A CORTINA - MILAN KUNDERA
"Há muito a juventude é para mim a idade lírica, isto é, a idade em que o indivíduo, concentrado quase exclusivamente em si mesmo, é
incapaz de ver, de compreender, de julgar com lucidez o mundo em
torno de si. Se partirmos dessa hipótese ( necessariamente esque-
mática, mas que como esquema me parece justa), a passagem da
imaturidade à maturidade é a superação da atitude lírica."
Milan Kundera
Em seu ensaio em sete partes sobre história e literatura, sob o tí-tulo A cortina, Milan kundera nos fala sobre consciência e continuida-
de, diversidade no mínimo de espaço, adentrar a alma das coisas -nu-
ma clara referência a Gustave Flaubert-, sobre o que é um romancis-
ta, estética e existência, memória e esquecimento, entre outros as-
suntos, visto que é vasta a relação entre história e lirteratura.
Reporta-nos ao tempo da transmissão oral da história, via relato
e anedotas e afirma que as famosas questões metafísicas - de onde
viemos? para onde vamos - tem na arte um sentido concreto e claro,
e não absolutamente sem resposta. Pois a consciência histórica é a
tal ponto arraigada na percepção da arte que a criação de uma obra,
mesmo que de qualidade, realizada hoje, mas como representação de
outra época, não teria sentido, pois nossa consciência da continuida-
de é tão forte que interfere na percepção de cada obra de arte. E in-
versamente: é apenas no contexto de uma arte que o valor estético
é perceptível.
Segundo George Lukaks, que cito de memória, a transição do épico
para o romance se deu na obra A DIVINA COMÉDIA, de Dante Aligghie-re, mas foi com Rabelais e Cervantes que se encontrou a razão de ser
dessa nova arte épica: o romance.
Na arte do romance, as descobertas e as transformações da forma
são inseparáveis.
Mesmo nas fabulações mais impossíveis e inacreditáveis, embora a
verossimelhança seja o que menos importe a autor, a verossimilhança
tornou-se a regra das regras: a condição sine qua non para que o lei-
tor acreditasse naquilo que lia. A narrativa romanesca paira acima das
cenas e sobre o pano de fundo histórico do romance.
Aplicada à arte, a noção de história não tem nada a ver com pro-
gresso, não implica nenhum aperfeiçoamento, melhora ou acréscimo,
parece uma viagem para explorar terras desconhecidas e incluí-las
num mapa.
A ambição do romancista não é fazer melhor que seus predecesso-
res, mas ver o que eles não viram.
Uma história da literatura, ao contrário da história simplesmente, não pode ser uma história de acontecimentos, mas sim uma história
de valores.
A história "simplesmente", a da humanidade, é a história das coisas
que não estão mais aqui, que já não participam diretamente da nossa
vida. A história da arte, porque é a história dos valores, portanto das
coisas que nos são necessárias, está sempre presente, sempre conos-
co. Ademais, se a história ( a da humanidade ) tem o mau gosto de se
repetir, a história de uma arte não suporta repetições.
O único romance que li de Milan Kundera foi o A insustentável leve-
za do ser, romance de narrativa lenta, o único romance que li em que a
adaptação cinematográfica do livro ficou melhor como filme.
Mas em A cortina Milan Kundera mostrou ser um grande conhecedor
da arte romanesca e da história do romance.
É ler para conferir.
Quem tiver dificuldade em encontra o livro acesse o site www.livrosdificies.com.br, que tem sua matriz no Rio de Janeiro, essa
semana comprei e recebi em casa o livro de poesia Distraídos venceremos, de Paulo Leminski, sobre este resenharei outro dia. Vale
a pena conferir.