaça, servida por um auxiliar. Enquanto isso, a multidão repetia incontáveis vezes:
– Sindicalista, unido, jamais será vencido!
Novo silêncio.
– Vejam companheiras e companheiros: o SINTRAV já ultrapassou três milhões de associados!
…
O tribuno exibia barba negra, espessa e desgrenhada, necessitada de urgentes cuidados higiênicos. O homem media cerca de um metro e setenta centímetros, tinha o pescoço grosso e curto, a voz rouca, e pronunciava palavras treinadas, aprendidas em seu contato com intelectuais que o instruíam para propósito determinado.
– Palmas para o SINTRAV! – pediu outro sindicalista, depois de apossar-se deseducadamente do microfone, para devolvê-lo num gesto brusco, motivado pela rude educação que tivera.
Novos gritos de “viva o SINTRAV!” foram acompanhados de palmas e assobios. Mais fogos riscaram os céus com estrondosos estampidos.
– Viva o SINTRAV! – gritava a multidão empolgada.
– Viva! – repetiam os militantes, enlevados pelo momento eufórico.
As comemorações continuaram.
– SINTRAV! SINTRAV! SINTRAV! – não se cansavam de repetir.
Depois de discursarem três outros diretores e, por último, o presidente da instituição aniversariante, a festa continuou com animado show popular, para o qual foram contratados renomados artistas da música sertaneja, que se diziam simpatizantes do PH2, o ético e radical Partido do Homem Honesto, apoiado pelos sindicalistas.
– Esses hipócritas, talvez para amenizar críticas aos gordos cachês, se dizem simpatizantes de nosso partido – cochichou um operário ao ouvido do companheiro ao lado.
– Às vezes, tenho dúvidas se alguém não está levando alguma coisa “por fora” – concluiu o que fizera a observação.
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