Os mitos do Matrix

A trilogia Matrix não será lembrada como um marco no cinema apenas pela tecnologia usada no campo dos efeitos visuais. O enredo do filme – que para muitos é apenas mais uma fita de ação nos moldes de Hollywood – é de uma riqueza simbólica impressionante! Assim que ganhou as telonas do mundo inteiro em 1999, a primeira parte (“The Matrix”) suscitou as mais diversas análises de críticos, psicanalistas e se tornou até mesmo tema de trabalhos acadêmicos aqui no Brasil.

Exemplo disso foi o que fez a amiga e colega de Jornalismo, Steffania Tollomeotti. A sua monografia final de curso foi um estudo bastante oportuno desse filme, que é comparado por ela com o “Mito da Caverna”, esboçado há cerca de 2.400 anos pelo filósofo grego Platão. Ele alerta para o risco do conhecimento humano poder ser usado para camuflar a realidade, ou seja, para enxergarmos o mundo pela ótica da aparência (os sentidos), e não da essência (a razão).

No Mito da Caverna, o filósofo descreve uma situação hipotética em que algumas pessoas teriam passado toda a sua vida dentro de uma caverna, acorrentadas. Iluminados apenas pela luz de uma fogueira, esses prisioneiros viam projetadas na parede as sombras de tudo que passava lá fora. Para eles aquilo era a única realidade. No dia em que um deles consegue se soltar e fugir, a verdade muda de plano. Ele descobre que a realidade é algo completamente diferente de tudo que seus olhos se acostumaram a ver. Deslumbrado, o ex-prisioneiro resolve voltar à caverna para contar aos companheiros o que descobriu. Ninguém aceita a sua versão de mundo.

Steffania encontrou em Matrix um elo com essa famosa alegoria platoniana. A Matrix, descrita no filme, nada mais é do que uma pseudo realidade. No seu enredo um futuro bastante nebuloso aguarda a humanidade, que termina aprisionada por sua própria criação, a inteligência artificial. As máquinas, que criaram a Matrix, inseriram quase todos os seres humanos em uma realidade virtual, onde vivem uma vida que não é, de fato, a sua.

A personagem principal – o hacker Neo (vivido por Keanu Reeves) – é tirada dessa falsa realidade (como a caverna da história de Platão) pelos humanos que escaparam do domínio da Matrix. Um deles, Morpheus (interpretado por Laurence Fishburne), foi apontado no estudo da jornalista como aquele prisioneiro do Mito da Caverna que se vê na obrigação de retornar para avisar aos demais que eles estão sendo enganados; que a realidade é algo totalmente diferente.

Já no primeiro filme da trilogia Neo é convencido de que é muito mais do que um ser humano libertado da prisão criada pelas máquinas. Ele é apontado pelo Oráculo como o Predestinado – ansiosamente aguardado para destruir a realidade virtual e salvar a todos. É possível ver aí nitidamente uma associação com o simbolismo do Messias. Análises por essa vertente dão ao personagem de Keanu Reeves o mesmo papel de Cristo. Isso fica bem claro no segundo filme – “Matrix Reloaded”, pelo menos na perspectiva dos seres humanos que conseguiram se rebelar e se unir em uma cidade construída no centro da Terra. Eles acreditam no poder do Predestinado e em sua missão genuinamente divina.

Psicanalistas fazem outra leitura possível e dizem que Matrix reedita a jornada do herói, um tema que se repete desde os nossos mais antigos ancestrais. Esta jornada, que requer coragem, obstinação e honestidade, é uma espécie de metáfora do processo de crescimento psicológico e auto-realização do ser humano. O herói normalmente precisa abandonar a sua terra, a sua família, as suas certezas em busca de algo muito maior. Ele enfrenta muitos obstáculos e inimigos terríveis; tudo para fazer o bem (normalmente a outras pessoas).

Em Matrix Neo passa por todas as dúvidas quanto a sua condição de Predestinado. Ele sofre, pois precisa mudar a visão que tem de si próprio. A profecia diz que o Predestinado mudará o mundo e salvará a humanidade. Só que a personagem não acredita que seja capaz de tal feito. Numa visão psicanalítica, este é exatamente o segredo para a vitória do herói: para mudar o mundo basta mudar a si mesmo. Do lado de fora da obra cinematográfica, para nós a jornada do herói traz como grande ensinamento o fato de que o nosso destino é realizar o que verdadeiramente somos, mas ainda não aceitamos.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 13/05/2008
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