Xadrez com a morte
A desilusão com a vida e a morte da esperança nunca estiveram tão presentes no cotidiano do planeta como nos últimos tempos. Até mesmo as pessoas que imaginávamos fortes e decididas têm sucumbido diante dos males que avassalam corpos e mentes.
Basta um rápido passeio pelos noticiários da TV ou mesmo um encontro trivial com conhecidos para tomarmos conhecimento dos que tiveram suas vidas mudadas drasticamente em decorrência das doenças de fundo emocional. A decadência espiritual, antes mesmo da impiedosa derrocada física, é como uma sequência de xeques no Xadrez: tem o poder de intimidar o adversário, deixando-o vulnerável para o golpe final.
O tema me faz lembrar um dos maiores clássicos do cinema mundial – “O Sétimo Selo”, filme de 1957 do diretor sueco Ingmar Bergman. Ele conta a história de Antonius Block, um cavaleiro medieval que regressa das Cruzadas e se vê diante da sentença que, através da “peste negra”, praticamente condena ao fim a Europa do século 14. Sem esperança e sem fé, Antonius encontra no caminho de volta para casa um carrasco de quem não pode fugir.
A morte, que no filme de Bergman aparece como uma personagem, deixa claro para o cavaleiro moribundo que o seu destino não será diferente dos demais. Buscando no maior dos desafios de sua vida a última chance de retomada de si mesmo, o pobre humano propõe àquele ser temível um decisivo jogo de Xadrez. Como suas duas únicas exigências, o cavaleiro propõe uma trégua enquanto o jogo durar e, em caso de sua vitória, a morte deve deixá-lo em paz.
A princípio pode até ser difícil encontrar uma ponte entre o homem medieval focado em “O Sétimo Selo” e o dos dias atuais. No entanto, as angústias existenciais tanto em um quanto em outro continuam praticamente as mesmas. Se na chamada idade das trevas os temores concretos poderiam ser traduzidos pela “peste negra” ou pelos muitos tipos de escravidão, neste novo milênio eles são ainda mais devastadores e difíceis de ser combatidos.
A humanidade tem sido tomada por angústias tão sutis que, aos poucos, vai se dissolvendo – física e psicologicamente – como se estivesse sendo consumida de dentro para fora. Neste sentido a saída – ainda que imediata e provisória – é propor um jogo de Xadrez com a morte. Não à toa Ingmar Bergman escolhe o Xadrez como a forma da sua personagem desafiar “alguém” tão poderoso. O jogo é um chamamento à razão, à luz capaz de organizar as idéias e dar um rumo à vida.
Se quisermos restaurar nossa sanidade e encontrar um sentido para o presente e para o futuro é imperativo que saibamos usar bem a razão. Precisamos priorizar todas as formas de saúde, e isso tem a ver com fazer escolhas acertadas. Quem quiser que continue acreditando na felicidade como sinônimo do ter em excesso.