Encontro do outro mundo
Quem consegue dizer com plena convicção que não tem ou que nunca teve medo da morte? Ao rezar a Ave Maria, qualquer católico, praticante ou não, já deve ter repetido inúmeras vezes: “até a hora da nossa morte(...)”. Por que, então, evitamos tanto em falar do assunto ou batemos supersticiosamente na madeira toda vez que ouvimos a fatídica palavra, se desde que nascemos temos convicção de que, um dia, teremos com ela um inevitável encontro? Há aquela frase que até virou trecho de música da satírica banda Blitz, que diz: “todo mundo quer ir pro Céu, mas ninguém quer morrer”. É bem por aí!
O que, talvez, a grande maioria não perceba é que falar da morte é, necessariamente, enxergar o valor da própria vida. Mas para quem insiste em achar morbidez se tocar no assunto, vale ao menos assistir a alguns filmes que abordam o tema a partir da ficção e de uma linguagem bem filosófica e poética. Numa rápida puxada pela memória, posso citar três que, direta ou indiretamente, têm a morte como pano de fundo: “Perfume de Mulher”, “Deuses e Monstros” e “Encontro Marcado”.
O primeiro, estrelado por Al Pacino – um dos grandes atores do cinema norte-americano – conta a história de um coronel reformado que, já cego e completamente entediado com tudo, resolve pôr fim à própria vida. Seu encontro com um jovem estudante secundarista, que é contratado para lhe fazer companhia enquanto a família com quem mora viaja num feriado, dá um outro rumo aos seus planos. A pureza do rapaz, aos poucos, traz de volta ao amargurado coronel um sentido para continuar vivendo e um entendimento do seu próprio desejo de partir.
Em “Deuses e Monstros” o personagem do veterano ator Ian MacKelen é um diretor de cinema de filmes de terror, esquecido por Hollywood. Vagamente lembrado pelos seus maiores sucessos – “Frankstein” e “A Noiva de Frankstein”, ele se vê sozinho e doente, contando apenas com a companhia e os cuidados da velha governanta, que não o abandona por pena e fidelidade a todos os anos que o serviu. Pressentindo que está próximo o seu fim, inevitavelmente, ele é assaltado pelas mais diversas lembranças do passado, a partir do contato que tem com um jardineiro, que representa a sua juventude perdida.
“Encontro Marcado”, por fim, é o que mais diretamente fala da morte, que no enredo chega a ser personificada em um jovem (Brad Pitt) para que possa conhecer de perto o mundo e as paixões humanas. O escolhido para ciceroneá-lo nesta aventura é um milionário do ramo das comunicações (atuação impecável de Anthony Hopkins) que está prestes a completar 65 anos e que sempre teve o controle de tudo e de todos. Cara a cara com a “encarnação do fim”, ele enfim se convence de que é necessária uma reavaliação de sua própria vida, diante de um fato que não pode evitar. A surpresa maior, no entanto, fica para o próprio “ceifador de vidas”, que se apaixona perdidamente pela filha do magnata, interpretada pela belíssima Claire Forlani. Conhecendo de perto uma das maiores “fraquezas” humanas – o amor – ele é obrigado a também escolher entre ficar neste mundo ou continuar cumprindo a mais árdua das missões.
Em algumas culturas orientais morrer é uma bênção que deve ser festejada, pois significa a partida para uma escala superior da existência. Sem dúvida que é uma idéia que ameniza bastante a perda de tudo e de todos que aqui se deixam. É difícil para uma pessoa avaliar a si própria e dizer que está preparada para deixar esse mundo, mas começar pensando que esta aprendizagem é individual, contínua e intransferível, pode ser um bom começo.
Quem já teve a oportunidade de conhecer mais detalhadamente o Tarô, deve saber que quando sai para alguém a carta da Morte, não significa literalmente um prenúncio do seu fim. Neste oráculo milenar, a morte é sinônimo de mudança radical, da atenção que se deve ter para as transformações necessárias, sejam de ordem espiritual, emocional ou até material.
No mais, encará-la com uma certa intimidade pode torná-la menos medonha (desde pequeno ouvia uma tia chamá-la pelo nome de “Jovita”). Olhando o tema por este ângulo, é possível que muitas mulheres quisessem ter um encontro marcado com uma morte com a cara de Brad Pitt (certamente Claire Forlani ou Liv Tyler renderiam também uma longa fila de candidatos a “passar desta pra melhor”!). Afinal, devemos concordar que não é nada fácil imaginar ser conduzido para o outro lado por um esqueleto de túnica preta e com uma longa foice na mão.