Protagonistas sem querer

A sensação de insegurança que tomou conta das pessoas em todo o mundo tem feito surgir um sistema de vigilância que vem nos tornando protagonistas de um tipo de show que se desenrola no cotidiano. Além de estarmos à mercê das poderosas câmeras de TV das maiores emissoras do planeta – que já conseguiram captar e transmitir guerras como a do Golfo e a mais recente no Iraque, como se fosse um filme de ficção, agora somos filmados em ruas, prédios, lojas, elevadores, ônibus e, sabe-se lá, até mesmo dentro de banheiros.

A onda das microcâmeras, que podem ser instaladas numa caneta, num broche ou num simples botão de camisa, desvela a cada semana um esquema escondido de corrupção, de maracutaia ou um mero flagrante a ser enviado para programas de “pegadinhas”. A verdade é que estamos todos nos vigiando mutuamente o tempo inteiro e, simultaneamente, sendo vigiados por aqueles que detêm um melhor aparato para esse fim.

A vida alheia continua sendo o melhor lugar para apontarmos nossos olhos, binóculos, máquinas fotográficas, filmadoras... Não importa se o que vamos registrar é um assalto com refém dentro de um ônibus ou uma desconhecida fazendo topless à beira da piscina de sua casa. O que se quer mesmo são novos fatos para alimentar o megafilme que mantém presa uma gigantesca platéia.

Se a vida imita a arte, esta também usa a própria vida como seu maior elemento inspirador. Isso é maravilhosamente explorado no filme “O Show de Truman”, uma produção hollywoodiana que faz crítica, de um certo modo, ao próprio esquema em que está inserida. Nele, o ator Jim Carrey – acostumado a ser visto cheio de caras e caretas em escancaradas comédias – esbanja talento num papel que lhe exigiu sobriedade para viver um personagem marcado por um drama diferente. Truman, um pacato funcionário de uma empresa, nem imagina que possa estar protagonizando a maior farsa de sua vida, preparada única e exclusivamente para ser a mais longa e bem sucedida novela da televisão americana.

O enredo se desenrola a partir do próprio cotidiano desse personagem, que acredita estar levando uma vidinha tranquila e feliz. Acordar, ir ao trabalho, transitar pelas ruas, encontrar amigos, ter os sonhos comuns de qualquer mortal, sem jamais suspeitar que está sendo observado por centenas de câmeras de TV, responsáveis por levá-lo horas a fio a milhões de lares. É como se alguém fosse escalado para viver o papel de si mesmo sem nunca ter suspeitado disso.

Ao contrário de Truman, muitas pessoas têm aberto sua própria vida ao público, numa desesperada tentativa de passar do anonimato para o súbito estrelato – mesmo que este seja por uma semana, um dia, ou pelo tão comentado chavão dos 15 segundos de fama que dizem estar reservados para cada um de nós. Que os digam as dezenas de participantes e milhares de candidatos às oito edições do Big Brother Brasil!

Há alguns anos uma argentina montou em plena rua uma mini-casa com paredes de vidro e passou dias vivendo uma rotina comum, deixando-a à disposição de quem quisesse acompanhá-la do lado de fora. Um norte-americano fez o mesmo, com a diferença de que espalhou câmeras por quase todos os cômodos de sua casa para flagrar seu próprio cotidiano, transmitido em tempo real num site montado na Internet exclusivamente com esta finalidade.

Em ambos os casos, o grande número de curiosos que pararam ao redor da “casa” da jovem e acessaram a página eletrônica do rapaz confirma a tese do quanto as pessoas são ávidas por bisbilhotar a vida alheia, mesmo que estes sejam ilustres desconhecidos. Com tantas câmeras à vista e escondidas espalhadas por aí – amparadas por inúmeros satélites a rodear a órbita do planeta – o único que talvez tenha ainda alguma chance de escapar do drama de ser protagonista sem querer é o “Homem-Invisível”.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 04/05/2008
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