Muito além da pornografia
Poucas fontes são tão ricas para se conhecer a sociedade dos Estados Unidos quanto o cinema. Se Hollywood exibe a todo tempo megaproduções unicamente para exaltar a hegemonia norte-americana diante do restante do mundo, sabe também produzir filmes que expõem com muita nitidez suas contradições, suas fraquezas, seus vícios.
Entre os que assisti nesse sentido, está o premiado “O Povo Contra Larry Flynt”. Ele conta a história de um homem simples que criou na década de 1970 um verdadeiro império da pornografia. Com uma ótima atuação de Woody Harrelson no papel de Larry Flynt e da controvertida cantora/atriz Courtney Love, vivendo a decadente Althea, este filme revela os bastidores de uma sociedade plantada em valores morais conservadores, contraditoriamente marcada por princípios civis de liberdade de expressão.
Larry Flynt, que teve uma infância miserável no interior do Estado de Ohio, fabricando e vendendo bebida alcoólica proibida por lei, cresceu no mundo da contravenção, chegando a montar um clube de streaptease de quinta categoria. Lá, no entanto, conheceu aquela que viria a ser muito mais do que uma dançarina pornô. Ao lado de Althea, de seu irmão e de amigos, ele cria a Hustler Publicações, uma revista de mulheres nuas mais ousada e extravagante do que a Playboy e outras do gênero. A explosão de vendas e os artigos bombásticos da Hustler fazem de Larry o inimigo número um da moral e dos bons costumes dos EUA.
A partir daí nasce um milionário da pornografia – um tumor maligno a desafiar todos os pilares que sustentam qualquer sociedade organizada. Suas declarações e irreverência o levam ao banco dos réus e à prisão por inúmeras vezes, e à própria decadência pessoal através de tragédias seguidas. No entanto, por trás de suas atitudes existe o maior de todos os desafios: mostrar o quanto é possível haver crescimento a partir da diversidade e da liberdade que norteiam quaisquer decisões.
“O Povo Contra Larry Flynt” é o retrato de universos distintos – o que escancara o lixo e o que exalta o luxo, o sucesso e a decadência, a sanidade e a loucura – faces de uma única moeda, que compra e vende pessoas com a mesma naturalidade com que negocia qualquer objeto. E se o filme toma os Estados Unidos como cenário, é uma mera casualidade, pois nenhum país do planeta poderia se isentar desta realidade, em maior ou menor grau.